Durante muito tempo, a liturgia esteve dissociada da nossa catequese. Os conteúdos catequéticos priorizavam mais a doutrina da Igreja. ou seja, o ensino estava mais centrado no catecismo do que propriamente na mensagem que Jesus nos deixou com seus ensinamentos. A ideia era que cada um recebesse os sacramentos em um tempo específico, sem, contudo, considerar a conversão pessoal. Partia-se do pressuposto de que todos nasciam em uma família cristã e, por isso, já sabiam o que se esperava deles na Igreja e na vida em comunidade.
Aqui
cabe uma indagação: será que ainda é assim nos dias de hoje?
A
partir do Concílio Vaticano II, surgiram vários movimentos dentro da Igreja no
sentido de tornar a catequese mais voltada à iniciação à vida cristã, e menos
apenas à preparação para os sacramentos. Diversos documentos e exortações
papais, como o Diretório Geral para a Catequese, passaram a falar da
iniciação e não mais de uma catequese com foco exclusivo nos sacramentos. A
Bíblia passou a ser o documento central da catequese, e não mais o catecismo. A
liturgia também passou a ter um papel importante nos encontros catequéticos.
“Mistagogia” — o aprofundamento no mistério celebrado — tornou-se uma palavra
comum na catequese de iniciação.
E
uma catequese de iniciação precisa de celebração, de mistagogia, de
experimentar o mistério da fé. Precisa tocar mais os sentidos do que a
razão. Para se viver a fé, é necessário envolvimento com esse mistério. No
entanto, ainda parece que nossa catequese não conseguiu internalizar
essa proposta. Isso se revela na dificuldade que a maioria dos catequistas
relata: a de levar os catequizandos à missa.
E
— quase de forma unânime — acabamos por culpar os pais: "não levam",
"não dão exemplo", "não participam da catequese dos
filhos"… e assim por diante.
Vamos,
então, esmiuçar essa questão. Em primeiro lugar, a missa (liturgia) não é um
simples "exemplo", "costume" ou "hábito", como
foi no passado. Muito menos um compromisso social. A missa é a celebração da
fé, que é, na essência, celebração da vida. É uma necessidade espiritual,
jamais uma imposição. E a ausência na missa não pode ser compreendida
simplesmente como “pecado”, mas como um sinal de que a fé ainda não foi
despertada plenamente.
Enfim,
nós temos uma missão na catequese. Para além de ensinar a doutrina, precisamos
revelar os mistérios da fé. Não se trata apenas de “ensinar” liturgia, mas de
viver a liturgia. Precisamos ensinar a celebrar! Estamos vivos, fomos salvos
pelo sacrifício amoroso de Cristo. Nossa catequese deve ser cristocêntrica, e
não apenas doutrinal, sacramental ou devocional.
E
celebrar começa pela vida, pelo cotidiano, pelas pequenas coisas que vivemos: o
dia lindo de sol, a chuva que rega a terra, a beleza da natureza colocada à
disposição do ser humano, a água que mata a sede, a luz que rompe a escuridão,
o pão que sacia a fome. Se não ensinarmos nossas crianças a celebrar a vida, a
festejar as maravilhas de Deus, elas jamais entenderão por que precisam ir à
missa.
Então
é isso: a celebração precisa começar nos encontros! E cada etapa ou fase da
catequese pode ter seus momentos celebrativos. Como fazer isso? É uma questão
de planejamento e sensibilidade pastoral. O que precisamos celebrar nos
encontros, para que nossos catequizandos sintam o desejo de celebrar também com
a comunidade? Devemos usar símbolos, explorar os sentimentos, dar espaço ao
invisível que pode ser simbolizado. Somos despertados para a vida, e para Deus,
por meio dos sentidos: o olhar, o ouvir, o toque, o perfume.
Por
que não usar isso em celebrações catequéticas? Que podem ser realizadas a cada
etapa vencida, a cada novo compromisso assumido: o perdão, a bondade, o amor, a
caridade... As celebrações fazem parte da catequese como um preâmbulo da missa,
que é a grande celebração da comunidade.
A
introspecção, o silêncio, a oração, o ambiente... tudo isso é celebração.
Precisamos ensinar isso às nossas crianças e adolescentes: a deixar de lado o
mundo barulhento lá fora e voltar o olhar para dentro. É claro que, ao falarmos
de crianças, o agito, a empolgação, o barulho, fazem parte de seu
amadurecimento. A concentração é mais difícil, mas é possível.
Vamos
fazer uma analogia entre o encontro de catequese e a Santa Missa. Isso nos ajuda
a perceber que a catequese não está separada da vida litúrgica da Igreja, mas é
um aprofundamento e uma preparação para ela.
O Encontro de Catequese como Reflexo da
Missa
A Santa Missa é o centro da vida cristã.
Nela, nos encontramos com Deus, com a comunidade e alimentamos nossa fé na
Palavra e na Eucaristia. O encontro de catequese, por sua vez, é uma preparação
para essa vida litúrgica, um tempo de escuta, formação e conversão. Por isso,
podemos traçar uma analogia entre os momentos da Missa e as etapas de um
encontro catequético.
1. Ritos Iniciais – Acolhida e
Ambientação
Na Missa, começamos com os ritos
iniciais: saudação, canto de entrada, sinal da cruz e ato penitencial. É o
momento de nos reconhecer irmãos, nos acolher mutuamente e nos colocar diante
de Deus com o coração aberto.
Na catequese, fazemos algo semelhante:
acolhemos cada um com alegria, rezamos juntos, cantamos, criamos um ambiente
fraterno e de escuta. A ambientação do espaço e uma breve oração inicial
preparam o coração para o que virá. É o tempo de "chegar", tanto
fisicamente quanto espiritualmente.
2. Liturgia da Palavra – Leitura Bíblica
e Reflexão
Na Missa, escutamos a Palavra de Deus:
leituras do Antigo e Novo Testamento, salmo, evangelho e homilia. É o momento
em que Deus nos fala e nós escutamos com atenção.
No encontro catequético, também há um
momento essencial de escuta da Palavra: uma leitura bíblica, feita com atenção
e reverência. Muitas vezes utilizamos os passos da Lectio divina para
aprofundar o texto, e em seguida fazemos uma reflexão sobre seu
significado e como ela se liga ao tema do encontro e à nossa vida.
3. Liturgia Eucarística – Compromisso e
Vida
Na Missa, após escutar a Palavra,
oferecemos o pão e o vinho, que se tornam Corpo e Sangue de Cristo. A
comunidade também oferece a si mesma, suas alegrias, sofrimentos e ações.
Depois comungamos, recebendo Jesus para nos fortalecer.
No encontro de catequese, não temos a
Eucaristia propriamente dita, mas somos convidados a responder à Palavra com
compromisso: aquilo que aprendemos se traduz em atitudes, em ações
concretas. Podemos propor gestos simples, tarefas de casa, compromissos de
oração ou atitudes solidárias – é o momento de colocar a fé em prática.
4. Ritos Finais – Oração e Envio
Na Missa, terminamos com a bênção e o
envio: “Ide em paz e o Senhor vos acompanhe”. Saímos em missão,
alimentados por Cristo para viver no mundo como seus discípulos.
Do mesmo modo, o encontro catequético se
encerra com um momento de oração e envio: agradecemos a Deus, pedimos força
para viver o que aprendemos, e nos despedimos com alegria, sabendo que seguimos
unidos na fé.
Essa analogia ajuda a entender que cada
encontro de catequese é, de certa forma, um eco da Eucaristia: um
momento de encontro com Deus, com os irmãos, de escuta, partilha e compromisso.
Formar-se na fé é também preparar o coração para viver bem cada Missa, que é o
grande encontro da comunidade com o Ressuscitado.
🍞🍷
A
Missa e o Encontro de Catequese
Missa |
Encontro de Catequese |
Significado |
Ritos Iniciais |
Acolhida e Ambientação |
Chegar, se reunir como irmãos, criar um ambiente de fé e escuta. |
Canto
de Entrada e Saudação |
Dinâmica
de Boas-Vindas / Oração Inicial |
Alegria de estarmos juntos, começamos
com Deus no centro. |
Ato Penitencial |
Reflexão Inicial / Silêncio / Prece |
Reconhecemos nossas falhas e abrimos o coração para Deus. |
Liturgia
da Palavra |
Leitura
Bíblica e Reflexão |
Deus nos fala pela
Palavra, e nós ouvimos e respondemos. |
Homilia |
Aprendizado do Tema / Partilha |
Aprofundamos o sentido da Palavra e do tema proposto. |
Ofertório
e Oração Eucarística |
Compromisso
Concreto / Dinâmica Prática |
Entregamos nossa vida e colocamos a fé
em ação. |
Comunhão |
Vivência do que foi aprendido |
Somos alimentados e chamados a viver o Evangelho. |
Ritos
Finais e Envio |
Oração
Final e Envio com Missão |
Recebemos força para viver como
cristãos no dia a dia. |
E ainda podemos trazer muita coisa da Missa para o encontro, e também levar do encontro para a Missa. Não só o abraço da paz, a oração do Pai Nosso, a leitura do domingo, mas também o aprendizado do silêncio, da contemplação, da escuta atenta. Podemos aprender, na catequese, a responder com o coração aberto aos gestos e palavras da liturgia, a valorizar os símbolos, a compreender os ritos e a perceber que tudo tem um sentido profundo. Da mesma forma, aquilo que vivemos na Missa — o espírito de comunhão, o louvor, a entrega confiante — pode inspirar e transformar cada encontro de catequese em um verdadeiro momento de encontro com Deus vivo, que caminha conosco.
P.S. Este
texto nos leva a entender porque ensinarmos o que são os objetos litúrgico, o
que significa os espaços do templo e todos os gestos da missa.
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