QUINTO DOMINGO DA QUARESMA – EVANGELHO João 8, 1-11A
A fé vivida e testemunhada pelas gerações que nos antecederam serve para
acender nossas utopias e iluminar a estrada a ser percorrida. Paulo deixa bem
claro que quem encontra e acolhe Jesus Cristo não tem medo de jogar no lixo
costumes, sistemas e doutrinas que hierarquizam, desprezam e escravizam.
Iluminados pelo encontro de Jesus com a mulher acusada na praça, assumamos, com
força renovada, a luta por uma educação universal e de qualidade.
Pelo profeta Isaías, é Deus que nos convida a não ter saudades do
passado. “Eis que estou eu fazendo coisas novas…” Não é uma promessa: é uma
ação em curso, no tempo presente. E Paulo completa: “Esquecendo o que fica para
trás, lanço-me para o que está à frente.” Nossas celebrações, nossa catequese e
nossas pregações devem pôr em relevo a vida presente, e não podem ser reduzidas
a uma memória morta de fatos de um passado remoto.
Evitemos escutar o episódio relatado por João como coisa do passado. Os
escribas e fariseus não dão tréguas no zelo pela lei e agem de noite: em plena
madrugada, prendem uma mulher adúltera e a trazem para o centro do círculo que
se formara em torno de Jesus, no templo. O centro, que era o lugar da Lei, fora
invadido por Jesus e agora é ocupado pela mulher acusada. Até parece que os
pobres e oprimidos só ocupam o centro das atenções e sistemas quando são réus.
O cinismo da elite religiosa é impressionante: acusam uma pobre mulher
com o objetivo de atingir o próprio Jesus. “Esta mulher foi flagrada cometendo
adultério. Moisés, na Lei, nos mandou apedrejar tais mulheres. E tu, o que
dizes?” Jesus evita a armadilha, e não lhe passa despercebida a leitura
tendenciosa que os escribas e fariseus fazem da Lei de Moisés, pois no Levítico
está escrito: “Se um homem cometer um adultério com a mulher do próximo, o
adúltero e a adúltera serão punidos com a morte” (Lv 20,10). Onde foi parar o
adúltero, o primeiro citado pela Lei?
No fundo, aqueles senhores que se apresentam como zelosos defensores dos
direitos de Deus não passam de ferozes agressores dos direitos humanos. E assim
como era no passado é também no presente! Em nome do maldito e absoluto direito
à propriedade privada, aquela que nos priva de viver e de amar, criminaliza-se
os sem-terra, os índios e aqueles que os apoiam. E em nome de um suposto
combate a corrupção, foi reconstituído um sistema que privilegia os fortes e o
comando do país foi àqueles que mais sabem conviver com a corrupção e se beneficiar
dela.
Diante da insistência dos agentes da tradição, dispostos a executar a
sentença capital contra a mulher e a denunciá-lo como subversivo diante da Lei,
Jesus pronuncia sua sentença: “Quem dentre vós não tiver pecado, atire a
primeira pedra.” Aquela pobre e frágil mulher é transformada numa espécie de
espelho no qual todos podem ver suas próprias debilidades, frustrações e
transgressões. É como se Jesus dissesse que não faz sentido transformar uma
pessoa ou um grupo social em bode expiatório. Aqui temos um exemplo eloquente
de como ele fala com sabedoria e ensina com amor.
A sabedoria e o amor de Jesus são como uma memória e um sonho que enchem
nossa boca de sorrisos, fazem nossa língua cantar de alegria e nos desafiam a
mudar conceitos e práticas. Paulo não brinca quando diz que, por causa de Jesus
Cristo, perdeu tudo e jogou no lixo aquilo que sempre lhe parecera precioso e
certo. Para ele, diante da pessoa e do projeto de vida de Jesus Cristo, todos
os sistemas e ideologias, inclusive religiosas, perderam o sentido. O que resta
é a dignidade e a igualdade de todos os humanos, humanidade acima de tudo e de
todos, a misericórdia divina acolhendo e socorrendo misérias humanas e sociais.
Jesus de Nazaré, nós te agradecemos pelas palavras sábias e pela lição
de amor e misericórdia que nos ensinas hoje. O que são nossos privilégios,
costumes e doutrinas diante da humana solidariedade e da incrível liberdade que
nos propões? Que tua Igreja fale com sabedoria, ensine com amor e nos inicie na
coragem de pôr no centro dos nossos projetos e decisões a defesa e a promoção
da dignidade da pessoa humana. Ajuda-nos a desmascarar a hipocrisia e a
violência, mesmo quando aparecem maquiadas de luta contra a corrupção. Assim
seja! Amém!
Texto de Itacir Brassiani
Fonte: CEBI.ORG.BR
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