CONHEÇA!

sábado, 29 de maio de 2021

REFLEXÃO DO EVANGELHO DO DOMINGO: A FESTA DA TRINDADE

Imagem: cebi.org
SOLENIDADE DA SANTÍSSIMA TRINDADE - Mateus 28,16-20

Celebra-se neste domingo a Solenidade da Santíssima Trindade. É uma festa que se nos convida a celebrar e agradecer. As três leituras que se oferecem na liturgia deste domingo ajudam a entender melhor a presença do Pai, do Filho e do Espírito Santo. A conclusão do evangelho de Mateus define a missão dos discípulos e discípulas como continuação da presença de Jesus no mundo.

Na narrativa do Evangelho de hoje, escutamos que “Os onze discípulos foram para a Galileia, ao monte que Jesus lhes tinha indicado.” Eles voltam para suas terras, para o lugar onde se encontraram com o Senhor. Nesse mesmo espaço que conheceram ao Senhor e experimentaram sua Boa Nova receberam também suas últimas palavras. Aos discípulos ele se faz presente e atualiza até nossos dias a missão de Jesus.

Quando viram Jesus, ajoelharam-se diante dele. Os discípulos, ao verem Jesus, se ajoelham, mas alguns ainda duvidavam. É significativo o realismo dos evangelistas que sempre deixam aberta a possibilidade de não entender ou até não aceitar o que está acontecendo.

Acabam de ver Jesus e alguns se ajoelham diante dele porque o aceitam como o Senhor Ressuscitado. Eles o reconhecem como seu Deus, seu Mestre, que continua acompanhando-os e permanece a seu lado. Jesus tinha dito: “Eu não deixarei vocês órfãos, mas voltarei para vocês” (Jo 14,18). Eles acreditam nas suas palavras e neste momento reconhecem sua presença no meio deles.

Ainda assim, alguns duvidaram”. Neste texto do evangelista Mateus acontece diante da mesma manifestação de Jesus aparecem diferentes atitudes dos discípulos e discípulas.

Alguns deles o adoram e outros duvidam. Eles ainda não acreditam que a presença de Jesus no meio deles. É possível que ele continue guiando-os como seu Mestre e Senhor? Ao longo do Tempo Pascal, lemos diferentes manifestações de Jesus às mulheres, aos discípulos reunidos, aos que iam pelo caminho de Emaús, e a tantos outros/as, mas nem todos acreditam no imediato.

Podemos reconhecer, nessa pequena comunidade, a nossa comunidade e a Igreja onde convivem luzes e sombras?

Adorar o Senhor é resposta ao dom de sua presença e do seu Amor, que nos cativa e surpreende. Eles se ajoelham diante do Senhor! O reconhecem e acreditam nele. Mas nem sempre é fácil colocar-se de joelhos. É reconhecer-se menor e colocar tudo nas mãos daquele que consideramos nosso guia e mestre.

Neste dia peçamos ao Senhor que nos conceda esse presente que nos coloca de joelhos diante dele! Que sejamos uma comunidade de discípulos e necessitados das palavras e dos conselhos de Jesus. Uma comunidade humilde, simples, sem aparência.

Como disse Francisco, somos parte de uma “Igreja que é uma barca que ao longo da travessia deve enfrentar também ventos contrários e tempestades que ameaçam afundá-la. O que a salva não são a coragem e as qualidades de seus homens: a garantia contra o naufrágio é a fé em Cristo e em sua palavra. Esta é a garantia: a fé em Jesus e em sua palavra”. (Disponível em: “A fé não é uma fugados problemas da vida”, Papa Francisco).

Nas palavras que Jesus nos dirige hoje está explicitado o mandato missionário da Igreja de todos os tempos: “vão e façam discípulos em todos os povos, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo, e ensinando-os a observar tudo o que ordenei a vocês”.

A missão dos discípulos não é ficar olhando sua partida e simplesmente lembrando o que foi vivido. O Espírito Santo celebrado e recebido na semana passada é luz interior para descobrir sempre qual é o melhor caminho para responder a esta missão. Continua sendo assim a presença contínua que anima a Igreja desde seus inícios.

Jesus promete estar sempre com os seus: “Eis que eu estarei com vocês todos os dias, até o fim do mundo”.

As palavras “todos os dias” nos comunicam a certeza de que, em cada momento que vivemos, o Senhor está conosco! Peçamos ao Espírito Santo que nos abra os olhos para reconhecer, no hoje de nossa vida, a presença do Emanuel.

O mandato missionário de Jesus a sua Igreja nos revela o coração da Trindade. O desejo de Deus é que a humanidade participe de sua vida de comunhão para a qual fomos criados.

Assim, a missão da Igreja, que tem como centro o ser humano, se coloca a serviço, especialmente daqueles que mais precisam da centralidade e da atenção: os pobres, os marginalizados e tantas pessoas que continuam na busca de uma terra digna para seus filhos e filhas.

Texto de Ana Maria Casarotti

(Publicado pelo Instituto Humanitas, 25/05/2018)

Fonte: https://cebi.org.br/reflexao-do-evangelho/a-festa-da-trindade/  

 

quarta-feira, 26 de maio de 2021

MARIA A MÃE DE JESUS

 
Ícone de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro

QUEM É MARIA, MÃE DE JESUS?


Maria, mãe de Jesus, foi aquela que acolheu e amou a Palavra de Deus, que carregou em seu seio a Palavra viva, que fez a grande experiência do amor e da fidelidade de Deus, por meio de Jesus Cristo.

Como mãe e mestra dos primeiros Apóstolos ela é também mãe de todos nós, por pertencermos à família redimida de Cristo. Na nossa religiosidade ela ocupa lugar especial. Cada pessoa é um sinal de Deus; Maria o é de modo especial.

Maria é para nós modelo de verdadeiros discípulos e discípulas. Mulher de fé que segue sempre aprendendo, capaz de ouvir, silenciar e guardar em seu coração os acontecimentos. Sempre pronta, Maria deu o seu “sim” e se manteve fiel a ele nas mais diversas circunstâncias. Foi fiel ao sim pessoal e fundamental para a história da salvação.

Maria, antes de tudo “mãe”, passou por grandes dificuldades. “E guardava tudo no coração” (Lc 2,51). Portanto podemos chamá-la a mãe do silêncio. Em quase toda vida pública de Jesus, Maria fala pouco, contempla Jesus e procura crescer na fé.

MARIA É MODELO DE FÉ

Maria, assim como todos os Apóstolos, foi compreender e ver com mais clareza o mistério em que estava envolvida, só depois da ressurreição de Jesus. Antes, nada estava claro para ela. Ela vivia sua vida sempre entregue a Deus. Meditava e guardava a Palavra de Deus no coração, colocando-a em prática conforme lemos no Evangelho (Lc 11,27-28; Lc 8,19-21). Em sua vida estava sempre presente este desejo: “Eis aqui a serva do Senhor. Faça-se em mim segundo a sua vontade”. E com esse sentimento no coração, ela, no silêncio de sua casa em Nazaré, cuidava dos afazeres domésticos e educava seu filho. Preparava-o para sua missão, assim como todas as mães que dedicam suas vidas à preparação dos filhos para o mundo. Maria é a mãe inspiradora de muitas mulheres na desafiante missão da maternidade.

MARIA É A MÃE DA IGREJA

Com o seu SIM incondicional a Deus, Maria é associada à obra da redenção. São João o confirma assim, no seu Evangelho (19, 25-27). Na cruz, Jesus entrega sua mãe a São João, que representa, ali, a Igreja, assim como entrega João a Maria. Assim, Maria é a mãe da Igreja. Como Mãe de Jesus Cristo, cabeça do Corpo místico, ela é a mãe do corpo todo. Assim, é também a nossa mãe por pertencermos à família redimida por Cristo. Maria continua exercendo sua maternidade sagrada na vida da Igreja atuante no mundo de hoje.

MARIA, PRESENÇA CONSTANTE NA EVANGELIZAÇÃO

Maria tem representado um papel muito importante na evangelização das mulheres latino-americanas e tem feito delas evangelizadoras eficazes como esposas, mães, religiosas, trabalhadoras e profissionais. Continuamente lhes inspira a fortaleza para dar a vida, debruçar-se sobre a dor, resistir e dar esperança quando os caminhos se tornam difíceis.

A presença de Maria é feminina, cria ambiente de família, o desejo de acolhimento, o amor e o respeito à vida, por isso a família cristã continua olhando para ela como exemplo de mulher, mãe e esposa. Sigamos os passos de Maria, inspirando-nos no seu modo de vida, para que possamos amar mais a Jesus e melhor segui-lo.

Neuza Silveira de Souza 
Coordenadora da Comissão Arquidiocesana Bíblico-catequética de BH

sexta-feira, 21 de maio de 2021

REFLEXÃO DO EVANGELO DO DOMINGO: “SANTA RUAH”: O SOPRO QUE NOS UNE

 


Domingo de Pentecostes João 20,19-23,

 “Soprou sobre eles e disse: Recebei o Espírito Santo” (Jo 20,22)

De Jesus e do Pai fazemos muitas representações; do Espírito, muito mais que falar dele, invocamos a relação com Ele: “vem!”. Invocamos para vir aquele que já está presente. Ele é o realizador das transformações, o possibilitador de toda relação, o aumentador da vida.

O fogo, o vento e a água viva são os símbolos mais potentes com os quais a Bíblia tenta dizer algo dessa presença possibilitadora de tudo o que vive, de sua força criadora e criativa, de sua imprevisibilidade, de sua capacidade para gerar sabedoria, saúde e beleza. O fogo, o vento e a água viva são símbolos do movimento constante e do fluir silencioso dos processos que gestam a vida.

No relato da Criação, “a Ruah de Deus (em hebraico, Ruah é palavra feminina) pairava sobre as águas” (Gênesis 1,2): trata-se de uma bela imagem da matriz ou útero originário fecundo de tudo quanto existe; tudo é amorosamente acolhido, fecundado, gestado, carregado neste grande ventre cósmico que podemos chamar divino: “Deus”. Alento, sopro, vento, respiração, força, fogo… com nome feminino que fala de maternidade e de ternura, de vitalidade e carícia. Seu calor gera harmonia no caos, realça a beleza e originalidade de cada criatura, dando a cada uma seu lugar, o espaço que necessita para potencializar seu ser. Nessa relação adequada, cada erva, cada montanha, cada ser que vive, tem seu lugar e seu sentido.

“O Espírito pairava sobre as águas” (Gênesis 1,2). “Pairava” pode ser traduzido também por “vibrava”. Tudo vibra no universo: vibram as partículas e vibram os átomos, vibram as estrelas e vibram as galáxias, vibram os seres humanos, vibram o canto e a dança. Cada som é vibração e também o silêncio é vibração. O coração de cada ser, pequeno ou grande, pedra, planta ou animal está vibrando. A vida é vibração.

O Espírito que “pairava” sobre as águas é a imagem da vibração divina que habita e se move no coração de tudo quanto existe. O Espírito é a respiração universal.

Tudo é energia, movimento, relação. Daí brotam maravilhosamente todas as formas de todos os seres, como de uma misteriosa matriz materna.

E o Espírito sempre está ali silenciosamente presente, como Aquele que vincula e une, como tecedora constante de redes que fazem crescer, como reparadora de todos os tecidos que um dia se rasgaram e se separaram do pano único de onde confluem todos os fios da vida.

Hildegar von Bingen dizia que o Espírito é “vida da vida de toda criatura”.

Cada dia é o primeiro dia da Criação; cada instante é o princípio. A Criação está acontecendo e renovando-se a cada instante e uma energia profunda e criativa nos acompanha, nos anima e nos move. Estamos sendo criados; não estamos prontos e abandonados, não estamos condenados a um plano predeterminado e frio. Em tempos de Pentecostes é bom recordar e dizer a nós mesmos “somos criaturas, estamos sendo amorosamente criadas/os e impulsionadas/os a criar. Há esperança”.

Contemplar deste modo a realidade, move-nos a confiar, esperar, respirar. Contemplemo-la assim: a realidade inteira alentada e fecundada sem cessar pelo Espírito materno; a realidade inteira carregada de infinitas e novas possibilidades, carregada de infinito. Podemos esperar.

Hoje, somos conscientes e podemos agradecer essa presença do Espírito nos perfumes que a humanidade exala: no seu empenho pela paz e pela justiça, na contribuição à integridade da criação, na sua cumplicidade com os ciclos que favorecem a vida, no potencial de ternura, de cuidado e de resistência frente a todas aquelas situações e forças que desintegram a vida, na ação colaborativa, na interdependência, no diálogo e na abertura às diferentes culturas e às diversas tradições espirituais, maneiras novas e necessárias de situar-nos no mundo. Tudo isso é sinal do movimento do Espírito.

No momento em que entramos no mundo, nascemos formando parte de uma rede de relações. Este tecido relacional vai nos expandindo ao longo do crescimento. “Ao final de minha, vida abrirei meu coração cheio de nomes” (Pedro Casaldáliga). O Espírito é o que escreve os nomes que vão conformando nossa vida, nos quais fizemos experiência do que significa isso que chamamos amor e que está gravado em nossa origem e em nosso destino, como nossa fome maior e como nosso dom mais apreciado.

A imagem do “soprar sobre eles” (João 20,22; cf. Gênesis 2,7), no evangelho de hoje, contém uma riqueza elegante: significa compartilhar o que é mais “vital” de uma pessoa, sua própria respiração, seu mesmo espírito, todo seu dinamismo.

É uma imagem que nos faz reconhecer o Espírito como o alento último, o dinamismo vital que pulsa em todas as formas de vida que podemos ver e que nelas se manifesta. Não há nada onde não possamos percebê-lo, nada que não nos fale dele.

Por isso, a comunidade dos seguidores de Jesus, ao compartilhar com ele o mesmo sopro, torna-se uma “comunidade conspiratória”, ou seja, “conspirar”, “com-inspirar”, “respirar juntos”; ao soprar o Espírito, Jesus e os discípulos respiram o mesmo ar, o mesmo sonho, a mesma utopia do Reino…

Não é estranho que, com o Espírito, Jesus se refira à missão: é o mesmo Espírito – seu sopro – aquele que o conduziu e quer conduzir a nós também.

O Espírito e nós não somos dois. Somos “seres espirituais vivendo uma aventura humana” (Teilhard de Chardin). Quando tomamos consciência desta realidade profunda, realizam-se em nós as palavras de Jesus: a unidade de tudo morando em nós, no amor – outro nome do Espírito -, como única realidade que tudo sustenta e constitui.

Mais ainda, o Espírito habita nosso ser profundo, sustenta nossas energias sadias, aumenta nossas forças, compromete-nos a crescer de forma autônoma. Ele age como um “princípio dinâmico” e como um “energético ativo”, que reforça as atividades criativas do eu. Temos de viver a partir do Espírito, transformando e vitalizando nossos gestos, pensamentos, compromissos, encontros.

Por isso, Pentecostes não acontece até que, reconhecendo o Espírito como nossa identidade mais profunda, nos deixamos guiar por ele, ou melhor, viver a partir dele, conscientemente conectados com a fonte primeira. Falar do Espírito e celebrar Pentecostes é, portanto, celebrar a festa, a vida e a identidade última de tudo o que é e existe: é nossa festa.

Para meditar na oração

“O Espírito urge!” Para abrir-nos a este “sopro”, de modo que possamos experimentá-lo no nosso “eu” mais profundo, precisamos calar a mente, abrir-nos diretamente ao que é, e perceber, com prazer, que podemos descansar sempre nisso. “Descanso” é outro nome do Espírito.

No silêncio da mente, o Espírito se revela a nós, não como uma presença separada, mas como presença interna de tudo o que é: cuidado, descanso, dinamismo, vida em plenitude. E isso é o que somos todos.

Texto de Adroaldo Palaoro

Fonte: cebi.org.br

CARTA ABERTA DOS BISPOS DA AMAZÔNIA AO POVO BRASILEIRO

 

FOTO DE CHARLIE HAMILTON JAMES, NAT GEO IMAGE COLLECTION

BISPOS DA AMAZÔNIA, EM CARTA, AFIRMAM QUE OS OLHARES AMBICIOSOS SE VOLTAM SOBRE O BIOMA E LANÇAM SOBRE ELE A DEPREDAÇÃO QUE AMEAÇA A VIDA

 

A Comissão Episcopal Especial para a Amazônia da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e a Rede Eclesial Pan-Amazônica (REPAM-Brasil) divulgam nesta quarta-feira, 19 de maio, a carta aprovada pelos bispos da Amazônia que reunidos, de modo on-line, entre os dias 18 e 19 de maio, se dirigirem ao povo brasileiro diante às ameaças a toda casa comum e, especialmente, ao bioma amazônico.

No texto, os bispos afirmam que se sentem “sensibilizados pela situação de vulnerabilidade e ameaças que sofre toda casa comum, agravada pela pandemia da Covid-19, e pelo acirramento das disputas territoriais com expansão das atividades minerais e do agronegócio em terras de populações tradicionais”. Na mensagem, os bispos ressaltam que o cenário político indigenista vivido no Brasil é de “retrocesso” e que a “crise socioambiental, denunciada em 2019 durante o Sínodo, acentuou-se durante a pandemia”.

Os bispos fazem, ainda, um apelo às mais variadas lideranças de cristãos leigos e leigas que “não desaminem da luta” e pedem que a “sensibilidade para com os mais pobres seja permanente”.

CARTA ABERTA DO ENCONTRO DOS BISPOS DA AMAZÔNIA LEGAL

 

Ao povo brasileiro,

“Vi, então, um novo céu e uma nova terra, morada de Deus com sua gente (…). Nunca mais haverá morte, nem luto, nem grito, nem dor.
Sim! As coisas antigas passaram! Eis que faço novas todas as coisas” (cf Ap 21, 1- 5).

“Cristo aponta para Amazônia”.

A convocação de São Paulo VI, que repetidas vezes nos inspirou como interpelação, se configura agora como profecia: os olhares se voltam para Amazônia, pela riqueza da sua biodiversidade e de seus povos, e isto nos alegra; mas também olhares ambiciosos, que lançam sobre a região um avanço de depredação e ameaça à vida, e isto nos causa indignação. Como Igreja Católica, também nós, lançamos nosso olhar vigilante, nossa escuta contemplativa e esperançosa, nosso comprometimento inequívoco; levantamos nossa voz, renovamos os apelos à ecologia integral, ao cuidado com a casa comum, à proteção e preservação da região e renovamos nosso empenho como aliados dos povos desta Querida Amazônia.

Nós, bispos da Amazônia, presbíteros e diáconos, religiosos e religiosas, cristãos leigos e leigas em profunda sintonia com o Sínodo Pan-Amazônico, reunidos nos dias 18 e 19 de maio de 2021, desta vez nos servindo das tecnologias de comunicação, de distantes nos fizemos próximos, como nos fazemos próximos do nosso povo como uma Igreja que se põe à escuta e acolhe as culturas e tradições amazônicas, expressão do Espírito de Deus. No exercício de nossa missão evangelizadora dirigimos esta mensagem a toda sociedade, aos povos da Amazônia, aos homens e mulheres comprometidos com a defesa da vida. E o fazemos profundamente sensibilizados pela situação de vulnerabilidade e ameaças que sofre toda casa comum, agravada pela pandemia da Covid-19, e pelo acirramento das disputas territoriais com expansão das atividades minerais e do agronegócio em terras de populações tradicionais. A consequência desse cenário de morte tem sido as inúmeras e incontáveis vítimas da pandemia. Chegamos aos quase 440.000 mortos, além dos que sucumbiram diante de processos de violência no campo e na cidade. Nos solidarizamos com todos os que tombaram vítimas do descaso e dos projetos de morte. Como o salmista, reconhecemos a preciosidade da vida de cada homem e de cada mulher que partiu: “É de alto preço, aos olhos do Senhor, a morte dos seus fiéis” (Sl 116,15).

Nosso olhar vigilante

 

Acompanhamos estarrecidos, mas não inertes, o desenrolar de um arquitetado projeto genocida que, por sua vez, revela o devastador agravamento de uma crise que escancara a pobreza diante da escandalosa concentração de riquezas. Este é o sinal evidente da perversidade de uma economia de mercado, embasada no capital especulativo, que se alimenta das necessidades dos estados nacionais, fazendo destes seus novos consumidores. Assim, o capital sequestra a autonomia dos Estados, exige e dita os novos rumos da política, rompe com as históricas conquistas sociais, desmonta as instituições e políticas de seguridade, alimenta-se das posturas extremistas, que por sua vez buscam na religião sua legitimidade de expressão. Essa perversidade busca revestir-se de um maquiado desejo de liberdade e de autonomia diante da lei, derruba os marcos legais que garantem o equilíbrio das relações e a salvaguarda do bem comum. As lutas das populações da Amazônia têm diante de si o escandaloso desafio da pretensiosa legalidade do ilícito. Ou apelamos para a garantia legal da vida e dos territórios, ou nos defendemos quando o extermínio se torna lei!

Este dinamismo é escancaradamente presente diante da questão das lutas dos povos indígenas. O cenário político indigenista vivido no Brasil é de retrocesso, com o agravamento das violações dos direitos destes povos, principalmente no que se refere à regularização dos seus territórios. Eles enfrentam invasões de suas terras, incentivadas por estratégias políticas que favorecem a exploração, por garimpeiros, mineradoras, madeireiros, desmatadores, agentes do agronegócio, entre tantos outros, gerando toda espécie de violências e violações de direitos humanos e da natureza. Somam-se os incêndios, poluição das águas dos rios, contaminação de peixes, contaminação das pessoas e dos animais; assassinatos, violência sexual, pandemia, desassistência.

Percebemos, também, que a crise socioambiental, denunciada em 2019 durante o Sínodo, acentuou-se durante a pandemia e revela os limites de um sistema que está sendo rapidamente destruído e que tende a perecer se a crise não for detida. Preocupa-nos a cadeia de iniciativas em vista do desmonte e fragilização da legislação socioambiental e fundiária: O PL 3729/2004 que desmonta o sistema de licenciamento ambiental; o PL 2633/2020 e PL 510/2021 que abrem as “porteiras” para a grilagem de terras; o PL 191/2020 permitindo a mineração e atividades econômicas em terras indígenas; o PL 6299/2002 que flexibiliza fabricação e uso de agrotóxicos. A profecia não silencia diante destas práticas: “Ai dos que inventam leis injustas, dos escribas que referendam a injustiça para oprimirem os pobres no julgamento” (Is 10,1-2).

Enquanto escrevemos estas linhas, populações que há mais de 30 anos estavam presentes em seu chão, são despejadas no Assentamento Jacutinga em Porto Nacional – Tocantins, contrariando a recomendação do Conselho Nacional de Justiça de não executar decisões desse tipo em tempo de pandemia.

Outra série de agressões vão se acumulando neste cenário que não escapa aos nossos olhos: as ameaças às unidades de conservação, o acirramento da violência no campo e na cidade, a crise migratória, o feminicídio, a exploração sexual, o trabalho escravo, o tráfico de pessoas, entre tantos. Como se não bastassem essas crises provocadas pela intervenção humana, o fenômeno das enchentes, que pode ser agravado pelas mudanças climáticas, castiga nossas populações ribeirinhas. De olho nas águas, percebemos uma iminente crise hídrica como pauta de um próximo embate.

Somos sabedores que os governantes têm o dever constitucional de agir para evitar a destruição das riquezas naturais e implementar políticas públicas que amenizem a situação de desigualdade e pobreza, porém, na Amazônia isso não vem acontecendo. Assistimos um governo que vira as costas a esses clamores, opta pela militarização em seus quadros, semeia estratégias de criminalização de lideranças e provoca conflito entre os pequenos. Dói em nossos corações de pastores as imagens de escárnio e zombaria das dores de nossa gente: “Nossa alma está farta, em extremo, da zombaria dos satisfeitos e do desprezo dos soberbos” (Sl 123,4).

Não obstante este cenário, mantemos viva e acesa nossa esperança no Ressuscitado: “No mundo tereis aflições, mas tende coragem! Eu venci o mundo”. (Jo 16,33)

Nossa escuta contemplativa e esperançosa

 

Aprendemos da experiência do Sínodo da Amazônia um olhar esperançoso. A Amazônia é também resposta! Ela irrompe como novo sujeito e como novo paradigma pela questão ecológica e pelos seus povos originários. A partir da Amazônia fomos desafiados a assumir esses novos paradigmas em nossa ação evangelizadora. Os caminhos traçados pelo Sínodo da Amazônia, catalogados em forma de compromisso no novo Pacto das Catacumbas pela Casa Comum, deixaram evidente a necessidade de superar uma lógica colonizadora, de escolher a periferia como centro da Igreja, de assumir o caminho da inculturação e interculturalidade, seja no campo dos ministérios como das estruturas: uma Igreja com o rosto Amazônico.

Constatamos com alegria a atuação de uma infinidade de comunidades constituídas e milhares de lideranças de cristãos leigos, na sua maioria mulheres, que atuam no campo da evangelização e educação socioambiental. A partir dos relatórios dos Regionais da CNBB na Amazônia, verificamos que estamos a passos lentos, mas progressivos, tornando concretos os caminhos de conversão propostos no Documento Final do Sínodo e os quatro Sonhos do Papa Francisco na Exortação Apostólica pós-sinodal Querida Amazônia. Foi justamente para retomarmos o ardor do Sínodo da Amazônia e apreciar os passos dados que fomos convocados para este encontro. Perguntamo-nos: “Que mudanças efetivamente têm ocorrido em nossa ação evangelizadora desde as indicações do Sínodo?”

Nosso comprometimento inequívoco

 

A Igreja na Amazônia já tem um caminho. Somos uma Igreja que age sob a força e inspiração do Espírito de Deus. A liberdade e ousadia do Evangelho são mais fortes que as amarras e os desgastes das estruturas. A conversão pastoral, desde a Conferência de Aparecida (2007), nos interpela, a conversão integral, desde o Sínodo da Amazônia, nos inquieta. Somos sabedores dos desafios de manter a unidade em tempos de conflitos, do nosso papel mediador. Não somos ingênuos de pautar nosso agir em polarizações agressivas, como insistem até mesmo alguns que dizem professar a fé em Jesus Cristo, mas não haja dúvidas de que lado nós estamos: por causa do Evangelho e do Reino reafirmamos nossa incondicional escolha por estas populações, por estes territórios, por estas vidas ameaçadas. Em nada nos fascina qualquer aproximação com esses sistemas perversos, mas também aos que neles se envolvem, anunciamos a Boa Nova de Jesus: “Cumpriu-se o tempo, e está próximo o Reino de Deus. Arrependei-vos e crede no Evangelho” (Mc 1,15)!

Não estamos sozinhos, há outros interlocutores da fé cristã, de outras expressões religiosas, de organizações populares, novos sujeitos emergentes; a partir dos pequeninos nos sentimos irmanados neste compromisso. “Tudo isso nos une. Como não lutar juntos? Como não rezar juntos e trabalhar lado a lado para defender os pobres da Amazônia, mostrar o rosto santo do Senhor e cuidar de sua obra criadora?” (Querida Amazônia 110).

Sentimo-nos impulsionados e animados a reafirmar alguns compromissos:

 

·         Prosseguir e avançar em nossa pauta pastoral as reflexões e indicações ousadas do Sínodo em torno dos ministérios, como apresenta o Documento Final do Sínodo nos números 103 e 111, e da formação inculturada dos nossos agentes;

·         Elaborar um plano estratégico com diretrizes pastorais, que encarne o sonho social, ecológico, cultural e eclesial para a Pan Amazônia;

·         Incentivar a questão da segurança alimentar como estratégia de cuidado pela vida;

·         Reafirmar nosso envolvimento efetivo com o Pacto pela Vida e pelo Brasil, unindo-nos ao “coro dos lúcidos” fazendo nossas as suas pautas: a vacina para todos, a defesa do SUS, o auxílio emergencial digno, pelo tempo que se fizer necessário e a investigação da responsabilidade pela má gestão do sistema de saúde em meio à pandemia do coronavírus. Da mesma forma tornar vivo o Pacto Educativo Global, proposto Papa Francisco, em todas as regiões da Amazônia. Conclamamos todas as instâncias eclesiais e a sociedade como um todo a unir-se neste engajamento; “O que vos é sussurrado ao ouvido, proclamai-o sobre os telhados” (Mc 10,27). Tendo descoberto a capilaridade das novas dinâmicas de comunicação, das quais nos servimos para chegar junto às nossas comunidades em tempos de distanciamento social, igualmente queremos por meio destes recursos fazer chegar a todos e todas estas nossas inquietações, esperanças e compromissos.

Exortamos, às mais variadas lideranças de cristãos leigos e leigas, que não desanimem da luta, que renovem continuamente o senso de comunhão eclesial, que a paixão pelo Reino de Deus seja sempre alimentada, e que a sensibilidade para com os mais pobres seja permanente.

Não nos faltem a intercessão de nossos mártires, companheiros de caminhada, e o olhar benevolente da Senhora de Nazaré, Mãe da Amazônia: “esses vossos olhos misericordiosos a nós volvei”! A Mãe de Deus está conosco. Sigamos em frente!

Amazônia, 19 de maio de 2021.

Participantes do Encontro Bispos da Amazônia Legal

 

FONTE: https://www.cnbb.org.br/carta-dos-bispos-da-amazonia-brasileira/ 

domingo, 16 de maio de 2021

MINISTÉRIO DO CATEQUISTA: O QUE MUDA PARA O CATEQUISTA EM SUA MISSÃO?

Muito se tem questionado, nos diversos grupos de catequese, quais serão as mudanças na vida do catequista com a instituição do "Ministério do Catequista". Tentando responder um pouco a esta questão, já que ainda não temos os documentos das conferências episcopais a respeito, escolhi um pergunta feita em nosso grupo no Facebook:

"Tenho uma dúvida, e se possível gostaria de entender o que vai mudar para nós catequistas com a criação do ministério de catequista.??Pergunto no sentido de obrigações, e/ou responsabilidades?"

Por enquanto, o "serviço" à catequese, que cada um desempenha, não muda. Mas, a INSTITUIÇÃO do MINISTÉRIO DO CATEQUISTA - com certeza, uma grande honra e uma valorização inestimável à missão do catequista - vai mudar bastante o "SER" catequista, que não será mais encarado como um simples serviço à paróquia junto com tantos outros que se exerce. Observe-se aqui que provavelmente não haverá "acúmulo" de ministérios, pois, isso não atende ao critério de "dedicação" ou "disponibilidade" ao serviço à catequese.

Mas, é bom entender que, conforme o documento do Papa, caberá às CONFERENCIAS EPISCOPAIS, no nosso caso a CNBB, disciplinar sobre os CRITÉRIOS e estudos necessários para que o catequista receba este ministério. Ou seja, não será para para todos e nem para "qualquer um". E por "qualquer um" (sem ofensas), é aquele que não têm "formação catequética", conhecimento da Igreja e nem experiência e dedicação comprovada a este ministério.

Até agora não existia o "ministério instituído da catequese", visto que não havia um documento do Papa ou "motu próprio" a este respeito. Algumas dioceses até colocaram em suas Igreja particulares este "ministério", mas, não era INSTITUÍDO ainda pela Santa Sé. Inclusive no documento o Papa comunica que haverá: "Rito de Instituição especial que a Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos publicará em breve". Em 2006, a CNBB publicou um estudo a respeito, o de nº 95 (livro verde), a respeito do Ministério do catequista, no entanto, este ministério ainda não tinha plena aceitação da Santa Sé, apesar do assunto ter sido discutido nos vários sínodos da catequese.

Não será a Paróquia ou o pároco a conceder o ministério conforme o seu critério: "O ministério laical de catequista também tem 'um forte valor vocacional' porque 'um serviço estável prestado à Igreja local' que requer 'o devido discernimento por parte do bispo'". Seria bom que todos conhecessem as questões relativas a ministério "reconhecido", "confiado" e "instituído" e suas diferenças.

- Reconhecido: quando alguém vem atuando na catequese e, sem formalidades, este trabalho é acolhido pela comunidade e presbíteros;

- Confiado: é um passo a frente quando, depois de certa caminhada, o ministério da catequese é confiado a alguém, a concessão ainda simples, mas, mais empenhativa. Aqui é uma designação, nomeação, missão canônica com condições mais claras, deveres mais específicos, responsabilidade maior. Assim acontece com a "coordenação" do ministério.

- Instituído: aqui é quando o ministério da catequese é conferido a alguém mediante um rito litúrgico muito antigo chamado "instituição". O rito é feito numa celebração litúrgica junto à comunidade como acontece com as ordenações presbiterais e diaconais. Antes é claro, é feita uma caminhada de preparação adequada - humana, espiritual, intelectual, pastoral - que foi envolvendo a comunidade e o candidato com maior intensidade.

Segundo o Estudo 95 (2006, 70), a instituição do ministério do catequista não é um acontecimento ordinário, mas, extraordinário, especial, como são as instituições diaconais e dos ministros extraordinários da comunhão eucarística. Logo, as "mudanças" que acontecerão, são no sentido de se instituir o ministério como forma de busca uma maior responsabilidade com relação ao serviço como catequista; dedicação e tempo à catequese; formação integral e, com certeza, um exercício vocacional a esta importante missão na Igreja.

Para o catequista que deseja receber o ministério instituído - se de fato, for encarado com a seriedade que merece - eu sugiro que repense a sua diaconia (serviço à Igreja), que deve ser feita com total comprometimento e busca de formação e conhecimento.

E para finalizar, o Papa Francisco, coloca no documento tudo que é necessário para que o Catequista tenha o ministério instituído:

"Os catequistas devem ser homens e mulheres "de fé profunda e maturidade humana"; devem participar ativamente da vida da comunidade cristã; devem ser capazes de "acolhimento, generosidade e uma vida de comunhão fraterna"; devem ser formados do ponto de vista bíblico, teológico, pastoral e pedagógico; devem ter amadurecido a prévia experiência da catequese; devem colaborar fielmente com os presbíteros e diáconos e "ser animados por um verdadeiro entusiasmo apostólico".

Há, portanto, uma lista de exigências a serem cumpridas, importantes para que o ministério seja, de fato, um reconhecimento ao inestimável serviço à catequese, que muitos leigos e leigas desempenham:

- Maturidade humana (equilíbrio psicológico e estabilidade emocional);
- Participação ativa na comunidade, com disponibilidade e comprometimento (e não "de vez em quando");
- Capaz de acolhimento, generosidade e vida de comunhão fraterna (observar os sacramentos da iniciação);
- Formados do ponto de vista bíblico, teológico, pastoral e pedagógico (cursos pastorais, diocesanos e superior);
- Prévia experiência da catequese (exercício da catequese em relação ao tempo);
- Colaborar fielmente com os presbíteros e diáconos (colocar-se em sintonia com as lideranças paroquiais e colaborar em ela);
- Ser animado por um verdadeiro entusiasmo apostólico (alegria em servir).

Por esta "lista" já se pode antever que não será assim tão fácil ser um "ministro da catequese". E nem poderia ser diferente, já que esta é uma missão importante demais para a Igreja, que precisa de uma evangelização integral se quiser atingir a todos.

Ousemos "sonhar" que o ministério será acessível a todos, e que muitos o terão, pois assim teremos muitos mais evangelizados do que temos hoje e a catequese deixará se ser um simples "cursinho" para se adquirir sacramentos e se tornará um verdadeiro caminho de iniciação à vida cristã.


Ângela Rocha - Catequista e formadora

FONTES:

CNBB. Ministério do Catequista. estudos da CNBB nº 95. São Paulo: Paulus, 2006.

FRANCISCO. Antiquum ministerium - Pelo qual se institui o Ministério do Catequista. 11 de maio de 2021. Encontrado em:
https://www.vatican.va/content/francesco/pt/motu_proprio/documents/papa-francesco-motu-proprio-20210510_antiquum-ministerium.html



sábado, 15 de maio de 2021

DIA MUNDIAL DAS COMUNICAÇÕES SOCIAIS - SOLENIDADE DA ASCENSÃO

 

Este é o tema para a celebração do 55º Dia Mundial das Comunicações Sociais, escolhido pelo Papa Francisco e divulgado nesta terça-feira, 29 de setembro, dia de São Gabriel Arcanjo. Ems 2021, a celebração será em 16 de maio.


MENSAGEM DO PAPA FRANCISCO
PARA O LV DIA MUNDIAL DAS COMUNICAÇÕES SOCIAIS

 “Vem e verás” (Jo 1, 46). Comunicar encontrando as pessoas onde estão e como são.

Queridos irmãos e irmãs!

O convite a “ir e ver”, que acompanha os primeiros e comovedores encontros de Jesus com os discípulos, é também o método de toda a comunicação humana autêntica. Para poder contar a verdade da vida que se faz história (cf. Mensagem para o LIV Dia Mundial das Comunicações Sociais, 24 de janeiro de 2020), é necessário sair da presunção cômoda do “já sabido” e mover-se, ir ver, estar com as pessoas, ouvi-las, recolher as sugestões da realidade, que nunca deixará de nos surpreender em algum dos seus aspetos. “Abre, maravilhado, os olhos ao que vires e deixa as tuas mãos cumular-se do vigor da seiva, de tal modo que os outros possam, ao ler-te, tocar com as mãos o milagre palpitante da vida”: aconselhava o Beato Manuel Lozano Garrido[1] aos seus colegas jornalistas. Por isso, este ano, desejo dedicar a Mensagem à chamada a “ir e ver”, como sugestão para toda a expressão comunicativa que queira ser transparente e honesta: tanto na redação dum jornal como no mundo da web, tanto na pregação comum da Igreja como na comunicação política ou social. “Vem e verás” foi o modo como a fé cristã se comunicou a partir dos primeiros encontros nas margens do rio Jordão e do lago da Galileia.

Gastar as solas dos sapatos

Pensemos no grande tema da informação. Há já algum tempo que vozes atentas se queixam do risco dum nivelamento em “jornais fotocópia” ou em noticiários de televisão, rádio e websites que são substancialmente iguais, onde os gêneros da entrevista e da reportagem perdem espaço e qualidade em troca duma informação pré-fabricada, “de palácio”, autorreferencial, que cada vez menos consegue interceptar a verdade das coisas e a vida concreta das pessoas, e já não é capaz de individualizar os fenômenos sociais mais graves nem as energias positivas que se libertam da base da sociedade. A crise editorial corre o risco de levar a uma informação construída nas redações, diante do computador, nos terminais das agências, nas redes sociais, sem nunca sair à rua, sem “gastar a sola dos sapatos”, sem encontrar pessoas para procurar histórias ou verificar com os próprios olhos determinadas situações. Mas, se não nos abrimos ao encontro, permanecemos espectadores externos, apesar das inovações tecnológicas com a capacidade que têm de nos apresentar uma realidade engrandecida onde nos parece estar imersos. Todo o instrumento só é útil e válido, se nos impele a ir e ver coisas que do contrário não chegaríamos a saber, se coloca em rede conhecimentos que de contrário não circulariam, se consente encontro que de contrário não teriam lugar.

Aqueles detalhes de crônica no Evangelho

Aos primeiros discípulos que querem conhecer Jesus, depois do seu Batismo no rio Jordão, Ele responde: “Vinde e vereis” (Jo 1, 39), convidando-os a permanecer em relação com Ele. Passado mais de meio século, quando João, já muito idoso, escreve o seu Evangelho, recorda alguns detalhes “de crônica” que revelam a sua presença no local e o impacto que teve na sua vida aquela experiência: “era cerca da hora décima, observa ele! Isto é, as quatro horas da tarde (cf. 1, 39). No dia seguinte (narra ainda João), Filipe informa Natanael do encontro com o Messias. O seu amigo, porém, mostra-se cético: “De Nazaré pode vir alguma coisa boa?” Filipe não procura convencê-lo com raciocínios, mas diz-lhe: “vem e verás” (cf. 1, 45-46). Natanael vai e vê, e a partir daquele momento a sua vida muda. A fé cristã começa assim; e comunica-se assim: com um conhecimento direto, nascido da experiência, e não por ouvir dizer. “Já não é pelas tuas palavras que acreditamos; nós próprios ouvimos…”: dizem as pessoas à Samaritana, depois de Jesus Se ter demorado na sua aldeia (cf. Jo 4, 39-42). O método “vem e verás” é o mais simples para se conhecer uma realidade; é a verificação mais honesta de qualquer anúncio, porque, para conhecer, é preciso encontrar, permitir à pessoa que tenho à minha frente que me fale, deixar que o seu testemunho chegue até mim.

Agradecimento pela coragem de muitos jornalistas

O próprio jornalismo, como exposição da realidade, requer a capacidade de ir aonde mais ninguém vai: mover-se com desejo de ver. Uma curiosidade, uma abertura, uma paixão. Temos que agradecer à coragem e determinação de tantos profissionais (jornalistas, operadores de câmera, editores, cineastas que trabalham muitas vezes sob grandes riscos), se hoje conhecemos, por exemplo, a difícil condição das minorias perseguidas em várias partes do mundo, se muitos abusos e injustiças contra os pobres e contra a criação foram denunciados, se muitas guerras esquecidas foram noticiadas. Seria uma perda não só para a informação, mas também para toda a sociedade e para a democracia, se faltassem estas vozes: um empobrecimento para a nossa humanidade.

Numerosas realidades do planeta – e mais ainda neste tempo de pandemia – dirigem ao mundo da comunicação um convite a “ir e ver”. Há o risco de narrar a pandemia ou qualquer outra crise só com os olhos do mundo mais rico, de manter uma “dupla contabilidade”. Por exemplo, na questão das vacinas e dos cuidados médicos em geral, pensemos no risco de exclusão que correm as pessoas mais indigentes. Quem nos contará a expetativa de cura nas aldeias mais pobres da Ásia, América Latina e África? Deste modo as diferenças sociais e econômicas a nível planetário correm o risco de marcar a ordem da distribuição das vacinas anti-Covid, com os pobres sempre em último lugar; e o direito à saúde para todos, afirmado em linha de princípio, acaba esvaziado da sua valência real. Mas, também no mundo dos mais afortunados, permanece oculto em grande parte o drama social das famílias decaídas rapidamente na pobreza: causam impressão, mas sem merecer grande espaço nas notícias, as pessoas que, vencendo a vergonha, fazem a fila à porta dos centros da Cáritas para receber uma ração de víveres.

Oportunidades e insídias na web

A rede, com as suas inumeráveis expressões nos meios sociais, pode multiplicar a capacidade de relato e partilha: muitos mais olhos abertos sobre o mundo, um fluxo contínuo de imagens e testemunhos. A tecnologia digital dá-nos a possibilidade duma informação em primeira mão e rápida, por vezes muito útil; pensemos nas emergências em que as primeiras notícias e mesmo as primeiras informações de serviço às populações viajam precisamente na web. É um instrumento formidável, que nos responsabiliza a todos como utentes e desfrutadores. Potencialmente, todos podemos tornar-nos testemunhas de acontecimentos que de contrário seriam negligenciados pelos meios de comunicação tradicionais, oferecer a nossa contribuição civil, fazer ressaltar mais histórias, mesmo positivas. Graças à rede, temos a possibilidade de contar o que vemos, o que acontece diante dos nossos olhos, de partilhar testemunhos.

Entretanto foram-se tornando evidentes, para todos, os riscos duma comunicação social não verificável. Há tempo que nos demos conta de como as notícias e até as imagens sejam facilmente manipuláveis, por infinitos motivos, às vezes por um banal narcisismo. Uma tal consciência crítica impele-nos, não a demonizar o instrumento, mas a uma maior capacidade de discernimento e a um sentido de responsabilidade mais maduro, seja quando se difundem seja quando se recebem conteúdos. Todos somos responsáveis pela comunicação que fazemos, pelas informações que damos, pelo controlo que podemos conjuntamente exercer sobre as notícias falsas, desmascarando-as. Todos estamos chamados a ser testemunhas da verdade: a ir, ver e partilhar.

Nada substitui o ver pessoalmente

Na comunicação, nada pode jamais substituir, de todo, o ver pessoalmente. Algumas coisas só se pode aprender, experimentando. Na verdade, não se comunica só com as palavras, mas também com os olhos, o tom da voz, os gestos. O intenso fascínio de Jesus sobre quem O encontrava dependia da verdade da sua pregação, mas a eficácia daquilo que dizia era inseparável do seu olhar, das suas atitudes e até dos seus silêncios. Os discípulos não só ouviam as suas palavras, mas viam-No falar. Com efeito, n’Ele – Logos encarnado – a Palavra ganhou Rosto, o Deus invisível deixou-Se ver, ouvir e tocar, como escreve o próprio João (cf. 1 Jo 1, 1-3). A palavra só é eficaz, se se “vê”, se te envolve numa experiência, num diálogo. Por esta razão, o “vem e verás” era e continua a ser essencial.

Pensemos na quantidade de eloquência vazia que abunda no nosso tempo, em todas as esferas da vida pública, tanto no comércio como na política. “Fala muito, diz uma infinidade de nadas. As suas razões são dois grãos de trigo perdidos em dois feixes de palha. Têm-se de procurar o dia todo para os achar, e, quando se encontram, não valem a procura”.[2] Estas palavras ríspidas do dramaturgo inglês aplicam-se também a nós, comunicadores cristãos. A boa nova do Evangelho difundiu-se pelo mundo, graças a encontros pessoa a pessoa, coração a coração: homens e mulheres que aceitaram o mesmo convite – “vem e verás” –, conquistados por um “extra” de humanidade que transparecia e brilhava no olhar, na palavra e nos gestos de pessoas que testemunhavam Jesus Cristo. Todos os instrumentos são importantes, e aquele grande comunicador que se chamava Paulo de Tarso ter-se-ia certamente servido do e-mail e das mensagens eletrônicas; mas foram a sua fé, esperança e caridade que impressionaram os contemporâneos que o ouviram pregar e tiveram a sorte de passar algum tempo com ele, de o ver durante uma assembleia ou numa conversa pessoal. Ao vê-lo agir nos lugares onde se encontrava, verificavam como era verdadeiro e frutuoso para a vida aquele anúncio da salvação de que ele era portador por graça de Deus. E mesmo onde não se podia encontrar pessoalmente este colaborador de Deus, o seu modo de viver em Cristo era testemunhado pelos discípulos que enviava (cf. 1 Cor 4, 17).

“Nas nossas mãos, temos os livros; nos nossos olhos, os acontecimentos”: afirmava Santo Agostinho,[3] exortando-nos a verificar na realidade o cumprimento das profecias que se encontram na Sagrada Escritura. Assim, o Evangelho volta a acontecer hoje, sempre que recebemos o testemunho transparente de pessoas cuja vida foi mudada pelo encontro com Jesus. Há mais de dois mil anos que uma corrente de encontros comunica o fascínio da aventura cristã. Por isso, o desafio que nos espera é o de comunicar, encontrando as pessoas onde estão e como são.

Senhor, ensinai-nos a sair de nós mesmos,
e partir à procura da verdade.

Ensinai-nos a ir e ver,
ensinai-nos a ouvir,
a não cultivar preconceitos,
a não tirar conclusões precipitadas.

Ensinai-nos a ir aonde não vai ninguém,
a reservar tempo para compreender,
a prestar atenção ao essencial,
a não nos distrairmos com o supérfluo,
a distinguir entre a aparência enganadora e a verdade.

Concedei-nos a graça de reconhecer as vossas moradas no mundo
e a honestidade de contar o que vimos.

 

Roma, em São João de Latrão, na véspera da Memória de São Francisco de Sales, 23 de janeiro de 2021.

 

Franciscus


[1] Jornalista espanhol, nascido em 1920, falecido em 1971 e beatificado em 2010.

[2] W. Shakespeare, O mercador de Veneza, Ato I, Cena I.

[3] Sermão 360/B, 20.