Ninguém
nasce catequista. Aqueles
que são chamados a esse serviço tornam-se bons catequistas por meio da prática,
da reflexão, da formação adequada, da conscientização de sua importância como
educadores da fé. E tudo isso não é voluntariado!
segunda-feira, 28 de setembro de 2020
O CATEQUISTA É UM "VOLUNTÁRIO"?
terça-feira, 22 de setembro de 2020
CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA: PARA QUÊ FOI FEITO?
Conheça mais sobre o CIC
- Catecismo da Igreja Católica!
Mirticeli Medeiros*
Muitos católicos, ao menos uma vez na vida, tiveram contato
com aquele livro amarelinho que "sempre salva" a vida de alguém
quando surgem dúvidas relacionadas à doutrina católica. O Catecismo da Igreja
Católica (CIC), cuja última edição foi organizada pelo então cardeal Joseph
Ratzinger, e publicada em 1997, é um fruto do Concílio Vaticano II por
excelência.
Um fato curioso é que tanto a edição do século 16, quanto a
atual, foram feitas para corresponder às orientações pastorais dos concílios
ecumênicos que as antecederam. Pode-se dizer, portanto, que são
"documentos pós-conciliares", utilizados para a assimilação dos
conteúdos essenciais da fé católica.
Não por acaso, a proposta para a criação do catecismo atual
surgiu justamente durante o Sínodo dos Bispos de 1985, convocado por João Paulo
II para comemorar os 20 anos de conclusão do Vaticano II. E foi o próprio papa
polonês a explicar, no documento que autorizava a criação do Catecismo (a
constituição apostólica Fidei Depositum), que "o Vaticano II
deveria ser, na atualidade, a fonte de inspiração para toda e qualquer ação
pastoral na Igreja", e que o CIC se propunha a promover, nesse contexto,
"uma catequese renovada".
O Catecismo no decorrer dos séculos
Os padres da Igreja - os mestres do cristianismo primitivo -
escreveram várias instruções a respeito da prática da doutrina cristã. Um
exemplo disto é a Didaché (ou Didaqué), texto do século II no qual
o autor (desconhecido) explica os fundamentos da religião nascente, bem como
algumas particularidades de seu culto.
Na idade média, São Tomás de Aquino criou uma espécie de
"compêndio" para aqueles que se preparavam para o batismo, dotado de
pouco rigor teológico justamente para facilitar a compreensão. Sua estrutura
serviu de base para a criação dos catecismos. O conteúdo era dividido em 5
folhetos: Símbolo; o Pai-Nosso; Saudação Angélica; Decálogo e Sacramentos.
No entanto, o uso amplo do termo "catecismo" para
designar um "manual de instruções doutrinárias" de caráter mais
"universal" começa a ser adotado somente no século 16. Alguns
atribuem a Martin Lutero a difusão maior da palavra, uma vez que foi ele quem
publicou, por primeiro, em 1529, dois volumes de textos sobre a fé cristã
utilizando este nome: o Catecismo Maior - com orientações para os ministros - e
o Catecismo Menor - para o ensinamento das crianças. Todavia, vale salientar
que, apesar de não utilizar o nome, o catolicismo já dispunha de manuais com
instruções doutrinárias difundidos em alguns territórios. O mais conhecido era
o "Catecismo Vaurense", produzido pelo sínodo local de Lavaur
(França), em 1386.
Em âmbito católico, foi o Concílio de Trento (1545-1563) a
aprovar a primeira edição do Catecismo da Igreja Católica, chamado Catechismus
ad parochos - do latim, Catecismo aos párocos -, que como o próprio nome
diz, serviria de subsídio para que os padres pudessem instruir os fiéis e assim
"desviá-los das heresias". O texto foi publicado 3 anos após a
conclusão do concílio, em 1566.
E é por isso que a Associação Italiana de Professores de
História da Igreja (AIPHS) fala que uma "literatura catequética" se
estruturou no decorrer dos séculos, e cujo apogeu se observou no século 16,
período no qual se inaugurou a "era do catecismo". Anos depois, o
jesuíta italiano Roberto Belarmino, para facilitar ainda mais o entendimento
sobre os fundamentos da fé católica, escreveu a "Doutrina da fé
cristã" e a "Declaração mais copiosa da fé cristã". Os livros
esclarecem algumas dúvidas doutrinais a partir de uma sequência de perguntas e
respostas feitas "pelo mestre ao discípulo" e vice-versa. As obras se
tornaram, pelos 3 séculos posteriores à publicação, o manual de referência para
todo católico.
Visando facilitar a compreensão dos assuntos referentes ao
catolicismo, Pio X também publicou seu Catecismo em 1905, adotando o método
dialógico de perguntas e respostas de Berlamino. Bastante elogiada por Bento
XVI - que inclusive incentiva, ainda hoje, o seu uso - a obra é considerada por
ele de grande valor para a história do catolicismo. Porém, de acordo com o papa
emérito, o catecismo atual "responde melhor às exigências do
presente".
As apropriações do Catecismo
Não é raro ver, hoje em dia, determinados grupos desviarem o
Catecismo da sua função original. Aos poucos, o "livro amarelo",
criado para promover a catequese, foi instrumentalizado para respaldar
interpretações isoladas. Curiosamente, as pautas populistas, propagadas
amplamente no cenário político, passaram a receber um "aval católico"
e histérico de religiosos que, na verdade, não passam de falsificadores da doutrina.
É nessas horas que vemos o quanto as paixões partidárias
podem levar algumas pessoas a "vender" a própria fé. Muitas delas,
"cheias de autoridade" auto atribuída, desmembram alguns artigos de
seu contexto, alegando, por exemplo, que a Igreja defenda o porte de armas, a
partir de uma interpretação viciada do parágrafo que trata da legítima defesa.
Para não citar outros absurdos propagados nas redes sociais, dentre os quais a
ideia de contrapor o Catecismo – fruto do Vaticano II, diga-se – ao
próprio Vaticano II e criticar Papa Francisco por considerar a pena de morte
inadmissível.
Mergulhar na história do Catecismo é importante porque, com o
passar do tempo, algumas pessoas passaram a utilizar o livro "na
ofensiva", esquecendo-se que, a lista de explicações sobre os pilares da
fé católica, serve para mostrar ao mundo a identidade do catolicismo. O que
vemos, ao contrário, é a desfiguração dessa identidade por parte de quem
deveria, por primeiro, promovê-la.
*Mirticeli Medeiros é jornalista e mestre em História
da Igreja pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma. Desde 2009, cobre o
Vaticano para meios de comunicação no Brasil e na Itália e é colunista do Dom
Total, onde publica às sextas-feiras.
FONTE:
https://domtotal.com/noticia/1464178/2020/08/catecismo-da-igreja-catolica-para-que-foi-feito/
domingo, 20 de setembro de 2020
PAPA FRANCISCO - DOMINGO 20/09/2020
Muito chão pra caminhar...
sábado, 19 de setembro de 2020
TAREFAS FUNDAMENTAIS DA CATEQUESE, SEGUNDO O DIRETÓRIO GERAL PARA A CATEQUESE (1997)
– Favorecer o conhecimento da fé: Aquele que encontrou Cristo deseja conhecê-Lo o mais possível, assim como deseja conhecer o desígnio do Pai, que Ele revelou. O conhecimento da fé (fides quae) é exigência da adesão à fé (fides qua). Já na ordem humana, o amor por uma pessoa leva a desejar conhecê-la sempre mais. A catequese deve levar, portanto, a compreender progressivamente toda a verdade do projeto divino, introduzindo os discípulos de Jesus Cristo no conhecimento da Tradição e da Escritura, a qual é a “eminente ciência de Jesus Cristo” (Fil 3,8).
O aprofundamento no conhecimento da fé ilumina cristãmente a existência humana, alimenta a vida de fé e habilita também a prestar razão dela no mundo. A Entrega do símbolo, compêndio da Escritura e da fé da Igreja, exprime a realização desta tarefa.
– A educação litúrgica: Cristo está sempre presente em Sua Igreja, sobretudo nas ações litúrgicas. A comunhão com Jesus Cristo leva a celebrar a sua presença salvífica nos sacramentos e, particularmente, na Eucaristia. Por isso, a catequese, além de favorecer o conhecimento do significado da liturgia e dos sacramentos, deve educar os discípulos de Jesus Cristo à oração, à gratidão, à penitência, à solicitação confiante, ao sentido comunitário, à linguagem simbólica, uma vez que tudo isso é necessário, a fim de que exista uma verdadeira vida litúrgica.
– A formação moral: A conversão a Jesus Cristo implica o caminhar na sua sequela. A catequese deve, portanto, transmitir aos discípulos as atitudes próprias do Mestre. Eles empreendem assim, um caminho de transformação interior, no qual, participando do mistério pascal do Senhor, passam do velho para o novo homem aperfeiçoado em Cristo. O Sermão da Montanha, no qual Jesus retoma o decálogo e o imprime com o espírito das bem-aventuranças, é uma referência indispensável na formação moral, hoje tão necessária. Este testemunho moral, para o qual a catequese prepara, deve saber mostrar as consequências sociais das exigências evangélicas.
– Ensinar a rezar: A comunhão com Jesus Cristo conduz os discípulos a assumirem a atitude orante e contemplativa que adotou o Mestre. Aprender a rezar com Jesus é rezar com os mesmos sentimentos com os quais Ele se dirigia ao Pai: a adoração, o louvor, o agradecimento, a confiança filial, a súplica e a contemplação da sua glória. Estes sentimentos se refletem no Pai Nosso, a oração que Jesus ensinou aos discípulos e que é modelo de toda oração cristã. A Entrega do Pai Nosso, resumo de todo o Evangelho, é, portanto, verdadeira expressão da realização desta tarefa. Quando a catequese é permeada por um clima de oração, o aprendizado de toda a vida cristã alcança a sua profundidade.
– Educar para a vida comunitária: vida cristã em comunidade não se improvisa e é preciso educar para ela, com cuidado. Para esta aprendizagem, o ensinamento de Jesus sobre a vida comunitária, narrado pelo Evangelho de Mateus, requer algumas atitudes que a catequese deverá inculcar: o espírito de simplicidade e de humildade (Mt 18,3); a solicitude pelos pequeninos (Mt 18,6); a atenção especial para com aqueles que se afastaram (Mt 18,12); a correção fraterna (Mt 18,12); a oração em comum (Mt 18,19); o perdão mútuo (Mt 18,22). O amor fraterno unifica todas estas atitudes (Jo 13,34).
Ao educar para este sentido comunitário, a catequese dará uma especial atenção à dimensão ecumênica, e encorajará atitudes fraternas para com os membros de outras Igrejas cristãs e comunidades eclesiais. Por isso, a catequese, ao procurar atingir esta meta, exporá com clareza toda a doutrina da Igreja Católica, evitando expressões que possam induzir ao erro.
– Iniciar para a missão: A catequese é igualmente aberta ao dinamismo missionário. Ela se esforça por habilitar os discípulos de Jesus a se fazerem presentes, como cristãos, na sociedade e na vida profissional, cultural e social. Prepara-os também a prestarem a sua cooperação nos diferentes serviços eclesiais, segundo a vocação de cada um. As atitudes evangélicas que Jesus sugeriu aos seus discípulos, quando os iniciou na missão, são aquelas que a catequese deve alimentar: ir em busca da ovelha perdida; anunciar e curar ao mesmo tempo; apresentar-se pobres, sem posses nem mochila; saber assumir a rejeição e a perseguição; pôr a própria confiança no Pai e no amparo do Espírito Santo; não esperar outra recompensa senão a alegria de trabalhar pelo Reino.
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE O CONJUNTO DAS TAREFAS DA CATEQUESE:
As tarefas da catequese constituem, consequentemente, um rico e variado conjunto de aspectos. Sobre este conjunto, é oportuno tecer algumas considerações:
– Todas as tarefas são necessárias. Assim como para a vitalidade de um organismo humano, é necessário que funcionem todos os seus órgãos, também para o amadurecimento da vida cristã, é preciso que sejam cultivadas todas as suas dimensões: o conhecimento da fé, a vida litúrgica, a formação moral, a oração, a pertença comunitária, o espírito missionário. Se a catequese descuidar de uma dessas dimensões, a fé cristã não alcançará todo o seu desenvolvimento.
– Cada tarefa, à sua maneira, realiza a finalidade da catequese. A formação moral, por exemplo, é essencialmente cristológica e trinitária, plena de senso eclesial e aberta à dimensão social. O mesmo acontece com a educação litúrgica, essencialmente religiosa e eclesial, mas também muito exigente no seu empenho evangelizador em favor do mundo.
– As tarefas se implicam mutuamente e se desenvolvem conjuntamente. Cada grande tema catequético, por exemplo, a catequese sobre Deus Pai, tem uma dimensão cognoscitiva e implicações morais; interioriza-se na oração e se assume no testemunho. Uma tarefa chama outra: o conhecimento da fé torna idôneos à missão; a vida sacramental dá força para a transformação moral.
– Para realizar as suas tarefas, a catequese se vale de dois grandes meios: a transmissão da mensagem evangélica e a experiência da vida cristã. A educação litúrgica, por exemplo, necessita explicar o que é a liturgia cristã e o que são os sacramentos; porém deve também fazer experimentar os diversos tipos de celebração, fazer descobrir e amar os símbolos, o sentido dos gestos corporais, etc. A formação moral não apenas transmite o conteúdo da moral cristã, mas cultiva também, ativamente, as atitudes evangélicas e os valores cristãos.
– As diferentes dimensões da fé são objeto de educação, tanto no seu aspecto de “dom” quanto no seu aspecto de “compromisso”. O conhecimento da fé, a vida litúrgica e a sequela de Cristo são, cada uma, um dom do Espírito, que se recebe na oração e, ao mesmo tempo, um compromisso de estudo, espiritual, moral e testemunhal. Ambos os aspectos devem ser cultivados.
– Cada dimensão da fé, assim como a fé no seu conjunto, deve enraizar-se na experiência humana, sem permanecer na pessoa como algo de postiço ou de isolado. O conhecimento da fé é significativo, ilumina toda a existência e dialoga com a cultura; na liturgia, toda a vida pessoal é uma oferta espiritual; a moral evangélica assume e eleva os valores humanos; a oração é aberta a todos os problemas pessoais e sociais.
Como indicava o Diretório de 1971: “é muito importante que a catequese conserve esta riqueza de diversidade de aspectos, de forma que nenhum aspecto seja isolado, em detrimento dos demais”.
(Resumido:
Vale uma leitura na íntegra deste trecho do DGC)
terça-feira, 15 de setembro de 2020
ONDE BUSCAMOS A MENSAGEM DA CATEQUESE?
Resumindo, as fontes da Catequese são:
1 – Nas sagradas Escrituras;
2 – Tradição (Devoção aos santos,
devoção mariana, terço, orações/fórmulas)
3 – Magistério (Catecismos)
(DNC 23 – 25 – 106 – 107- 123 – 126 –
127)
Não podemos esquecer também a pessoa do Catequista, que tem a missão importantíssima de transmitir estas mensagens. Em sua fala no Simpósio Internacional sobre Catequese o Papa Francisco acrescentou que o “Catequista caminha a partir de Cristo e com Ele, não é uma pessoa que parte de suas próprias ideias e gostos, mas se deixa olhar por Ele, porque é este olhar que faz arder o coração.”
Segundo o Papa Francisco, o catequista deve levar crianças, jovens e adultos ao encontro de Jesus. Seja por meio das palavras ou dos exemplos de sua própria vida, seguindo três pilares:
1. Ter familiaridade com Cristo, aprender com Ele,
escutá-lo e permanecer em seu amor, como Ele mesmo ensinou aos discípulos: “Permaneçam
no meu amor, permaneçam ligados a mim, como o ramo está ligado à videira. Se
somos unidos a Ele, podemos dar frutos”. O coração do catequista deve viver
essa união com Ele.
2. Viver o dinamismo do amor, a exemplo de Cristo, no sair
de si para ir ao encontro do outro. O dom do catequista o impulsiona sempre
para fora de si mesmo, doando-se aos outros.
3. Não ter medo de sair, de ir até as periferias, de ir a
quem precisa, sair do comum para seguir a Deus, porque Deus vai sempre além.
O encontro de catequese deve ter o cuidado de desenvolver a vivência pessoal e comunitária da fé e seu compromisso com a transformação do mundo. Sendo assim, é fundamental que esses conteúdos tenham por base a fé crida, celebrada, vivida e rezada, e constitua um chamado à educação cristã integral.
O Catecismo da Igreja Católica é oferecido a todos os fiéis e a cada homem que queira conhecer aquilo em que crê a Igreja Católica. A educação à fé é bem radicada em todas as suas fontes e abraça diferentes dimensões. Ela é sustentada por quatro colunas:
1. O Credo
2. Os
Sacramentos
3. Mandamentos
e Bem aventuranças
4. Oração
do Pai Nosso
Baseado na riqueza da tradição do Catecismo, buscamos a orientação recordando a História da Salvação nas três etapas da Tradição Patrística:
1 – Antigo Testamento,
2 – Vida de Jesus (Novo testamento);
3 – História da Igreja (magistério,
tradição).
Ângela Rocha - Catequista
Graduanda em Teologia - 4º Período - PUCPR
Fontes:
- Diretório Geral de Catequese (130)
- Diretório Nacional de Catequese (106)
(Colaboração: Fátima Regina Meira
e Gleides Pacheco)
sábado, 5 de setembro de 2020
REFLEXÃO DO EVANGELHO DO DOMINGO: ABRA-SE À DIVERSIDADE!
23º DOMINGO DO TEMPO COMUM - Marcos 7.31-37
Quando leio os Evangelhos gosto de pensar nos rostos, nos corpos que se
juntavam em torno da fé em Jesus, nos primeiros séculos da era cristã. Quais
memórias animavam àquelas pessoas, quais seus medos, quais suas dúvidas em meio
as turbulências sociais e existenciais daqueles tempos? Como lidavam com as
diferenças?
A comunidade de Marcos nos faz imaginar a diversidade cultural e
religiosa que a constituía, sendo um grupo majoritariamente não judeu. Os
conflitos entre judeus e gentios era um desafio para o cristianismo originário.
Não foi diferente na comunidade de Marcos, e suas narrativas demonstram
tais conflitos onde os judeus queriam impor seus costumes para os cristãos. Por
isso neste evangelho o rosto de Jesus vai se desenhando com as cores da
diversidade e a mistura de raças presente nas sociedades humanas.
No capítulo 7 o texto apresenta as andanças de Jesus, indo para além de
suas terras e de sua cultura. A narrativa de Marcos nos mostra a geografia do
Mestre caminhando em territórios estrangeiros, indo para além do Mar da
Galiléia.
Nestas andanças encontra-se com os Fariseus e doutores da lei, seus
conterrâneos, um povo limpinho e anti-séptico, que seguiam seus rituais à risca
e se orgulhavam disso. Rituais propícios aos nossos dias em tempos de pandemia.
Porém, rituais que aprisionavam e oprimiam o povo, ao invés de propiciar vida
com dignidade. Esta experiência rememorada pelas comunidades demonstra o
desprendimento de Jesus com os costumes do seu povo, desafiando as tradições,
não se importando com o fato de seus discípulos não respeitarem os rituais de
purificação do povo judeu. Na sua peregrinação, Jesus se mistura com outros
povos e vai se desconstruindo, e mesmo sendo judeu se permite comer sem lavar
as mãos pois, o que entra pela boca do ser humano é menos nocivo, do que aquilo
que sai da boca; é isso que pode tornar a pessoa impura. Neste debate sobre
pureza e impureza, Jesus quer ensinar o que de fato é mais importante para a
humanidade, matar a fome das pessoas ou se alimentar de rituais vazios?
A comunidade, através desta memória denuncia o apego a tradições que não
produzem vida e justiça para o povo e nos apresenta um Jesus que rompe com seus
costumes, se esses forem amarras para a liberdade do ser humano. Entretanto, o
mesmo Jesus nos pareceu bastante excludente no encontro com a Mulher
Siro-Fenícia, ao se recusar atendê-la por ser estrangeira, pois ele deveria
saciar primeiro os seus. Seria um tom de xenofobia do nosso queridinho Jesus?
Neste momento da narrativa Jesus é um homem judeu, talvez aliado ao ideal da
raça superior, daqueles privilegiados que já nascem no primeiro lugar da fila,
sendo judeu ele está conectado com sua tradição. Porém, ao ser interpelado
pelas palavras da mulher estrangeira, seus ouvidos se abrem e ele ouve o grito dos
excluídos daquela sociedade, a qual ele fazia parte.
A palavra de uma Mulher grega converte Jesus, pois descortina seu
privilégio e o salva das suas próprias amarras culturais e, quando se encontra
com o homem surdo e gago no seu caminho (31-37), novamente em contato com os
excluídos do sistema, Jesus faz algo inusitado. Ao ficar sozinho com o homem
coloca saliva em sua boca, ato impensado para seus costumes e para os rituais
de limpeza do seu povo. O Jesus que encontrou com os judeus no inicio do
capítulo, não é mais o mesmo no encontro com o homem surdo, porque antes ele se
encontrou com uma mulher que o desafiou assumir a diversidade e a diferença
como projeto de Reino, onde seu movimento claramente rompe com a lei judaica e
traz luzes para novas relações humanas, baseadas no respeito e aceitação das
diferenças e diversidades.
A palavrinha mágica que Jesus usou foi “Efatá!”. Abra-se! e logo houve a
cura da surdez e fala daquele homem. Jesus abriu-se para ouvir a mulher, pediu
para que o povo ouvissem suas palavras e ao final abriu os ouvidos do surdo,
deixando a todos e todas maravilhados. No entanto ele sente vontade de não ser
visto, não quis ficar para uma selfie, não quis postar nas redes sociais,
apenas aprendia ao se misturar com gentes de todas as classes, gênero e etnia.
O capítulo termina dizendo que tudo que Jesus fazia era bom, faz o surdo ouvir
e o mudo falar. Para que Jesus pudesse fazer o que era bom, foi preciso se
abrir para o aprendizado que não se encontrava no sistema religioso da sua
época, mas sim nas suas peregrinações em contato com as gentes, com seus
cheiros, seus sabores. Jesus abriu-se para aprender enquanto conhecia homens e
mulheres com suas fragilidades e potencialidades.
Em tempos de tanta perseguição, a comunidade de Marcos nos ajuda a olhar
com os olhos de Jesus e nos ensina acolher e aceitar as diferenças, e também a
denunciar sistemas opressores e excludentes que não produzem vida e liberdade.
Também somos convidadas a acolher nossas fragilidades, educar nosso ego, nos prostrar
aos pés do Mestre se for preciso e nos convertermos como Jesus também se
converteu, mudou seu caminho, seu olhar, sua postura e nos propôs uma utopia
que até hoje nos faz caminhar. Quem tem ouvidos para ouvir, ouça! Ouça o grito
dos excluídos e das excluídas, se abra ao diferente e evolua sua humanidade.
Texto de Lilian Sarat
Fonte: cebi.org.br