Por que as meninas se maquiam, pintam as unhas de vermelho?
Por que os meninos usam brincos? Por que algumas crianças têm tatuagens? Por
que se vestem assim ou assado? Nós sabemos como são suas famílias, a vida que
levam e o que os leva a se auto afirmar tão precocemente? Não estamos
esquecendo que cada pessoa é um ser único e filho do Pai, como a gente? Que
cada pessoa assume a identidade que melhor a representa?
Estas perguntas nos fazemos hoje quando, em nossas paróquias,
se exige comportamentos de crianças e adolescentes que estão aquém do mundo de
hoje. Às nossas crianças no dia da primeira eucaristia, exige-se uma “aparência”
totalmente fora do contexto deste novo milênio: cabelo bem penteado,
simplicidade, nada de brincos, unhas pintadas, calças rasgadas.... Mas, não se
exige que saiba da grandiosidade do gesto que está prestes a fazer ou da magnitude
que é participar da comunhão eucarística com Jesus, que é ação de graça, reconhecimento
pelo dom que recebemos de partilhar nossa vida com o outro.
Tive um catequizando que fez a primeira eucaristia aos 14
anos, diferente das outras crianças que tinham 11, 12. Usava boné, usava brinco
e claramente estava "em outra". Faltava bastante. Quando perguntei a
ele o porquê, ele me disse que estudava de manhã e na sexta dormia tarde e não
conseguia acordar cedo no sábado. O que ele fazia na sexta à noite? Jogava os
jogos tão amados pelos adolescentes. Hum... perguntei quais jogos ele gostava e
fiz de conta que entendia do negócio falando um "Que legal!" bem
animado. E perguntei se podia ligar para ele no sábado de manhã para acordá-lo.
E combinamos assim... Às 8hs eu ligava e avisava da catequese, ele chegava
atrasado, mas, vinha. Os pais saiam para trabalhar e penso que tanto fazia se
ele fosse ou não ao encontro.
Foi uma conquista lenta, com descobertas gradativas. Ele
usava boné porque o cabelo era "desajeitado"... e se ressentia quando
alguém pedia e ele para tirar. Eu não pedia, mas, quando as turmas se reuniam,
sempre tinha uma catequista “incomodada” com ele que acabava pedindo. E eu via
o quanto aquilo o "machucava": Mostrar
cabelo "ruim" pra todo mundo? Que "mico".
No dia da primeira eucaristia, lá estavam elas, as
"beatas de plantão", "fiscais de porta de Igreja" como diz
o Papa Francisco, a se incomodar com o brinco do meu menino. Vieram falar
comigo e eu respondi: "Vai lá e fala
você". E não é que foram mesmo!
Ele educado, olhou para mim a se perguntar se tirava ou não o
brinco. Senti no olhar dele o quão "violentado" em sua identidade ele
se sentiu. Que "banquete da comunhão" era aquele que não permite a
uma pessoa ser o que ela é? Mostrar-se a Deus do jeito que se sente bem. Senti
tudo isso quando ele me perguntou com o olhar o que fazer.
Fui até ele e cochichei no seu ouvido: "Tire o brinco aqui agora na entrada, mas, quando estiver sentado
no seu lugar, coloque de novo. Senão Jesus vai se perguntar onde anda
você." Ele sorriu, tirou o brinco, pôs no bolso e foi...
Tenho certeza que ele, hoje no grupo de jovens, nunca se
sentiu mal na presença de Jesus. A gente aqui pode não aceitar as crianças como
elas são e gostam de ser, mas, Jesus está sempre dizendo: "Venham a mim os pequeninos, do jeito que
eles são". Que diferença faz para Deus, a cor da unha? O corte de
cabelo? O brinco? São perguntas que me faço sempre.
Li uma coisa bem interessante num dos meus livros de teologia
(1): "A mensagem de Jesus precisa
ser uma boa nova para homens e mulheres DE HOJE e não simplesmente uma
repetição do passado". Houve um tempo em que as coisas eram
diferentes, mas, agora, nos dias de hoje, não tem mais como evangelizar com um
"caderninho" de regras. “As
práticas tradicionalistas que se fixam no passado sufocam a novidade do
Espírito, precisamos "purificar" as expressões históricas da nossa fé”,
é preciso trazer o novo às novas pessoas e não reeditar o antigo, o
ultrapassado e aquilo que sufoca e diminui. Sim, vamos aceitar as coisas boas
que herdamos do passado, mas, atentos às novas perguntas da sociedade atual que
grita por atenção, mesmo estando tão rodeada de coisas. Muito daquilo que a
nossa catequese praticava no passado, já não se aplica mais, não traduz
adequadamente a mensagem de Jesus, que não dava um modelo para que as pessoas se
“encaixassem”, entrassem e, sim, abria um “modelo” de mundo onde todos cabiam.
Ângela Rocha
(1): A
casa da teologia. MURAD, Afonso et al. São Paulo: paulinas, 2010.
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