4º DOMINGO DA QUARESMA: Lucas 13,1-9
Há pessoas que se comprazem em condenar as vítimas e alforriar os
algozes, e em afirmar que as tragédias que se multiplicam não passam de
fatalidades imprevisíveis. E há muita gente resiste a encarar e dar nomes aos
males que nos rodeiam e com os quais às vezes colaboramos, da pandemia à guerra
na Ucrânia. O conhecimento e o reconhecimento dos fatos e das pessoas supõem
abertura, sensibilidade, conversão.
Deus irrompe na vida de Moisés a partir do sofrimento do seu povo. Este
sofrimento profundo, intenso e real é simbolizado no fogo. Deus chega dizendo,
quase aos gritos, que está vendo a opressão do seu povo, que os seus
sofrimentos ferem seu coração e os clamores ferem seus ouvidos. É como se Deus
dissesse a Moisés: ‘E você não vê nada, não escuta nada?’ Acontece que o nosso
ver e o nosso julgar podem estar a serviço de uma determinada ideologia ou por
ela condicionados, de modo que vemos algumas coisas e estamos cegos para outras
Esta questão está bem ilustrada no episódio narrado por Lucas, no
evangelho do terceiro domingo da quaresma. Está no contexto do ensino de Jesus
sobre a missão profética e solidária dos discípulos e sobre a necessidade de
interpretar corretamente os sinais dos tempos. Alguns fariseus interrompem a
catequese de Jesus trazendo-lhe a notícia de que um grupo de galileus rebeldes
fora assassinado por Herodes no templo. Isso ressoa como uma advertência a
Jesus: ‘Continue assim, e verás o que acontecerá! Não esqueça que Herodes e
Pilatos estão atentos’.
Mas está presente também uma acusação às próprias vítimas: no
entendimento dos fariseus, Herodes representaria a mão de Deus, que pune
aqueles que, de alguma forma, são culpados. Esta é uma interpretação terrível
de fatos em si mesmo trágicos. Por isso, Jesus reage criticando o preconceito
dos fariseus frente aos galileus e questionando a leitura justificadora e
irresponsável que eles fazem dos fatos. E o faz chamando à memória dos
discípulos e fariseus outra ocorrência, conhecida de todos: a queda de uma
torre que resultara na morte de 18 judeus em Jerusalém.
Ao mesmo tempo, Jesus enfrenta com firmeza as tentativas que querem
demovê-lo da decisão de prosseguir sua missão profética e a teologia ensinada
pelos defensores do templo. Afirmando que somos todos pecadores, que
estamos sujeitos a errar ou a não atingir a meta, Jesus nos convida a deixar a
cadeira de juízes e abrir os olhos para uma realidade que é mais complexa que a
simples divisão entre ‘pessoas de bem’ e ‘gente que não presta’.
Os Bispos do Brasil afirmam “O individualismo não nos torna mais livres,
mais iguais, mais irmãos. A simples soma dos interesses individuais não é capaz
de gerar um mundo melhor para toda a humanidade, nem pode nos preservar de
tantos males que se tornam cada vez mais globais. O individualismo radical é o
vírus mais difícil de vencer. Ele nos ilude e faz crer que tudo se reduz a
soltar as rédeas das próprias ambições, como se acumulando ambições e
seguranças, pudéssemos construir o bem comum” (cf. Texto-Base, nº 40).
A mensagem mais forte da liturgia do terceiro domingo da quaresma é o
apelo à conversão, que começa com uma mudança no nosso modo de ver a realidade
e de julgar os fatos e as pessoas. A conversão não se faz aos saltos, nem de
uma vez para sempre. ‘Conversão, justiça, comunhão e alegria no cristão é
missão de cada dia.’ A conversão começa no encontro com Jesus, que nos ama de
forma incondicional e aposta nas nossas possibilidades e na nossa vontade.
Mesmo não vendo os frutos esperados e tendo motivos para não esperar qualquer
mudança, ele se dispõe a adubar o terreno com sua palavra e seu próprio corpo.
Jesus de Nazaré, Filho da Humanidade e Filho de Deus! Não nos deixes
cair na tentação de pensar que a pandemia, a guerra e a educação nada têm a ver
com nossa fé e de culpar as vítimas pelas próprias misérias. Que cada um de
nós, nossas comunidades e movimentos, partindo da certeza de que Deus, teu e
nosso pai, é lento e suave na cólera, mas rápido e estável na bondade, não assimilemos
tuas lições. Aduba nossa vida com tua Palavra, teu Corpo e teu Sangue, para que
possamos dar os frutos esperados. Assim seja! Amém!
texto de Itacir Brassiani
fonte: cebi.org.br