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domingo, 3 de abril de 2022

REFLEXÃO DO EVANGELHO DO DOMINGO: O MORALISMO PODE SER OPORTUNISTA, CÍNICO E HIPÓCRITA

 

QUINTO DOMINGO DA QUARESMA – EVANGELHO João 8, 1-11A

A fé vivida e testemunhada pelas gerações que nos antecederam serve para acender nossas utopias e iluminar a estrada a ser percorrida. Paulo deixa bem claro que quem encontra e acolhe Jesus Cristo não tem medo de jogar no lixo costumes, sistemas e doutrinas que hierarquizam, desprezam e escravizam. Iluminados pelo encontro de Jesus com a mulher acusada na praça, assumamos, com força renovada, a luta por uma educação universal e de qualidade.

Pelo profeta Isaías, é Deus que nos convida a não ter saudades do passado. “Eis que estou eu fazendo coisas novas…” Não é uma promessa: é uma ação em curso, no tempo presente. E Paulo completa: “Esquecendo o que fica para trás, lanço-me para o que está à frente.” Nossas celebrações, nossa catequese e nossas pregações devem pôr em relevo a vida presente, e não podem ser reduzidas a uma memória morta de fatos de um passado remoto.

Evitemos escutar o episódio relatado por João como coisa do passado. Os escribas e fariseus não dão tréguas no zelo pela lei e agem de noite: em plena madrugada, prendem uma mulher adúltera e a trazem para o centro do círculo que se formara em torno de Jesus, no templo. O centro, que era o lugar da Lei, fora invadido por Jesus e agora é ocupado pela mulher acusada. Até parece que os pobres e oprimidos só ocupam o centro das atenções e sistemas quando são réus.

O cinismo da elite religiosa é impressionante: acusam uma pobre mulher com o objetivo de atingir o próprio Jesus. “Esta mulher foi flagrada cometendo adultério. Moisés, na Lei, nos mandou apedrejar tais mulheres. E tu, o que dizes?” Jesus evita a armadilha, e não lhe passa despercebida a leitura tendenciosa que os escribas e fariseus fazem da Lei de Moisés, pois no Levítico está escrito: “Se um homem cometer um adultério com a mulher do próximo, o adúltero e a adúltera serão punidos com a morte” (Lv 20,10). Onde foi parar o adúltero, o primeiro citado pela Lei?

No fundo, aqueles senhores que se apresentam como zelosos defensores dos direitos de Deus não passam de ferozes agressores dos direitos humanos. E assim como era no passado é também no presente! Em nome do maldito e absoluto direito à propriedade privada, aquela que nos priva de viver e de amar, criminaliza-se os sem-terra, os índios e aqueles que os apoiam. E em nome de um suposto combate a corrupção, foi reconstituído um sistema que privilegia os fortes e o comando do país foi àqueles que mais sabem conviver com a corrupção e se beneficiar dela.

Diante da insistência dos agentes da tradição, dispostos a executar a sentença capital contra a mulher e a denunciá-lo como subversivo diante da Lei, Jesus pronuncia sua sentença: “Quem dentre vós não tiver pecado, atire a primeira pedra.” Aquela pobre e frágil mulher é transformada numa espécie de espelho no qual todos podem ver suas próprias debilidades, frustrações e transgressões. É como se Jesus dissesse que não faz sentido transformar uma pessoa ou um grupo social em bode expiatório. Aqui temos um exemplo eloquente de como ele fala com sabedoria e ensina com amor.

A sabedoria e o amor de Jesus são como uma memória e um sonho que enchem nossa boca de sorrisos, fazem nossa língua cantar de alegria e nos desafiam a mudar conceitos e práticas. Paulo não brinca quando diz que, por causa de Jesus Cristo, perdeu tudo e jogou no lixo aquilo que sempre lhe parecera precioso e certo. Para ele, diante da pessoa e do projeto de vida de Jesus Cristo, todos os sistemas e ideologias, inclusive religiosas, perderam o sentido. O que resta é a dignidade e a igualdade de todos os humanos, humanidade acima de tudo e de todos, a misericórdia divina acolhendo e socorrendo misérias humanas e sociais.

Jesus de Nazaré, nós te agradecemos pelas palavras sábias e pela lição de amor e misericórdia que nos ensinas hoje. O que são nossos privilégios, costumes e doutrinas diante da humana solidariedade e da incrível liberdade que nos propões? Que tua Igreja fale com sabedoria, ensine com amor e nos inicie na coragem de pôr no centro dos nossos projetos e decisões a defesa e a promoção da dignidade da pessoa humana. Ajuda-nos a desmascarar a hipocrisia e a violência, mesmo quando aparecem maquiadas de luta contra a corrupção. Assim seja! Amém!

Texto de Itacir Brassiani

Fonte: CEBI.ORG.BR

 

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