Com o texto de hoje
entramos no capítulo treze de Mateus, que, estruturalmente, é o centro do
Evangelho. Tudo converge para o ponto central da mensagem de Jesus, o Reino de
Deus, que continua algo misterioso (v. 11). O capítulo consiste em sete
parábolas – as parábolas do Reino – e alguma explicação delas. O trecho
de hoje nos traz a parábola que é conhecida como a do semeador (embora o texto
enfatize mais a semente), junto com uma explicação do seu sentido.
O que é uma parábola? Um exegeta, C.H. Dodd, deu a seguinte
definição: “Uma metáfora tirada da vida diária ou da natureza, que chama a
atenção do ouvinte pelas suas imagens vivas ou estranhas, e que o deixa com
dúvida suficiente sobre o seu sentido exato para que seja estimulado a refletir
por si mesmo”. A de hoje usa imagens conhecidos na Palestina rural de então
– a semeadura – e na sua forma original não trazia explicação. Terminava com o
desafio de Jesus para que os ouvintes aprofundassem por si mesmos o seu
sentido: “quem tem ouvidos para ouvir, ouça”.
Para entender as imagens é bom lembrar que, na Palestina antiga,
se jogava a semente antes de arar a terra. Por isso, alguma semente caía nas
picadas que atravessavam os campos, “a beira do caminho”. Outra parte
seria logo queimada pelo sol quente na região. Outra parte, comida pelas aves.
Outra parte perdida porque a terra era rala e cheia de ervas daninhas. Mas uma
parte cairia em terra fértil onde dava frutos, conforme a sua possibilidade.
Provavelmente, a explicação dada em 18-23 nasceu mais tarde,
durante a catequese da Igreja primitiva. Assim, no início podemos supor que o
semeador era Deus, Jesus, ou um emissário deles, a semente a Palavra de Deus e
os tipos diferentes de solo as respostas diferentes dos ouvintes. Alguns deixam
o fascínio do mal, nas suas diversas formas, roubar a semente. Outros acolhem a
Palavra, mas de uma maneira superficial, e não demora muito para que se torna
infrutífera nas suas vidas. Outros aceitam a revelação divina, mas a colocam em
segundo plano, enquanto correm atrás das riquezas de um mundo consumista.
Relegando, assim, Deus e o seu projeto, fazem com que a religião se torne algo
de fachada, que em nada ajuda o Reino a crescer. Mas a finalidade da
história é dar esperança. Embora haja muitos fracassos, em última instância
o trabalho do semeador dá certo – sempre há pessoas que recebem com entusiasmo
a Palavra, e suas vidas, baseadas na fé viva, dão muitos frutos. Não é
necessário que todos deem frutos iguais – mas que todos deem conforme as suas
possibilidades, cem, sessenta e trinta por um.
Depois de dois mil anos de semeadura, cabe perguntar sobre os
frutos da semeadura na nossa sociedade, dita cristã. Depois de mais de
quinhentos anos das Igrejas no Brasil, será que nós cristãos damos os frutos de
uma sociedade justa, conforme o desejo de Deus? Estamos sendo – pessoalmente e
comunitariamente – que tipo de solo? Deixamos a semente penetrar no solo dos
nossos corações ou deixamos na superfície como a que caiu à beira do caminho?
Ou a aceitamos através da catequese sacramental e da tradição familiar, sem
aprofundá-la, ficando em uma prática estéril para manter as aparências e a
tradição, mas que não afeta em nada a sociedade? Ou deixamos os espinhos
modernos – as tentações de uma sociedade materialista, consumista, de
competitividade – sufocar as relações de fraternidade e solidariedade que devem
marcar os que acolhem a Palavra? Ou, com a graça de Deus, procuramos ser
solo fértil, onde a fertilidade inerente na semente possa brotar em frutos de
bondade e justiça, conforme as nossas possibilidades, deixando acontecer o que
profetizou o Segundo Isaías: “Assim acontece com a minha Palavra que sai da
minha boca: ela não volta para mim sem efeito, sem ter realizado o que eu quero
e sem ter cumprido com sucesso a missão para a qual eu a mandei” (Is
55,11). O semeador é Deus, a semente é boa – mas que tipo de solo sou eu, somos
nós? “Quem tem ouvidos para ouvir, que ouça!”
Tomaz
Hughes*.
* Pe. Tomaz Hughes, svd, irlandês,
religioso-missionário da Sociedade do Verbo Divino. Radicado no Brasil, por
quase 50 anos, atuava especialmente na formação bíblica nas bases e como
assessor bíblico da CRB e do CEBI. Dedicava-se a cursos e retiros bíblicos em
todo o país. Publicou diversos artigos em Convergência, Estudos Bíblicos e
publicações da VRC e é autor do livro “Paulo de Tarso: Discípulo-Missionário de
Jesus”. Faleceu em 15 de maio de 2017.
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