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quarta-feira, 14 de maio de 2025

A CATEQUESE COM PESSOAS COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL

Imagem: https://br.freepik.com 

A CATEQUESE COM CRIANÇAS COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL E TRANSTORNOS DE COMPORTAMENTO

Ângela Rocha*

Uma experiência real e reflexiva

Não sou nenhuma "expert" no assunto e nem tenho estudos formais ou títulos acadêmicos na área. No entanto, ao longo da minha trajetória na catequese, tive o desafio de ter em minhas turmas crianças com deficiências e transtornos de comportamento.

Como “deficiência”, vou tratar apenas aquelas consideradas intelectuais ou transtornos de comportamento. As demais deficiências, consideradas físicas, não são impeditivas para que uma criança ou jovem frequente a catequese. Um cadeirante, surdo ou cego pode (e deve) ser incluído nas turmas normais de catequese, desde que se proporcione acessibilidade e recursos para a inclusão. Tal como qualquer escola, a Igreja deve se preocupar com a inclusão destes em seu meio, proporcionando rampas, acessibilidade nos ambientes, intérprete de Libras, literatura em braille e o que se fizer necessário para a acolhida dessas pessoas.

A chegada de Maria

Logo no meu segundo ano na catequese, recebi na minha turma de 1ª Etapa da Eucaristia a "Maria", uma menina de 9 anos com deficiência de aprendizagem. Ela ainda não tinha leitura suficiente para acompanhar o restante da turma, era extremamente retraída e não interagia com o grupo. Baseado no que li e pesquisei depois, creio eu que ela tinha sintomas de Síndrome do Espectro Autista. A mãe me "avisou" que eu teria dificuldades com ela, pois: “Maria não aprendia como as outras crianças." E com Maria eu aprendi muito mais do que ensinei.

Os primeiros desafios

O primeiro desafio foram as demais crianças da turma. Havia uma certa "impaciência" ao lidar com a "demora" de Maria, tanto nas atividades (brincadeiras e dinâmicas do encontro) quanto na aparente falta de interesse dela em tudo. Percebi que ela lia um pouco, mas num ritmo muito vagaroso e não conseguia interagir comigo quando me dirigia a ela. Tentando inserir Maria nas atividades de todos, eu me atrapalhei com isso e causei irritabilidade nos demais, que tinham que ficar "esperando" Maria, e o encontro não fluía. Eram doze crianças apenas, mas ao invés de levar Maria ao mundo dos onze, eu trouxe os onze para o mundo de Maria. Deu para notar que isso não deu muito certo...

A estratégia da Inclusão

Comecei a ler a respeito do déficit de aprendizagem nas crianças e conversei bastante com a família de Maria para saber os hábitos dela e como ela interagia em casa com os outros. Isso me ajudou a entender muita coisa. Depois, resolvi "partilhar" meus problemas com as outras crianças. Num encontro onde Maria não estava, eu coloquei a eles as dificuldades da nossa menina, pedi que tivessem mais paciência com ela e pedi AJUDA para que nossos encontros não ficassem “parados”, como eles achavam que estavam.

Não me surpreendi nada com as coisas que ouvi deles. As crianças têm uma visão muito diferente da dos adultos – que têm a propensão mais à compaixão do que exatamente à ação para mudar as coisas – e consegui com que se interessassem por uma mudança em nossos encontros. Falei sobre o que li a respeito da deficiência dela e da figura do “mediador”, que seria alguém que ficaria ajudando Maria a “interpretar” o nosso mundo de uma forma mais “individual” e menos coletiva do que quando eu falava com todos. Imediatamente, uma menina que conhecia Maria – seus pais eram amigos e frequentavam a mesma escola – se ofereceu para ser a “ajudante” de Maria. E os demais se comprometeram a ter paciência e evitar comentários depreciativos às dificuldades dela, inclusive se revezando na ajuda quando necessário.

As Melhoras

Difícil descrever como as coisas melhoraram a partir de então. Nossa pequena ajudante abria a Bíblia para a Maria no lugar certo, mostrava onde estávamos lendo e a ajudava nas atividades (coisa que eu mesma fazia e levava bem uns 15 minutos do encontro para “situar” a Maria). Outra coisa: as atividades de Maria eram diferentes das dos demais e tinham um grau de dificuldade condizente com a capacidade cognitiva dela. Sim! É preciso se dar ao trabalho de criar atividades com mais imagens, menos leitura e de grau mais acessível, e que Maria podia corresponder.

Claro que ainda havia muita coisa que eu não conseguia fazer, afinal, estava com ela apenas uma hora e meia por semana, mas Maria começou a interagir mais com o grupo. No ano seguinte, experimentei dar à Maria uma função importante dentro do grupo: seria ela a coroar Nossa Senhora na pequena encenação que faríamos aos pais. Participou de todos os ensaios, mas, na hora de ir ao encontro, ela se recusou categoricamente. E ficamos sem a Maria na coroação (tínhamos uma substituta, claro), mas exigimos mais do que ela poderia nos dar.

A jornada com Maria

Maria ficou comigo nos três anos de catequese até chegar à Primeira Eucaristia. E devo dizer que, neste último ano, as dificuldades diminuíram bastante e a pertença ao grupo era tão boa que Maria nem parecia uma criança que precisava de recursos especiais.

Mas não posso deixar de frisar alguns fatores que contribuíram para isso: primeiro, que minha turma ficou junta durante os três anos da catequese, ou seja, criamos laços e vínculos de amizade muito fortes. Segundo, a deficiência de Maria era de um grau leve, não havia, por exemplo, ataques de raiva ou irritabilidade nas mudanças de sua rotina, e a família contribuiu imensamente para que eu pudesse ajudar a Maria, fornecendo sempre todas as informações necessárias. Visitei a família várias vezes, participamos de vários eventos na Igreja juntos, etc.

A Formação que veio da prática

As leituras sobre o assunto fizeram também uma enorme diferença no meu “fazer catequese”. Nas leituras sobre o autismo, o que vi foi que intervenções “conjuntas”, englobando psicoeducação, suporte e orientação de pais, terapia comportamental, fonoaudiologia, treinamento de habilidades sociais e medicação, ajudam na melhoria da qualidade de vida da criança, proporcionando melhor adaptação ao meio em que vive. E um fator bem interessante para nosso caso: a utilização do “mediador pedagógico”, alguém muito importante no tratamento e na adaptação da criança ao grupo, que funciona como elo entre o educador, os pais e a criança.

Esse mediador auxilia a criança nas atividades na salinha e em todos os outros ambientes (Igreja, celebrações, brincadeiras), mais ou menos como um “personal trainer”, mediando e ensinando as regras sociais, estimulando sua participação nos encontros, facilitando a interação dela com outras crianças, corrigindo rituais e comportamentos repetitivos e acalmando a criança em situações de irritabilidade e impulsividade. Obviamente que nem sempre pode ser uma outra criança do grupo, a não ser que também faça parte do círculo familiar/social da criança. Esse mediador pode ser um irmão, um dos pais, enfim, alguém que esteja disposto a tal tarefa. Se o catequista quiser também exercer esta função no grupo, onde as demais crianças não tenham dificuldades, já antecipo que não vai conseguir fazer. A não ser que o grupo seja de 4 ou 5 crianças somente.

A escolha de um novo caminho

Maria me despertou o interesse em entender mais este mundo tão restrito das crianças com dificuldades de aprendizagem e síndromes das mais diversas. Passei a ler bastante sobre o assunto e fiz serviço voluntário numa escola para crianças especiais. A escola atendia crianças com deficiências severas, tanto físicas quanto intelectuais. Fiz isso durante quase quatro anos, o que me proporcionou conhecer a pedagoga especializada no assunto. É simplesmente imensurável o conhecimento que agreguei durante este tempo, estando na escola em contato com as crianças três vezes por semana e convivendo com pedagogas da Educação Especial.

Tendo conhecimento mais apurado das características de cada síndrome que causa as deficiências intelectuais nas crianças e os transtornos de comportamento, passei a ver com outros olhos, por exemplo, os casos relatados pelas catequistas de crianças de trato extremamente difícil, onde os pais usam o diagnóstico de “hiperatividade” – que são os casos mais comuns de síndromes em nossas crianças.

Ouso dizer que, em muitos casos, não é feito um diagnóstico clínico, e trata-se apenas de uma percepção dos pais com relação a uma criança de difícil trato, cujos pais perderam o controle e os limites na educação desta criança.

A realidade do diagnóstico

A investigação do TDAH envolve detalhado estudo clínico por meio de avaliação com os pais, com a criança e a escola. E isso deve ser levado ao conhecimento de todas as pessoas que têm convívio constante com a criança; em nosso caso, do pároco, do catequista e da coordenação.

Todas as vezes que pais apresentaram este diagnóstico para explicar o comportamento social de seus filhos, é preciso pedir informações detalhadas sobre: o tratamento médico, psicológico e pedagógico da criança, se ela toma remédio, se faz terapia e quais as orientações para o trato da criança, se ela vai ficar sozinha com o catequista. Assim como o diagnóstico de hiperatividade pode ser precoce, também pode estar subestimado e tratar-se de síndromes mais graves de transtorno de conduta.

Quando os transtornos são graves: João

A esse respeito, tive uma experiência muito frustrante com uma criança diagnosticada com TDO – Transtorno Desafiador Opositivo, que só foi confirmado pela mãe depois que a confrontei com as dificuldades que estava tendo com ele na catequese.

Apesar de ser uma criança de apenas nove anos, “João” tinha sérios transtornos de conduta, chegando a ser agressivo comigo várias vezes. Infelizmente, este foi um caso em que não conseguimos levar a bom termo na catequese. Apesar das medicações pesadas, o menino, além do TDO, tinha várias condutas de esquizofrenia precoce. Nem vale a pena relatar o ano difícil que passei com minha turma de sete crianças que, em determinados momentos, João fazia parecer que eram trinta. Por fim, ele agrediu outra criança num momento em que não havia um adulto por perto. A mãe desta criança fez boletim de ocorrência e tivemos muitos problemas na Igreja por conta disto. Para evitar outros dissabores, a mãe o levou para outra paróquia.

Considerações Finais

Hoje, eu considero impensável um catequista não procurar informações sobre os transtornos de comportamento, caso tenha uma criança com algum tipo de síndrome ou deficiência em suas turmas.

O primeiro passo é buscar interação com a família, fazendo-a ver que, sem uma “parceria”, não se consegue dar conta da inclusão. O segundo passo é envolver o grupo e procurar apoio na coordenação e no pároco, relatando todos os passos e mudanças a serem feitas. E, por fim, pedir a DEUS a paciência necessária e o discernimento correto para lidar com as limitações da criança, com os desafios dos encontros, com a rotina do grupo e com o amor que cada criança traz para nós.

É necessário buscar o conhecimento. Precisamos conhecer um pouco sobre cada criança que entra em nossa turma. Saber como ela se relaciona, se já foi diagnosticada com algo, se está sendo tratada, se tem acompanhamento na escola. Precisamos entender o que está por trás daquele comportamento estranho ou difícil, que nos tira a paciência e a concentração.

Talvez o que essa criança mais precise seja de um lugar onde ela seja aceita, compreendida e amada do jeitinho que é. E a Igreja, sendo a casa de Deus, deveria ser esse lugar.

Sugestão de Leituras:

Catequese inclusiva: Da acolhida na comunidade à vivência da fé. Thaís Rufatto dos Santos. Edições Paulinas, 2013.

Iniciação à vida cristã: Eucaristia - catequese inclusiva. Thaís Rufatto dos Santos. Edições Paulinas, 2018.

Psicopedagogia Catequética: Reflexões e vivências para uma catequese inclusiva - Vol.5 - Pessoa com deficiência. Eduardo Calandro, Jordelio Siles Ledo, Rozeangela G. Barbosa. Editora Paulus, 2022.

Catequese Junto à Pessoa com Deficiência Mental. Por Ana Sirlei P. Vinhal, Lucy Angela C. Freitas. Paulus, 2008.


* Ângela Rocha é catequista há 18 anos, atuou na Catequese Infantil, Crismal e no Catecumenato de Adultos. É graduada em Teologia pela PUCPR, com pós-graduação em Catequética pela FAVI de Curitiba. Profissionalmente atuou como professa universitária e instrutora do SENAC. Tem bacharelado em Ciências Contábeis pela UNICENTRO- Guarapuava Pr., tem pós graduação em Análise de Créditos, também pela UNICENTRO e em Metodologia do Ensino Superior pela UNOPAR Londrina.. É administradora da página www.catequistasemformacao.com, e de redes sociais do grupo. Atualmente produz material para formação de catequistas no formato “Apostila”.

 

 

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