“Um mundo onde a tecnologia está ao serviço dos povos e não a humanidade ao serviço da tecnologia”. Palavras de Dom Vincenzo Paglia, na entrevista sobre o livro “Os Papas e a Pontifícia Academia para a Vida”.
A Libreria Editrice Vaticana publicou o livro “Os Papas e
a Pontifícia Academia para a Vida” que apresenta dentro do contexto das
rápidas mudanças da ciência e da tecnologia os pronunciamentos dos Papas sobre
o assunto. Uma coletânea de Discursos, Cartas e Mensagens que oferece, entre
outras coisas, um panorama das iniciativas que têm caracterizado a Pontifícia
Academia para a Vida desde seu nascimento, em 1994, a pedido de São João Paulo
II, até os dias de hoje.
O prefácio escrito pelo cardeal Secretário de Estado Pietro
Parolin destaca que são mais de 25 anos marcados pela atenção de três Papas,
que permitem "acompanhar a evolução progressiva dos muitos temas tratados
e a atenção que o Magistério dos Papas tem dedicado constantemente a
eles", lembrando também o tumultuado desenvolvimento do conhecimento
científico e da tecnologia que levou "a uma contínua expansão dos aspectos
que devem ser considerados para proteger e promover a vida humana". Os discursos
apresentados, explica o Cardeal Parolin, devem ser lidos com base nas
Encíclicas e outros documentos dos Papas para compreender a densidade da
mensagem de cada texto. Para o Secretário de Estado, é também uma oportunidade
de agradecer à Academia pelo seu trabalho na delicada fronteira da tutela e
promoção da vida em todas as suas fases.
Na Introdução escrita pelo presidente da Pontifícia
Academia para a Vida, Dom Vincenzo Paglia ressalta como esta coleção permite
captar o profundo vínculo que une estes Documentos. E descreve a contribuição
de cada Papa:
São João Paulo II
Sem dúvida um dos pensamentos fortes de São João Paulo II era
o apelo à integração da pesquisa científica com a ética e também a luz que vem
da Revelação Cristã, particularmente diante dos perigos do utilitarismo e da
mentalidade da pretensa autonomia absoluta do homem, "como se ele fosse o
autor de sua própria vida”. Essencialmente, um humanismo fechado à
transcendência. Portanto, é importante, enfatiza Dom Paglia na Introdução,
lembrar da ligação entre ética e direito, onde a primeira deve encontrar a
segunda e onde emerge que o positivismo do direito está sempre ligado ao
relativismo ético.
Bento XVI
Com Bento XVI, sublinha o prelado, há um aprofundamento sistemático
destes temas e também a introdução de outros novos temas. Na sua reflexão é
central o tema da consciência cristã e a relação entre razão e fé, um traço
distintivo de seus ensinamentos. Um vínculo no qual a razão é chamada a
realizar um processo de purificação através do diálogo com a fé, tanto que
Bento XVI escreveu que foi o próprio cristianismo que criou aquela matriz
cultural que "tornou possível na Europa da Idade Média o desenvolvimento
do conhecimento científico moderno, que nas culturas anteriores tinha ficado
apenas na semente".
Papa Francisco
Na mesma linha dos ensinamentos de São João Paulo II e de
Bento XVI estão também as intervenções do Papa Francisco. A atenção dada na Laudato
Si’ à ecologia integral, e também aos cuidados paliativos e às implicações
ligadas ao desenvolvimento e ao uso da inteligência artificial e da robótica.
Também foi importantíssimo o novo Estatuto de 2016 para a Pontifícia Academia
para a Vida e, entre os documentos de Francisco, a Humana Communitas, a
Carta por ocasião do 25º aniversário da fundação da Academia com a indicação da
família e da relação entre homem e mulher como o lugar central de iniciação à
fraternidade para toda a humanidade.
Entrevista com Dom Vincenzo Paglia:
Refletindo sobre as contribuições dadas ao nascimento e
desenvolvimento da Pontifícia Academia para a Vida por João Paulo II, Bento XVI
e pelo Papa Francisco, o senhor enfatiza o vínculo profundo que os une e define
como "um verdadeiro corpus orgânico e unitário, também através da
variedade de contextos históricos e diferenças linguísticas". Portanto
estamos falando de um único fio condutor que se baseia na necessidade de que a
ciência e a tecnologia reconheçam como inviolável a dignidade do homem em todas
as suas fases?
Dom Vincenzo Paglia: A continuidade do Magistério e a
continuidade do trabalho emergem com grande força na leitura síncrona dos
discursos que os Papas dirigiram à Pontifícia Academia para a Vida nestes 25
anos de vida. Na introdução ao livro, o Secretário de Estado, Cardeal Pietro
Parolin, observa exatamente que a fé anima a pesquisa sobre as questões
inéditas que a história nos propõe, a fim de tratá-las no nível ético. Como
presidente da Pontifícia Academia para a Vida, achei apropriado reunir as
intervenções dos três Papas: poderíamos dizer um magistério que, em
continuidade, soube ler a história em seu dinamismo e encontrar palavras
apropriadas para iluminar seus diferentes horizontes. A extraordinária intuição
de João Paulo II revela-se verdadeiramente fecunda e muito atual, mesmo nestes
tempos de coronavírus e tecnologias que intervêm nas diversas fases da vida
humana. Ética e direito, defesa da vida e defesa da dignidade humana, uma visão
antropológica básica que focaliza o valor da pessoa humana. Mas também os
desafios colocados pela ciência e tecnologia que nunca são neutros e por uma
visão das relações econômicas e sociais que devem colocar as pessoas e as
famílias no centro, pólos fundamentais para o desenvolvimento de uma sociedade
verdadeiramente humana. Estes e muitos outros são os pontos em comum que podem
ser encontrados através da leitura dos discursos dos Papas.
O Magistério de Bento XVI é sem dúvida marcado pela relação entre
fé e razão. O que se destaca em particular em seus discursos à Pontifícia
Academia para a Vida?
Dom Vincenzo Paglia: Ética e ciência, fé e razão, e o papel da consciência
moral são as três articulações dos discursos do Papa Bento XVI. A confiança na
ciência nunca deve nos fazer esquecer o primado da ética; a confiança na razão
abre e enriquece o diálogo com a fé. E no desafio para a defesa da vida, o
primado da consciência moral está sem dúvida em primeiro plano. Nos dramas das
pessoas - pense nas mulheres que fazem aborto ou nos doentes que pedem a
eutanásia - a Igreja se volta para a consciência, proclama o Evangelho da vida
que chama todos à conversão, para que a vida seja sempre plenamente humana,
preservada em sua dignidade.
Na mesma linha do ensino de São João Paulo II e Bento XVI estão
também as intervenções do Papa Francisco, como o contraste à eutanásia e ao
aborto. O que lhe impressiona no seu apelo à construção de um humanismo
fraterno de indivíduos e povos, sublinhado na Carta Humana Communitas para os
25 anos da Pontifícia Academia?
Dom Vincenzo Paglia: Com o Papa Francisco, na esteira do Magistério
anterior, o olhar da Academia foi ampliado: o Papa pediu primeiro que a
Academia servisse a vida humana não apenas no início e no fim, mas em cada
momento da existência. Para fazer isso, ele queria cientistas de diferentes
disciplinas e de muitas origens culturais e religiosas. Deste mandato surgiram
os estudos (e as intervenções do Papa Francisco) sobre novos capítulos:
refiro-me em primeiro lugar às novas tecnologias - chamadas convergentes - e no
impacto que elas têm sobre o desenvolvimento, sobre a qualidade de vida, sobre
a melhoria das possibilidades de cuidado para todos e não apenas para alguns.
Por exemplo, a robótica ou a inteligência artificial e a introdução de sistemas
avançados mudam a relação do homem consigo mesmo e com o meio ambiente. Penso
no horizonte da "bioética global", que exige que ampliemos nossa
análise para as transformações trazidas pelo desenvolvimento da ciência e da
tecnologia e que verifiquemos o impacto na qualidade de vida humana. Falo do prolongamento
da vida humana que ocorreu graças ao progresso da pesquisa e então entram na
reflexão tópicos como os cuidados paliativos, questões de fim de vida, o papel
da espiritualidade e das religiões no delineamento de um sentido para a vida na
era tecnológica A Pontifícia Academia para a Vida é estimulada a desenvolver
uma reflexão que leve em conta os desafios em um planeta onde as possibilidades
de desenvolvimento, de vida, de uso de tecnologias não são para todos. Um
planeta que sofre com a exploração indiscriminada dos recursos causada por um
modelo de desenvolvimento que consome e acaba em vez de se preocupar em renovar
e dar um futuro a todos. É por isso que a vida, para a Igreja, nunca é
entendida abstratamente, ela é declinada em suas diversas fases, em contextos
sociais e culturais, e o objetivo profundo é nos ensinar como construir
uma Humana Communitas. Um mundo onde a tecnologia está ao serviço dos
povos, para o bem comum, e não a humanidade ao serviço da tecnologia.
Debora Donnini
Vatican News
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