O texto de Mt 10,40-42 é o fecho do conjunto de textos da parte discursiva do segundo livrinho do Evangelho, intitulado de diversas formas: Sermão da missão; Envio dos missionários do Reino; Chamado para a missão; Discurso apostólico, entre outros. Nesses textos, segundo as autoras, Jesus dá diversas orientações e instruções às discípulas que aceitarem exercer a missão; ensina-as como devem exercê-la em meio às comunidades; exige compromisso radical com ele e com seu projeto; adverte-os quanto aos cuidados que devem ter diante da realidade violenta e de perseguição daquele contexto em que vivem e, também, ordena-os a resistir, sempre com confiança, esperança e fé na superação dos inúmeros desafios do momento de tensão que vivem os cristãos, os chefes judeus e os violentos romanos.
O Evangelho da comunidade de Mateus provavelmente teve sua construção e edição por volta dos anos 80 e.C., obra de fiéis de raízes judaicas bastante ligados à sua tradição e doutrina. Tem uma construção muito bem elaborada e traz uma interessante característica, que são as subdivisões. Encontramos nele cinco livrinhos, compostos, cada um deles, de uma parte narrativa e outra discursiva, sendo emoldurados por uma introdução e uma conclusão, que o torna, de certa maneira, um livro familiar aos convertidos vindos do judaísmo, por se assemelhar, em sua forma, à Torá. Em suas linhas, dentre as diversas abordagens, destaca-se a questão do discipulado missionário, de como ser verdadeiro seguidor de Jesus, o Messias prometido das Escrituras Sagradas. Evoca-se fortemente a questão da justiça e a figura do justo, bem como a figura dos profetas, fazendo releitura das profecias apontando para a vinda de Jesus e a realização do seu Reino em meio à humanidade.
No Evangelho de hoje, essas duas figuras conhecidas dos judeus são destacadas: o profeta e o justo. Aquele que se entrega verdadeiramente ao projeto de Jesus e o realiza em seu meio é equiparado aos profetas e aos notáveis justos do Primeiro Testamento. Da mesma forma serão recompensados quem acolhe e assiste os missionários, provendo o que lhes ajude em suas necessidades da missão. O texto é um chamado à missão, ao mesmo tempo que também é um convite à colaboração fraterna e compromissada na construção contínua do Reino de Deus.
Esse texto está situado no contexto da dispersão do pós-guerra judaica, com os judeus cristãos expulsos das sinagogas e consequentemente do convívio social, sofrendo forte perseguição. Os discípulos de Jesus passam por um momento determinante: continuarem firmes, implantando o projeto do Reino, mesmo diante dos perigos e de possíveis rupturas com os seus e suas casas, ou ceder e voltar atrás diante da pressão da religião oficial e do Império. A escolha feita pelos discípulos de Jesus foi fundamental para que o projeto do Reino e sua Boa Nova fossem conhecidos por nós hoje.
Os dias atuais são tão desafiadores e complexos como a realidade vivida pela comunidade de Mateus. A mercantilização do cristianismo, a poderosa força da religião mercado e seu império insaciável em forte oposição ao projeto de Jesus, o desvelamento da perversidade humana disfarçada de zelo religioso, a inversão dos valores com exaltação de opressores e culpabilização dos oprimidos, são alguns dos complexos problemas que nos interpelam em nossos dias. Diante dessas situações, somos provocados e questionados: como agir, qual atitude? Ser discípulos missionários, profetas na luta por justiça e dignidade para todas as pessoas, ou se amoldar e acomodar diante desta estrutura de injustiça, desigualdade, opressão e morte? Precisamos fazer nossas escolhas.
Que a força do projeto de Jesus nos encante e nos impulsione. Que o Espírito Santo nos mova sempre na dinâmica do agir profético e missionário, tornando-nos animadores, continuadores, construtores deste Reino de amor, justiça, igualdade e dignidade, sonhado e inaugurado por Jesus para toda a humanidade. Amém!
Cristiano A. Santos - CEBI SP