QUEM
CRÊ, VÊ PARA ALÊM DAS MÁSCARAS, DAS PEDRAS E DAS TUMBAS!
Leia a reflexão sobre João 20,19-31
Texto
de Itacir Brassiani.
A experiência e a fé na ressurreição de Jesus
Cristo dão-se em ritmo de missão. Por isso, as portas da Igreja não podem
permanecer fechadas, especialmente por medo ou por comodismo. A paz oferecida
pelo Senhor ressuscitado que se faz presente no meio de nós, reunidos em oração
ou distanciados por responsabilidade, nos envia como cordeiros que carregam o
pecado do mundo. Reforcemos, então, nossos vínculos com a comunidade,
reconheçamo-lo presente nos irmãs e irmãos nossos e partamos em missão.
O evangelista sublinha que era noite e que as
portas estavam muito bem fechadas. Os discípulos estavam desanimados,
amedrontados, sem perspectivas. É o mesmo escuro pavoroso que eles haviam
experimentado quando atravessaram sozinhos o mar agitado, depois que Jesus
saciara a fome de uma multidão e recusara o poder político (cf. Jo 6,16-21).
Esse escuro tenebroso lembra também a escuridão que se fez às três horas da
tarde, quando Jesus fora crucificado. Ao medo da possível perseguição pelas
autoridades judaicas se juntava a frustração pela imagem de um Messias
crucificado, sem poder, abandonado por todos/as.
O que dói na consciência dos discípulos é a
traição, a negação e a deserção. Por isso eles não formam exatamente uma
comunidade, mas um grupo rachado, frustrado, envergonhado. Porém, os muros do
remorso e do medo não impedem a manifestação de Jesus, e ele se faz presente
inesperadamente no meio daquele grupo desarticulado. E a sua primeira palavra
não é de advertência ou acusação, mas de acolhida e pacificação: “A paz esteja
com vocês!” E lhes mostra as feridas nas mãos e no lado esquerdo, assegurando
que sua história concreta é importante, que sua presença não é mera fantasia
e que seu amor fiel e solidário continua.
A alegria, tão característica da Páscoa, não brota
apenas da certeza de que ressuscitaremos um dia, mas também da experiência
atual e cotidiana de não sermos condenados/as, de sermos aceitos/as como amigos
e amigas de Jesus de Nazaré, apesar dos nossos insuperáveis limites, traições e
deserções. Mas a alegria e a paz radiantes da Páscoa podem também esconder um
risco: podemos ficar de tal modo extasiados com as imagens de anjos e com as
palavras de paz, pela visão de um Cristo exaltado e sentado à direita do Pai,
que esquecemos que nossa missão de discípulos/as está apenas começando.
Por isso, depois de afirmar que vem trazer a paz,
Jesus confere claramente uma missão aos discípulos: “Assim como o Pai me
enviou, eu também envio vocês”. Trata-se de continuar seu próprio trabalho de
carregar nas costas a dor e o peso provocados pelo pecado estruturado e
institucionalizado no mundo. É como se ele nos confiasse a tarefa de lixeiros,
de passar pelas ruas, estradas e campos recolhendo as imundícies produzidas
pela cultura egoísta e violenta. É a missão de sermos os cordeiros de Deus que
tiram o pecado do mundo. E esta missão urge, não pode ser postergada para um
hipotético amanhã, para quando tivermos tempo.
Esta missão também não pode ser terceirizada ou
deixada à responsabilidade dos outros. Jesus Cristo diz claramente que o pecado
que não eliminarmos permanecerá aqui, diminuindo e ferindo a vida de muita
gente e garantindo o privilégio de poucos. Pois o pecado é a cumplicidade com a
injustiça que fere as criaturas, e perdoar significa dissolver os laços que
vinculam as pessoas a essa cumplicidade, torná-las livres frente à necessidade
de cada um cuidar apenas de si e deixar a Deus o cuidado dos mais fracos. Jesus
pede que as comunidades cristãs sejam espaços de acolhida, diálogo, amor mútuo
e de luta pela justiça.
Tendo
recebido o Espírito Santo, os discípulos, antes desanimados e medrosos, tiveram
a coragem para inovar e a força para perseverar no ensinamento de Jesus de
Nazaré; na união fraterna, para além de todas as fronteiras; na partilha do pão
e de todos os bens; na oração e na liturgia. É assim que eles dão testemunho da
ressurreição de Jesus Cristo. Abraçar a fé em Jesus Cristo ressuscitado vincula
os discípulos e discípulas aos irmãos e irmãs, à partilha dos bens “conforme a
necessidade de cada um”, à alegria radiante frente a cada acontecimento, à
simplicidade profunda e cordial. Faz de nós uma Igreja solidária e em saída às
periferias.
Aqui viemos, Jesus de Nazaré, Cordeiro de Deus que
nos imuniza contra o vírus do egoísmo, para encontrar as pessoas que acreditam
em ti, para tocar tuas chagas e acolher de novo teu mandato missionário. Dá-nos
tua paz, e envia sobre nós teu Espírito, a fim de que não nos cansemos de
dialogar e construir pontes, e experimentemos a felicidade de crer para ver, de
acreditar apoiados no testemunho de vida dos outros, de fazer da nossa vida um
serviço os irmãos e irmãs. Vem em nosso auxílio para não virarmos as costas à
comunidade dos homens e mulheres de boa vontade, pois sem ela não conseguiremos
te reconhecer. Amém! Assim seja!
Itacir Brassiani msf
Fonte:
CEBI.ORG.BR
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