Após um debate que durou três semanas, no Vaticano, o Documento final do Sínodo dos Bispos para a
região Pan- amazônica foi votado e aprovado neste sábado, dia 26 de
outubro de 2019. Na votação, os padres sinodais aprovaram, quase por
unanimidade, todos os 120 parágrafos do texto. Participaram do sínodo cerca
de 250 pessoas, entre bispos, padres, religiosas, líderes indígenas, membros de
outros grupos religiosos e especialistas nos temas da Amazônia.
O texto final do Sínodo sobre a Amazônia foi votado por 181
participantes que têm direito a voto, os chamados “padres sinodais”. Durante a
votação do documento, todos os parágrafos receberam maioria de dois terços de
aprovação. Os que causaram mais discórdia foram os parágrafos que tratam dos
padres casados e das mulheres diaconisas.
As resoluções do Sínodo não são definitivas, mas apenas
propostas entregues ao Papa, a quem cabe decidir o que fazer a partir destas
propostas. Aguarda-se agora a Exortação pós-sinodal do papa. Entre os pontos
mais importantes do documento final estão:
- O conceito de “pecado ecológico” como uma “ação ou omissão
contra Deus, contra o próximo, a comunidade e o ambiente” e o chamado à
conversão e o cuidado da “casa comum”, isto é, o planeta Terra.
- Para isso, é preciso promover uma “ecologia integral como único
caminho possível”. A ideia é não separar as questões ecológicas dos problemas
sociais.
- Proposta de criação de um observatório da Igreja para
denunciar problemas ambientais e sociais, promovendo a “defesa da vida” e
“defendendo os direitos dos mais vulneráveis”.
- Pedido de maior mobilização da comunidade internacional para
destinar recursos econômicos para a proteção da floresta e para a promoção de
“um modelo de desenvolvimento justo e solidário” na Amazônia.
- O texto faz fortes denúncias dos crimes contra os direitos
humanos na Amazônia, dizendo que há “impunidade na região com relação a
violações” desses direitos e “obstáculos para obter justiça”.
- Proposta de ordenação de homens casados nas zonas remotas da
Amazônia para suprir a falta de padres. O texto diz que algumas regiões passam
meses e anos sem a missa. Embora continuem “apreciando o celibato como dom de
Deus”, os bispos do Sínodo propõem “ordenar homens idôneos e reconhecidos da
comunidade” que já sejam diáconos permanentes, mesmo que tenham uma família.
- Há menção sobre o reconhecimento do “papel fundamental das
mulheres” nas comunidades da Amazônia e um pedido para que líderes da região
possam participar da discussão sobre a implantação do diaconato feminino.
Ordenação
de padres casados
Durante as três semanas do Sínodo ficou evidente que a falta
de padres é uma grande preocupação da maioria dos bispos da Amazônia. Eles
divergiram, no entanto, sobre as ideias de como suprir essa carência.
A proposta de ordenar homens casados de boa reputação, os
chamados “viri probati”, ganhou força ao longo dos dias. Mesmo sendo um dos
parágrafos que receberam menos votos de aprovação (128 a favor e 41 conta), o
número 111 do texto acabou passando. Eram precisos 120 votos. Na redação final,
fala-se mais precisamente da elevação dos diáconos permanentes ao nível de
padres. Os diáconos são homens já ordenados, mas apenas em primeiro grau. Sua
função é realizar serviços nas comunidades. Podem presidir celebrações, mas não
missas. Não podem ouvir confissões nem ungir os enfermos.
Como já existem padres casados no Oriente – e também os
padres anglicanos que se convertem ao Catolicismo podem continuar casados – os
bispos propuseram isso para a Amazônia. O documento afirma que não se trata de
extinguir o celibato dos padres – a regra que prevalece no Ocidente – mas,
ainda assim, abrir a Igreja para a “ordenação de homens idôneos e reconhecidos
da comunidade”, com formação adequada. O texto sinaliza, também, que não houve
acordo sobre propor essa mudança para toda a Igreja, além da Amazônia. Alguns
participantes do Sínodo pedem que essa abertura mais ampla.
Diaconato
feminino
A pedido de um grupo de freiras, em 2016, o Papa Francisco
chegou a criar uma comissão no Vaticano para estudar o diaconato feminino na
história da Igreja. A ideia era compreender como isso funcionava no passado,
pois mesmo que usassem o nome “diaconisas”, nem sempre eram o equivalente aos
diáconos homens. A palavra “diakonia” quer dizer serviço, em grego.
Essa comissão terminou seu trabalho em dezembro de 2018 sem
chegar a um consenso sobre o que foi o diaconato feminino no passado. Desde
então, o tema ficou sem conclusão e o Papa deixou que os teólogos trabalhassem
de forma independente, sem a comissão.
Agora, os bispos da Amazônia pedem que esse debate seja
retomado e, além disso, querem fazer parte dele. O documento final aponta para
consultas realizadas antes do Sínodo em que “se reconheceu o papel fundamental
das mulheres religiosas e leigas na Igreja”. Nessas consultas, muitos pediram
que as mulheres possam ser diaconisas católicas.
No discurso de encerramento do Sínodo, o Papa Francisco
prometeu reabrir a comissão sobre as mulheres diaconisas.
Questão
indígena e direitos humanos
O documento fala em ampliar a defesa dos povos indígenas da
Amazônia, “mediante a garantia legal e inviolável dos territórios que ocupam de
forma tradicional”. O Sínodo pede mais mecanismos de cooperação entre os
estados, especialmente nas fronteiras. Para fazer frente a essas ameaças, os
padres sinodais propõem que a Igreja crie uma nova instituição, um
“observatório socioambiental pastoral”. A ideia é fazer um “diagnóstico do
território e de seus conflitos socioambientais”, para que a Igreja saiba como
se posicionar diante deles.
SOBRE O
DOCUMENTO:
Dividido em cinco capítulos, o texto pede uma conversão
que tem diferentes significados: integral, pastoral, cultural, ecológica e
sinodal.
Dentre tantos temas apresentados estão a Igreja com
rosto indígena, migrante, jovem, um chamado à conversão integral, um diálogo
ecumênico, a importância dos valores culturais dos povos amazônicos, a dimensão
socioambiental da evangelização, um Igreja ministerial e novos ministérios,
além da presença e vez da mulher e muitas outras propostas.
RESUMO:
CAPÍTULO
I – CONVERSÃO INTEGRAL
O Documento exorta desde o início a uma “verdadeira conversão
integral”, com uma vida simples e sóbria, no estilo de São Francisco de Assis,
comprometida em relaciona-se harmoniosamente com a “Casa comum”, obra criativa
de Deus. Essa conversão levará a Igreja a ser em saída, para entrar no coração
de todos os povos amazônicos. De fato, a Amazônia tem uma voz que é uma
mensagem da vida e se expressa através de uma realidade multiétnica e
multicultural, representada pelos rostos variados que a habitam. “Bom viver” e
“fazer bem” é o estilo de vida dos povos amazônicos, ou seja, viver em harmonia
consigo mesmo, com os seres humanos e com o ser supremo, numa única
intercomunicação entre todo o cosmo, a fim de forjar um projeto de vida plena
para todos.
As dores da Amazônia: o
grito da terra e o grito dos pobres
Todavia, o texto não reprime as muitas dores e violências que
hoje ferem e deformam a Amazônia, ameaçando sua vida: a privatização de bens
naturais; modelos de produções predatórias; desmatamento que atinge 17% de toda
a região; a poluição das indústrias extrativistas; mudanças climáticas;
narcotráfico; alcoolismo; tráfico de seres humanos; a criminalização de líderes
e defensores do território; grupos armados ilegais. É extensa a página amarga
sobre migração, que na Amazônia articula-se em três níveis: mobilidade de
grupos indígenas em territórios de circulação tradicional; deslocamento forçado
de populações indígenas; migração internacional e refugiados. Para todos esses
grupos, é necessário um cuidado pastoral transfronteiriço capaz de incluir o
direito à livre circulação. O problema da migração, lê-se, deve ser enfrentado
de maneira coordenada pelas Igrejas de fronteira. Além disso, um trabalho
pastoral permanente deve ser pensado para os migrantes, vítimas do tráfico de
pessoas. O Documento sinodal convida a prestar atenção ao deslocamento forçado
de famílias indígenas nos centros urbanos, sublinhando como esse fenômeno
requer uma “pastoral conjunta nas periferias”. Daí a exortação à criação de
equipes missionárias que, em coordenação com as paróquias, cuidem desse
aspecto, oferecendo liturgias inculturadas e favorecendo a integração dessas
comunidades nas cidades.
CAPÍTULO
II - CONVERSÃO PASTORAL
A referência à natureza missionária da Igreja também é
central: a missão não é algo opcional, lembra o texto, porque a Igreja é missão
e a ação missionária é o paradigma de toda obra da Igreja. Na Amazônia, ela
deve ser “samaritana”, ou seja, ir ao encontro de todos; “Madalena”, ou seja,
amada e reconciliada para anunciar com alegria o Cristo ressuscitado;
“Mariana”, ou seja, geradora de filhos para a fé e “inculturada” entre os povos
a que serve. É importante passar de uma pastoral “de visita” a uma pastoral “de
presença permanente” e, para isso, o Documento sinodal sugere que as Congregações
religiosas do mundo estabeleçam pelo menos um posto missionário em um dos
países da Amazônia.
O sacrifício dos
missionários mártires
O Sínodo não esquece os muitos missionários que deram a vida
para transmitir o Evangelho na Amazônia, cujas páginas mais gloriosas foram
escritas pelos mártires. Ao mesmo tempo, o Documento lembra que o anúncio de
Cristo na região realizou-se muitas vezes em conivência com os poderes
opressores das populações. Por esse motivo, hoje a Igreja tem “a oportunidade
histórica” de se distanciar das novas potências colonizadoras, ouvindo os povos
amazônicos e exercendo sua atividade profética “de forma transparente”.
Diálogo ecumênico e
inter-religioso
Nesse contexto, foi dada grande importância ao diálogo
ecumênico e inter-religioso: “Caminho indispensável da evangelização na
Amazônia”, afirma o texto sinodal, ele deve partir, no primeiro caso, da
centralidade da Palavra de Deus para iniciar verdadeiros caminhos de comunhão.
No âmbito inter-religioso, o Documento incentiva um maior conhecimento das
religiões indígenas e dos cultos afrodescendentes, a fim de que cristãos e não
cristãos possam agir juntos em defesa da Casa comum. Por esse motivo, são
propostos momentos de encontro, estudo e diálogo entre as Igrejas na Amazônia e
os seguidores das religiões indígenas.
Urgência de uma
pastoral indígena e de um ministério juvenil
O Documento também recorda a urgência de uma pastoral
indígena que tenha um lugar específico na Igreja: é necessário criar ou manter,
de fato, “uma opção preferencial pelas populações indígenas”, dando também
maior impulso missionário às vocações autóctones, porque a Amazônia também deve
ser evangelizada pelos amazônicos. Depois, dar espaço aos jovens amazônicos,
com suas luzes e sombras. Divididos entre tradição e inovação, imersos numa
intenda crise de valores, vítimas de realidades tristes como a pobreza,
violência, desemprego, novas formas de escravidão e dificuldade de acesso à
educação, muitas vezes acabam na prisão ou em mortos por suicídio. E, no entanto,
os jovens amazônicos têm os mesmos sonhos e as mesmas esperanças que os outros
jovens do mundo e da Igreja. Chamada a ser uma presença profética, deve
acompanhá-los em seu caminho, para impedir que sua identidade e sua autoestima
sejam prejudicadas ou destruídas.
Em particular, o Documento sugere “um renovado e ousado
ministério juvenil”, com uma pastoral sempre ativa e centrada em Jesus. De
fato, os jovens, lugar teológico e profetas da esperança, querem ser
protagonistas e a Igreja na Amazônica quer reconhecer o seu espaço. Por isso, o
convite a promover novas formas de evangelização também através das mídias
sociais e ajudar os jovens indígenas a alcançar uma interculturalidade
saudável.
Pastoral urbana e as
famílias
O texto conclusivo do Sínodo se detém no tema da pastoral
urbana, com um foco particular nas famílias: nas periferias da cidade, elas
sofrem pobreza, desemprego, falta de moradia, além de vários problemas de
saúde. Torna-se, portanto, necessário defender o direito de todos à cidade como
desfrute justo dos princípios de sustentabilidade, democracia e justiça social.
É preciso lutar, lê-se no texto, a fim de que os direitos fundamentais básicos
sejam garantidos nas “favelas” e nas “villas misérias”. Central deve ser também
o estabelecimento de um “ministério de acolhimento” para uma solidariedade
fraterna com migrantes, refugiados e sem-teto que vivem no contexto urbano.
Nesse âmbito, uma ajuda válida vem das Comunidades Eclesiais de Base, “um
presente de Deus para as Igrejas locais da Amazônia”. Ao mesmo tempo, as
políticas públicas são convidadas a melhorar a qualidade de vida nas áreas
rurais, a fim de evitar a transferência descontrolada de pessoas para a cidade.
CAPÍTULO
III: CONVERSÃO CULTURAL
A inculturação e a interculturalidade são instrumentos
importantes, prossegue o Documento, para alcançar uma conversão cultural que
leva o cristão a ir ao encontro do outro para aprender com ele. Os povos
amazônicos, de fato, com seus “perfumes antigos” que contrastam o desespero que
reina no continente e com seus valores de reciprocidade, solidariedade e senso
de comunidade, oferecem ensinamentos de vida e uma visão integrada da
realidade, capaz de entender que toda a criação está interligada e, portanto,
garantir uma gestão sustentável. A Igreja compromete-se a ser aliada das
populações indígenas, reitera o texto sinodal, sobretudo para denunciar os
ataques perpetrados contra suas vidas, os projetos de desenvolvimento
predatórios etnocidas e ecocidas e a criminalização dos movimentos sociais.
Defender a terra é
defender a vida
“A defesa da terra”, lê-se no documento, “não tem outro
objetivo a não ser a defesa da vida” e se baseia no princípio evangélico da
defesa da dignidade humana. Portanto, devemos respeitar os direitos à
autodeterminação, à delimitação dos territórios e à consulta prévia, livre e
informada dos povos indígenas. Um ponto específico é dedicado às populações
indígenas em isolamento voluntário (Piav) ou em Isolamento e contato inicial
(Piaci) que hoje, na Amazônia, somam cerca de 130 unidades e são muitas vezes vítimas
de limpeza étnica: a Igreja deve empreender dois tipos de ação, pastoral e
outra “de pressão”, para que os Estados protejam os direitos e a
inviolabilidade dos territórios dessas populações.
Teologia indígena e
piedade popular
Na perspectiva da inculturação, isto é, da encarnação do
Evangelho nas culturas indígenas, é dado espaço à teologia indígena e à piedade
popular, cujas expressões devem ser valorizadas, acompanhadas, promovidas e às
vezes "purificadas", pois são momentos privilegiados de evangelização
que devem conduzir ao encontro com Cristo. O anúncio do Evangelho, de fato, não
é um processo de destruição, mas de crescimento e consolidação daquela
semeadura Verbos presente nas culturas. Daí a clara rejeição de uma
"evangelização colonial" e do "proselitismo", em favor de
um anúncio inculturado que promova uma Igreja de rosto amazônico, em pleno
respeito e igualdade com a história, a cultura e o estilo de vida das
populações locais. A este respeito, o Documento sinodal propõe que os centros
de pesquisa da Igreja estudem e recolham as tradições, as línguas, as crenças e
as aspirações dos povos indígenas, encorajando o trabalho educativo a partir da
sua própria identidade e cultura.
Criar uma Rede de
Comunicação Eclesial Panamazônica
Também na área da saúde - continua o Documento - este projeto
educativo deverá promover o conhecimento ancestral da medicina tradicional de
cada cultura. Ao mesmo tempo, a Igreja se compromete a oferecer assistência de
saúde lá onde o Estado não chega. Há também um forte apelo a uma educação à
solidariedade, baseada na consciência de uma origem comum e de um futuro
partilhado por todos, assim como a uma cultura da comunicação que promova o
diálogo, o encontro e o cuidado da "casa comum". Concretamente, o
texto sinodal sugere a criação de uma Rede de comunicação eclesial
pan-amazônica, de uma rede escolar de educação bilíngue e de novas formas de
educação também à distância.
CAPÍTULO
IV - CONVERSÃO ECOLÓGICA
Diante de "uma crise social e ambiental sem
precedentes", o Sínodo apela a uma Igreja amazônica capaz de promover uma
ecologia integral e uma conversão ecológica segundo a qual "tudo está
intimamente conectado".
Ecologia integral, único caminho possível
A esperança é que, reconhecendo "as feridas causadas
pelo ser humano" ao território, sejam procurados "modelos de
desenvolvimento justo e solidário". Isto traduz-se numa atitude que colega
o cuidado pastoral da natureza à justiça para com as pessoas mais pobres e
desfavorecidas da terra. A ecologia integral não deve ser entendida como um
caminho extra que a Igreja pode escolher para o futuro, mas como a única forma
possível para salvar a região do extrativismo predatório, do derramamento de
sangue inocente e da criminalização dos defensores da Amazônia. A Igreja, como "parte
de uma solidariedade internacional", deve promover o papel central do
bioma amazônico para o equilíbrio do planeta e encorajar a comunidade
internacional a fornecer novos recursos econômicos para sua proteção,
fortalecendo os instrumentos da Convenção-Quadro sobre Mudança Climática.
Defesa dos direitos
humanos é uma necessidade de fé
Defender e promover os direitos humanos, além de ser um dever
político e uma tarefa social, é uma exigência de fé. Diante deste dever
cristão, o Documento denuncia a violação dos direitos humanos e a destruição
extrativista; assume e apoia, também em aliança com outras Igrejas, as
campanhas de desinvestimento das empresas extrativistas que causam danos
sociais e ecológicos à Amazônia; propõe uma transição energética radical e a
busca de alternativas; propõe também o desenvolvimento de programas de formação
para o cuidado da "casa comum". Pede-se aos Estados que deixem de
considerar a região como uma dispensa inesgotável, ao mesmo tempo que apelam a
um "novo paradigma de desenvolvimento sustentável" socialmente
inclusivo que combine conhecimentos científicos e tradicionais. Os critérios
comerciais, é a recomendação, não devem estar acima dos critérios ambientais e
dos direitos humanos.
Igreja aliada das
comunidades amazônicas
O apelo é à responsabilidade: todos somos chamados à custódia
da obra de Deus. Os protagonistas do cuidado, proteção e defesa dos povos são
as próprias comunidades amazônicas. A Igreja é sua aliada, caminha com eles,
sem impor um modo particular de agir, reconhecendo a sabedoria dos povos sobre
a biodiversidade contra todas as formas de biopirataria. Pede-se que os agentes
pastorais e os ministros ordenados sejam formados a esta sensibilidade
socioambiental, seguindo o exemplo dos mártires da Amazônia. A ideia é criar
ministérios para o cuidado da casa comum.
Defesa da vida
O Documento reafirma o empenho da Igreja em defender a vida
"desde a concepção até o seu fim" e em promover o diálogo
intercultural e ecumênico para conter as estruturas de morte, pecado, violência
e injustiça. Conversão ecológica e defesa da vida na Amazônia se traduzem para
a Igreja em um chamado a "desaprender, aprender e reaprender para superar
qualquer tendência a assumir modelos coloniais que tenham causado danos no
passado".
Pecado ecológico e
direito à água potável
Proposta a definição de "pecado ecológico" como
"ação ou omissão contra Deus, contra o próximo, a comunidade, o meio
ambiente", as futuras gerações e a virtude da justiça. Para reparar a
dívida ecológica que os países têm com a Amazônia, sugere-se a criação de um
fundo mundial para as comunidades amazônicas, a fim de protegê-las do desejo
predatório das empresas nacionais e multinacionais. O Sínodo recorda "a
necessidade urgente de desenvolver políticas energéticas que reduzam
drasticamente as emissões de dióxido de carbono (CO2) e de outros gases ligados
à mudança climática", promove as energias limpas e chama a atenção para o
acesso à água potável, ao direito humano básico e condições para o exercício de
outros direitos humanos. Proteger a terra significa incentivar a reutilização e
a reciclagem, reduzir o uso de combustíveis fósseis e plásticos, mudar hábitos
alimentares como o consumo excessivo de carne e peixe, adotar estilos de vida
sóbrios, plantar árvores. Neste contexto, está incluída a proposta de um
Observatório Social Pastoral Amazônico que trabalhe em sinergia com CELAM,
CLAR, CARITAS, REPAM, episcopados, igrejas locais, universidades católicas e
atores não eclesiais. Também foi proposta a criação de um escritório amazônico
dentro do Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral.
CAPÍTULO
V – NOVOS CAMINHOS DE CONVERSÃO SINODAL
Superar o clericalismo e as imposições arbitrárias, reforçar
uma cultura do diálogo, da escuta e do discernimento espiritual, responder aos
desafios pastorais. São essas as características sobre as quais se deve fundar
uma conversão sinodal à qual a Igreja é chamada para avançar em harmonia, sob o
impulso do Espírito vivificante e com audácia evangélica.
Sinodalidade,
ministerialidade, papel ativo dos leigos e vida consagrada
O desafio é interpretar à luz do Espírito Santo os sinais dos
tempos e identificar o caminho a seguir a serviço do desenho de Deus. As formas
de exercício da sinodalidade são várias e deverão ser descentralizadas, atentas
aos processos locais, sem enfraquecer o elo com as Igrejas irmãs e com a Igreja
universal. Sinodalidade se traduz, em continuidade com o Concílio Vaticano II,
em corresponsabilidade e ministerialidade de todos, participação dos leigos,
homens e mulheres, considerados “atores privilegiados”. A participação do
laicato, seja na consulta, seja na tomada de decisões na vida e missão da
Igreja – explica o Documento Final – deve ser reforçada e ampliada a partir da
promoção e concessão de “ministérios a homens e mulheres de modo équo”.
Evitando personalismos, talvez com encargos em rodízios, “o bispo pode confiar,
com um mandato com prazo determinado, na ausência de sacerdotes, o exercício do
cuidado pastoral das comunidades a uma pessoa não imbuída do caráter
sacerdotal, que seja membro da própria comunidade”. A responsabilidade desta
última, especifica-se, permanecerá a cargo do sacerdote. O Sínodo aposta ainda
numa vida consagrada com rosto amazônico, a partir de um reforço das vocações
autóctones: entre as propostas, se destaca o caminhar junto aos pobres e
excluídos. Pede-se ainda que a formação seja centralizada na
interculturalidade, inculturação e diálogo entre as espiritualidades e as
cosmovisões amazônicas.
A hora da mulher
O Documento dedica amplo espaço à presença e à hora das
mulheres. Como sugere a sabedoria dos povos ancestrais, a mãe terra tem um
rosto feminino e no mundo indígena as mulheres são “uma presença viva e
responsável na promoção humana”. O Sínodo pede que a voz das mulheres seja
ouvida, que sejam consultadas, participem de modo mais incisivo na tomada de
decisões, contribuam para a sinodalidade eclesial, assumam com maior força sua
liderança dentro da Igreja, nos conselhos pastorais ou “também nas instâncias
de governo”. Protagonistas e custódias da criação e da casa comum, as mulheres
são com frequência “vítimas de violência física, moral e religiosa, inclusive
de feminicídio”.
O texto reitera o empenho da Igreja em defesa dos seus
direitos, de modo especial em relação às mulheres migrantes. Enquanto isso, se
reconhece a “ministerialidade” confiada por Jesus à mulher e se auspicia uma
“revisão do Motu Proprio Ministeria quædam de São Paulo VI, para que também as
mulheres adequadamente formadas e preparadas possam receber os ministérios do
leitorado e do acolitato, entre outros que podem ser desempenhados”. No
específico, nesses contextos em que as comunidades católicas são guiadas por
mulheres, se pede a criação do “ministério instituído de mulher dirigente de
comunidade”.
O Sínodo evidencia que de inúmeras consultas na Amazônia foi
solicitado “o diaconato permanente para as mulheres”, tema muito presente
durante os trabalhos no Vaticano. O desejo dos participantes da Assembleia é
compartilhar experiências e reflexões emergidas até agora com a “Comissão de
estudo sobre o diaconato das mulheres”, criada em 2016 pelo Papa Francisco e
“aguardar seus resultados”.
Diaconato permanente
Foram definidos como urgentes a promoção, a formação e o
apoio aos diáconos permanentes. O diácono, sob a autoridade do bispo, está a
serviço da comunidade e deve hoje promover a ecologia integral, o
desenvolvimento humano, a pastoral social e o serviço a quem se encontra em
situações de vulnerabilidade e pobreza, configurando-o a Cristo. Portanto, é
importante insistir numa formação permanente, marcada pelo estudo acadêmico e
prática pastoral, na qual sejam envolvidos também esposas e filhos do
candidato. O currículo formativo, explica o Sínodo, deverá incluir temas que
favoreçam o diálogo ecumênico, inter-religioso, intercultural, a história da
Igreja na Amazônia, a afetividade e a sexualidade, a cosmovisão indígena e a
ecologia integral. A equipe dos formadores será composta por ministros
ordenados e leigos. Deve ser encorajada a formação de futuros diáconos
permanentes nas comunidades que habitam às margens dos rios indígenas.
Formação dos sacerdotes
A formação dos sacerdotes deve ser inculturada: a exigência é
preparar pastores que vivam o Evangelho, conheçam as leis canônicas, sejam
compassivos como Jesus: próximos às pessoas, capazes de escuta, de curar e
consolar, sem buscar se impor, manifestando a ternura do Pai. Também no âmbito
da formação ao sacerdócio, se auspicia a inclusão de disciplinas como a
ecologia integral, a ecoteologia, a teologia da criação, as teologias
indígenas, a espiritualidade ecológica, a história da Igreja na Amazônia, a
antropologia cultural amazônica. O Sínodo recomenda que os centros de formação
sejam preferencialmente inseridos na realidade amazônica e que seja oferecida a
jovens não amazônicos a oportunidade de participar de sua formação na Amazônia.
Participação à
Eucaristia e ordenações sacerdotais
Para a comunidade cristã, é central a participação à
Eucaristia. E mesmo assim – destaca o Sínodo – muitas comunidades eclesiais do
território amazônico têm enormes dificuldades em ter acesso a ela. Podem passar
meses e até mesmo anos para que um sacerdote volte a uma comunidade para
celebrar a missa ou oferecer os sacramentos da reconciliação e da unção dos
enfermos. Reforçando o apreço pelo celibato como dom de Deus na medida em que
permite ao presbítero dedicar-se plenamente ao serviço da comunidade e renovando
a oração “para que haja muitas vocações” que vivem o celibato, mesmo que “esta
disciplina não seja requisitada pela própria natureza do sacerdócio” e
considerando a vasta extensão do território amazônico e a escassez de ministros
ordenados, o Documento final propõe “estabelecer critérios e regras por parte
da autoridade competente, para ordenar sacerdotes homens idôneos e reconhecidos
pela comunidade, que tenham um diaconato permanente fecundo e recebam uma
formação adequada para o presbiterado, permitindo ter uma família legitimamente
constituída e estável, para promover a vida da comunidade cristã através da
pregação da Palavra e da celebração dos sacramentos nas áreas mais remotas da
região amazônica”. Deve-se especificar que “a propósito, alguns se expressaram
a favor de uma abordagem universal ao argumento”.
Organismo eclesial
regional pós-sinodal e Universidade Amazônica
O Sínodo propõe projetar novamente a organização das Igrejas
locais de um ponto de vista pan-amazônico, redimensionando as vastas áreas
geográficas da diocese, reagrupando Igrejas particulares presentes na mesma
região e criando um Fundo amazônico para a promoção da evangelização a fim de
enfrentar o “custo da Amazônia”. Nesta ótica, se insere a ideia de criar um
Organismo eclesial regional pós-sinodal, articulado com a Repam e o Celam, a
fim de assumir muitas das propostas que emergiram no Sínodo. Em âmbito
formativo, se invoca a instituição de uma Universidade Católica Amazônica
baseada na pesquisa interdisciplinar, na inculturação e no diálogo
intercultural e fundada principalmente na Sagrada Escritura, no respeito dos
costumes e das tradições das populações indígenas.
Rito amazônico
Para responder de modo autenticamente católico ao pedido das
comunidades amazônicas de adaptar a liturgia valorizando a visão do mundo, as
tradições, os símbolos e os ritos originários, se pede a este Organismo da
Igreja na Amazônia de constituir uma comissão competente para estudar a
elaboração de um rito amazônico que “expresse o patrimônio litúrgico,
teológico, disciplinar e espiritual da Amazônia”. Este se acrescentaria aos 23
ritos já presentes na Igreja Católica, enriquecendo a obra de evangelização, a
capacidade de expressar a fé numa cultura própria, o sentido de
descentralização e de colegialidade que a Igreja Católica pode expressar.
Também se faz a hipótese de acompanhar os ritos eclesiais com o modo com os
quais os povos cuidam do território e se relacionam com as suas águas. Por fim,
com a finalidade de favorecer o processo de inculturação da fé, o Sínodo
expressa a urgência de formar comitês para a tradução e a elaboração de textos
bíblicos e litúrgicos nas línguas dos diferentes locais, “preservando a matéria
dos sacramentos e adaptando-os à forma, sem perder de vista o essencial”. Também
deve ser encorajado em nível litúrgico a música e o canto. No final do
Documento, se invoca a proteção da Virgem da Amazônia, Mãe da Amazônia,
venerada com vários títulos em toda a região.
Fonte:
PORTAL A12 - Com informações de Vatican News