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domingo, 22 de junho de 2014

Como falar hoje dos sacramentos? (2)


A catequese sacramental é hoje muito criticada. E com razão. Preparar para os sacramentos é muito pouco para uma catequese cristã. Não vamos, porém, pensar que os sacramentos perderam sua importância. Apenas o jeito de falar deles é que precisaria mudar. Ninguém pensa em excluí-los do processo catequético. Mas talvez fosse importante situá-los de forma nova. Essa atualização se faz necessária por causa da mudança que ocorreu na mentalidade do povo.


Desde o Concílio de Trento, os sete sacramentos são aceitos sem nenhum questionamento. E desde criança, a gente já sabia que era preciso ir à missa, comungar, confessar-se. Ninguém pensava em constituir família sem passar pelo sacramento do matrimônio. A crisma era também uma necessidade não questionada. Quando o bispo ia fazer visita pastoral, todo mundo sabia que era preciso crismar. O que se questionava então era mais a história de cada sacramento e sua doutrina. A catequese tentava responder a perguntas como: “O que é tal sacramento? Qual o ensino da Igreja sobre ele? Quais as condições de validade de cada sacramento?”. Era mais um estudo dogmático e canônico dos sacramentos.

Acontece que hoje as pessoas já perderam, na maioria dos casos, o referencial axiológico da vida sacramental, ou seja, perderam-se aqueles valores básicos, antes cultivados em família, que nos faziam encarar os sacramentos como algo que não se questionava. Hoje, a pergunta não é mais “O que é este sacramento?”, mas “Para que serve esse sacramento?”, “Qual o sentido e a utilidade dos sete sacramentos?”, ou “Será que eles realmente significam e realizam algo?”. A catequese se vê, portanto, desafiada a responder questionamentos mais profundos.

Será preciso ajudar as pessoas a assumirem os valores que servem de base para a compreensão e a vivência dos sacramentos. Assim, antes de explicar o que é a eucaristia, será preciso ajudar a pessoa a perceber a presença de Jesus que continua vivo no meio de nós; antes de falar de confissão, será preciso compreender a situação de fraqueza humana, pois não somos tão potentes como podemos pensar; antes de falar de crisma será necessário mostrar as vantagens e o sentido do engajamento do jovem na Igreja e no mundo, a beleza que é pertencer a um povo de fé e nessa comunidade professar a fé, confirmando-a cada dia.

Mais importante que teorizar sobre os sacramentos, é criar a base axiológica que sustenta sua vivência. Desse modo, quando a catequese apresenta Jesus e desperta a admiração por ele e a compreensão do sentido de sua presença viva, está no universo da eucaristia, embora não parta do sacramento. E quando ajuda a descobrir o sentido da pessoa humana com sua força e sua fraqueza, com sua sede de crescer sempre mais, de ser feliz, de superar-se, de perdoar e ser perdoado, a catequese está tratando da confissão, embora não parta do sacramento. E quando fala da beleza da vida em família e da importância da presença de Deus no lar, a catequese está de alguma forma mostrando o valor do matrimônio.

Enfim, para que a catequese prepare a pessoa para a vivência sacramental, não é preciso que haja, no roteiro, de imediato, uma lista com os sete sacramentos para se decorar.

Podemos até saber de cor os sete sacramentos e incentivar os catequizandos a guardar de cor a lista completa dos sacramentos ou dos mandamentos. Mas isso não fará muita diferença e não significará uma compreensão da fé mais profunda, se não ajudarmos os catequizandos a entenderem os valores cristãos celebrados em cada sacramento.

Isso é o que chamamos de mudança de categorias. A nossa observação serve para o ensino de toda a doutrina da Igreja que, sem ser abandonada, precisa ser reformulada. A transmissão da doutrina precisa ser feita, pois é também parte do processo catequético dar as razões da fé. Mas esse aprofundamento na fé da Igreja, traduzida em sua doutrina, surtirá melhor efeito se partir de uma experiência cristã de Deus; se a doutrina fizer sentido na vida de quem busca suas razões. Cabe, pois, à catequese trabalhar a doutrina de modo novo e significativo, de forma mais existencial e afetiva que tanto intelectual e dedutiva, repensando as formulações da fé para a vida das pessoas hoje.

Solange Maria do Carmo
Mestre em Sagrada Escritura e professora da PUC-Minas e do Centro Loyola BH.

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