Uma curiosidade a respeito dos livros bíblicos: Por que a diferença, não só entre a Bíblia protestante e a católica, mas, também, entre as católicas.
Primeiro vamos lembrar que que as bíblias protestantes, não tem livros e
trechos que foram escritos originalmente em grego. Isso porque a versão
protestante só aceita os originais escritos em hebraico. Assim sendo, nestas
bíblias, o livro de Ester não tem no capítulo 10, os versículos 4 a 16 e o
livro de Daniel não tem no capítulo 3, os versículos 24 a 90 e os capítulos 13
e14.
O livro de Ester
Observamos que em algumas bíblias, mesmo as
católicas, o livro de Ester tem um número diferente de capítulos. O problema da
numeração dos capítulos do livro de Ester é oriundo da tradução bíblica de São
Jerônimo (+420), a “Vulgata” latina.
No séc. IV d.C. existiam diversas versões latinas
da Bíblia, cujos textos discordavam entre si em vários pontos. Considerando
esse problema, o papa São Dâmaso atribuiu a São Jerônimo a tarefa de produzir
uma nova tradução bíblica para a Igreja ocidental, de língua latina. A Igreja
como um todo adotava, desde o princípio, o cânon alexandrino para o Antigo
Testamento (Septuaginta ou LXX), oriundo dos judeus da Dispersão, o que
resultava em 46 livros (contra 39 do cânon palestinense, definido por volta do
ano 90 d.C.) e mais alguns textos adicionais nos livros de Ester e Daniel.
Com efeito, existiam duas versões para o livro de
Ester: o texto curto da Palestina (em hebraico) e o texto longo de Alexandria
(em grego). Até então, os textos bíblicos não eram divididos em capítulos e
versículos (a divisão em capítulos só ocorreu no séc. XIII d.C.).
Como São Jerônimo foi a Belém, na Palestina, realizar
sua tarefa de tradução, passou a usar o cânon restrito dos judeus palestinenses
– pois queria traduzir os textos diretamente do hebraico – de modo que traduziu
o texto curto de Ester, que na prática, fez com que se removesse alguns textos,
encontrados no livro de Ester da Septuaginta.
Mas, sabendo que a Igreja cristã adotava o cânon
longo, São Jerônimo acabou por acrescentar ao final da sua tradução de Ester,
como que em um “apêndice” ou anexo, os demais textos que não encontrou no
hebraico. Em outras palavras: ele disponibilizou primeiro o texto hebraico e, a
seguir, o texto complementar grego.
Tendo a Vulgata sido adotada como texto bíblico
oficial para a Igreja latina, todas as versões em língua vernácula baseadas na
Vulgata de São Jerônimo acabaram por disponibilizar também, em Ester, a
tradução do texto hebraico seguido da tradução dos complementos gregos.
Assim, quando o arcebispo de Cantuária, Estêvão
Langton, em 1214, dividiu a Bíblia em capítulos, dividiu a parte hebraica
inicial em 10 capítulos e a parte complementar grega em outros 6 capítulos. Daí
encontrarmos algumas Bíblias hoje com 16 capítulos para o livro de Ester, como
é o caso da Bíblia Ave-Maria (Ave Maria), da Bíblia de Matos Soares (Paulinas)
e da Bíblia de Pereira de Figueiredo (Mirador), pois todas elas seguem
diretamente a divisão feita para a Vulgata.
Por outro lado, o preferível e ideal é não deslocar
tais textos complementares para o final, mas, deixá-los em seus respectivos
contextos, possibilitando uma melhor compreensão da narrativa. Assim
considerando, outras Bíblias mantêm apenas 10 capítulos (correspondentes ao
texto hebraico), e inserem os complementos gregos nos pontos devidos,
renumerando os versículos ou atribuindo a cada “capítulo grego” uma letra do
alfabeto; este é o caso da Bíblia de Jerusalém (Paulus), da Bíblia Mensagem de
Deus (Loyola), da Bíblia Sagrada Vozes (Vozes) e da Bíblia da CNBB.
Logo, todas as Bíblias católicas ou ortodoxas –
seja qual for a forma de numeração adotada para os capítulos – reproduzem o
texto completo do livro de Ester, de forma que não é preciso se preocupar
quanto a esse detalhe de numeração. Já as Bíblias protestantes, por adotarem o
cânon palestinense – definido pelos judeus cerca de 50 anos após a morte de
Cristo – reproduzem apenas o texto hebraico e, por essa razão, encontram-se
incompletas. Algumas Bíblias ecumênicas (como a TEB da Loyola), visando atender
simultaneamente católicos, ortodoxos, protestantes e judeus, reproduzem duas
traduções de Ester: o texto curto (hebraico – para judeus palestinenses e
protestantes) e o texto longo (grego – para católicos, ortodoxos e judeus
etíopes), ambos com 10 capítulos!
O livro de Daniel
O livro de Daniel na Bíblia cristã é inserido na
sessão dos profetas e na Bíblia hebraica se encontra entre os “escritos”. O
livro é muito particular, pois o texto original é em 3 línguas diferentes: os
capítulos 1 e 8 a 12 são escritos em hebraico; os capítulos 2,4 a 7 e 28 são em
aramaico e os capítulos 2, 24-90 e 13 a 14 chegaram até nós em grego.
Os textos em grego são considerados canônicos
somente pelos católicos e não existem nas bíblias dos protestantes. Em 2, 24-90
temos o cântico de Azarias, excluído das bíblias protestantes. Nos dois últimos
capítulos, também esses não presentes nas bíblias protestantes, temos a
história de Susana, acusada injustamente e salva pelo Senhor por meio de
Daniel. E ainda Daniel desmascara os sacerdotes de Bel e mata o dragão adorado
pelos babiloneses. Por isso é jogado na cova dos leões, de onde é finalmente
salvo. Esses dois capítulos do livro chegaram até nós, somente em grego e por
isso não foram incluídos nas bíblias dos judeus e, por consequência, na igreja
reformada, dos protestantes. Por isso, podemos concluir que os capítulos de
Daniel são 12 nas bíblias protestantes, mas 14 nas católicas.
FONTES:
Bíblia de Jerusalém – Paulus 2008.
Luiz da Rosa - http://www.abiblia.org