Este é
o tema para a celebração do 55º Dia Mundial das Comunicações
Sociais, escolhido pelo Papa Francisco e divulgado nesta terça-feira, 29 de
setembro, dia de São Gabriel Arcanjo. Ems 2021, a celebração será em 16 de
maio.
MENSAGEM DO PAPA FRANCISCO
PARA O LV DIA MUNDIAL DAS COMUNICAÇÕES SOCIAIS
“Vem e verás” (Jo 1, 46). Comunicar encontrando as pessoas onde estão e como são.
Queridos irmãos e irmãs!
O convite a “ir e ver”,
que acompanha os primeiros e comovedores encontros de Jesus com os discípulos,
é também o método de toda a comunicação humana autêntica. Para poder contar a
verdade da vida que se faz história (cf. Mensagem para o LIV Dia Mundial
das Comunicações Sociais, 24 de janeiro de 2020), é necessário
sair da presunção cômoda do “já sabido” e mover-se, ir ver, estar com as
pessoas, ouvi-las, recolher as sugestões da realidade, que nunca deixará de nos
surpreender em algum dos seus aspetos. “Abre, maravilhado, os olhos ao que
vires e deixa as tuas mãos cumular-se do vigor da seiva, de tal modo que os
outros possam, ao ler-te, tocar com as mãos o milagre palpitante da vida”:
aconselhava o Beato Manuel Lozano Garrido[1] aos
seus colegas jornalistas. Por isso, este ano, desejo dedicar a Mensagem à
chamada a “ir e ver”, como sugestão para toda a expressão comunicativa que
queira ser transparente e honesta: tanto na redação dum jornal como no mundo
da web, tanto na pregação comum da Igreja como na comunicação
política ou social. “Vem e verás” foi o modo como a fé cristã se
comunicou a partir dos primeiros encontros nas margens do rio Jordão e do lago
da Galileia.
Gastar as solas dos sapatos
Pensemos no grande tema da informação.
Há já algum tempo que vozes atentas se queixam do risco dum nivelamento em “jornais
fotocópia” ou em noticiários de televisão, rádio e websites que
são substancialmente iguais, onde os gêneros da entrevista e da reportagem perdem
espaço e qualidade em troca duma informação pré-fabricada, “de palácio”,
autorreferencial, que cada vez menos consegue interceptar a verdade das coisas
e a vida concreta das pessoas, e já não é capaz de individualizar os fenômenos
sociais mais graves nem as energias positivas que se libertam da base da
sociedade. A crise editorial corre o risco de levar a uma informação construída
nas redações, diante do computador, nos terminais das agências, nas redes
sociais, sem nunca sair à rua, sem “gastar a sola dos sapatos”, sem encontrar
pessoas para procurar histórias ou verificar com os próprios olhos determinadas
situações. Mas, se não nos abrimos ao encontro, permanecemos espectadores
externos, apesar das inovações tecnológicas com a capacidade que têm de nos
apresentar uma realidade engrandecida onde nos parece estar imersos. Todo o
instrumento só é útil e válido, se nos impele a ir e ver coisas que do
contrário não chegaríamos a saber, se coloca em rede conhecimentos que de
contrário não circulariam, se consente encontro que de contrário não teriam
lugar.
Aqueles detalhes de crônica no
Evangelho
Aos primeiros discípulos que querem
conhecer Jesus, depois do seu Batismo no rio Jordão, Ele responde: “Vinde e
vereis” (Jo 1, 39), convidando-os a permanecer em relação com Ele.
Passado mais de meio século, quando João, já muito idoso, escreve o seu
Evangelho, recorda alguns detalhes “de crônica” que revelam a sua presença no
local e o impacto que teve na sua vida aquela experiência: “era cerca da
hora décima”, observa ele! Isto é, as quatro horas da tarde (cf. 1,
39). No dia seguinte (narra ainda João), Filipe informa Natanael do encontro
com o Messias. O seu amigo, porém, mostra-se cético: “De Nazaré pode vir
alguma coisa boa?” Filipe não procura convencê-lo com raciocínios, mas
diz-lhe: “vem e verás” (cf. 1, 45-46). Natanael vai e vê, e a partir
daquele momento a sua vida muda. A fé cristã começa assim; e comunica-se assim:
com um conhecimento direto, nascido da experiência, e não por ouvir
dizer. “Já não é pelas tuas palavras que acreditamos; nós próprios
ouvimos…”: dizem as pessoas à Samaritana, depois de Jesus Se
ter demorado na sua aldeia (cf. Jo 4, 39-42). O método “vem e
verás” é o mais simples para se conhecer uma realidade; é a verificação mais
honesta de qualquer anúncio, porque, para conhecer, é preciso encontrar,
permitir à pessoa que tenho à minha frente que me fale, deixar que o seu testemunho
chegue até mim.
Agradecimento pela coragem de muitos
jornalistas
O próprio jornalismo, como exposição da
realidade, requer a capacidade de ir aonde mais ninguém vai: mover-se com
desejo de ver. Uma curiosidade, uma abertura, uma paixão. Temos que agradecer à
coragem e determinação de tantos profissionais (jornalistas, operadores de câmera,
editores, cineastas que trabalham muitas vezes sob grandes riscos), se hoje
conhecemos, por exemplo, a difícil condição das minorias perseguidas em várias
partes do mundo, se muitos abusos e injustiças contra os pobres e contra a
criação foram denunciados, se muitas guerras esquecidas foram noticiadas. Seria
uma perda não só para a informação, mas também para toda a sociedade e para a
democracia, se faltassem estas vozes: um empobrecimento para a nossa
humanidade.
Numerosas realidades do planeta – e
mais ainda neste tempo de pandemia – dirigem ao mundo da comunicação um convite
a “ir e ver”. Há o risco de narrar a pandemia ou qualquer outra crise só com os
olhos do mundo mais rico, de manter uma “dupla contabilidade”. Por exemplo, na
questão das vacinas e dos cuidados médicos em geral, pensemos no risco de
exclusão que correm as pessoas mais indigentes. Quem nos contará a expetativa
de cura nas aldeias mais pobres da Ásia, América Latina e África? Deste modo as
diferenças sociais e econômicas a nível planetário correm o risco de marcar a
ordem da distribuição das vacinas anti-Covid, com os pobres sempre em último
lugar; e o direito à saúde para todos, afirmado em linha de princípio, acaba
esvaziado da sua valência real. Mas, também no mundo dos mais afortunados,
permanece oculto em grande parte o drama social das famílias decaídas
rapidamente na pobreza: causam impressão, mas sem merecer grande espaço nas notícias,
as pessoas que, vencendo a vergonha, fazem a fila à porta dos centros da
Cáritas para receber uma ração de víveres.
Oportunidades e insídias na web
A rede, com as suas inumeráveis
expressões nos meios sociais, pode multiplicar a capacidade de
relato e partilha: muitos mais olhos abertos sobre o mundo, um fluxo contínuo
de imagens e testemunhos. A tecnologia digital dá-nos a possibilidade duma
informação em primeira mão e rápida, por vezes muito útil; pensemos nas
emergências em que as primeiras notícias e mesmo as primeiras informações de
serviço às populações viajam precisamente na web. É um instrumento
formidável, que nos responsabiliza a todos como utentes e desfrutadores.
Potencialmente, todos podemos tornar-nos testemunhas de acontecimentos que de
contrário seriam negligenciados pelos meios de comunicação tradicionais,
oferecer a nossa contribuição civil, fazer ressaltar mais histórias, mesmo
positivas. Graças à rede, temos a possibilidade de contar o que
vemos, o que acontece diante dos nossos olhos, de partilhar testemunhos.
Entretanto foram-se tornando evidentes,
para todos, os riscos duma comunicação social não verificável.
Há tempo que nos demos conta de como as notícias e até as imagens sejam
facilmente manipuláveis, por infinitos motivos, às vezes por um banal
narcisismo. Uma tal consciência crítica impele-nos, não a demonizar o
instrumento, mas a uma maior capacidade de discernimento e a um sentido de
responsabilidade mais maduro, seja quando se difundem seja quando se recebem
conteúdos. Todos somos responsáveis pela comunicação que fazemos, pelas
informações que damos, pelo controlo que podemos conjuntamente exercer sobre as
notícias falsas, desmascarando-as. Todos estamos chamados a ser testemunhas da
verdade: a ir, ver e partilhar.
Nada substitui o ver pessoalmente
Na comunicação, nada pode jamais
substituir, de todo, o ver pessoalmente. Algumas coisas só se pode
aprender, experimentando. Na verdade, não se comunica só com as palavras,
mas também com os olhos, o tom da voz, os gestos. O intenso fascínio de Jesus
sobre quem O encontrava dependia da verdade da sua pregação, mas a eficácia
daquilo que dizia era inseparável do seu olhar, das suas atitudes e até dos
seus silêncios. Os discípulos não só ouviam as suas palavras, mas viam-No
falar. Com efeito, n’Ele – Logos encarnado – a Palavra ganhou
Rosto, o Deus invisível deixou-Se ver, ouvir e tocar, como escreve o próprio
João (cf. 1 Jo 1, 1-3). A palavra só é eficaz, se se “vê”, se
te envolve numa experiência, num diálogo. Por esta razão, o “vem e verás” era e
continua a ser essencial.
Pensemos na quantidade de eloquência
vazia que abunda no nosso tempo, em todas as esferas da vida pública, tanto no
comércio como na política. “Fala muito, diz uma infinidade de nadas. As suas
razões são dois grãos de trigo perdidos em dois feixes de palha. Têm-se de
procurar o dia todo para os achar, e, quando se encontram, não valem a procura”.[2] Estas
palavras ríspidas do dramaturgo inglês aplicam-se também a nós, comunicadores
cristãos. A boa nova do Evangelho difundiu-se pelo mundo, graças a encontros
pessoa a pessoa, coração a coração: homens e mulheres que aceitaram o mesmo
convite – “vem e verás” –, conquistados por um “extra” de humanidade que
transparecia e brilhava no olhar, na palavra e nos gestos de pessoas que
testemunhavam Jesus Cristo. Todos os instrumentos são importantes, e aquele
grande comunicador que se chamava Paulo de Tarso ter-se-ia certamente servido
do e-mail e das mensagens eletrônicas; mas foram a sua fé, esperança e caridade
que impressionaram os contemporâneos que o ouviram pregar e tiveram a sorte de
passar algum tempo com ele, de o ver durante uma assembleia ou numa conversa
pessoal. Ao vê-lo agir nos lugares onde se encontrava, verificavam como era
verdadeiro e frutuoso para a vida aquele anúncio da salvação de que ele era
portador por graça de Deus. E mesmo onde não se podia encontrar pessoalmente
este colaborador de Deus, o seu modo de viver em Cristo era testemunhado pelos
discípulos que enviava (cf. 1 Cor 4, 17).
“Nas nossas mãos, temos os livros; nos
nossos olhos, os acontecimentos”: afirmava Santo Agostinho,[3] exortando-nos
a verificar na realidade o cumprimento das profecias que se encontram na
Sagrada Escritura. Assim, o Evangelho volta a acontecer hoje, sempre que
recebemos o testemunho transparente de pessoas cuja vida foi mudada pelo
encontro com Jesus. Há mais de dois mil anos que uma corrente de encontros
comunica o fascínio da aventura cristã. Por isso, o desafio que nos espera é o
de comunicar, encontrando as pessoas onde estão e como são.
Senhor, ensinai-nos a sair de nós
mesmos,
e partir à procura da verdade.
Ensinai-nos a ir e ver,
ensinai-nos a ouvir,
a não cultivar preconceitos,
a não tirar conclusões precipitadas.
Ensinai-nos a ir aonde não vai ninguém,
a reservar tempo para compreender,
a prestar atenção ao essencial,
a não nos distrairmos com o supérfluo,
a distinguir entre a aparência enganadora e a verdade.
Concedei-nos a graça de reconhecer as
vossas moradas no mundo
e a honestidade de contar o que vimos.
Roma, em São João de Latrão, na véspera
da Memória de São Francisco de Sales, 23 de janeiro de 2021.
Franciscus
[1] Jornalista espanhol, nascido em 1920, falecido em 1971 e
beatificado em 2010.
[2] W. Shakespeare, O mercador de Veneza, Ato I, Cena I.
[3] Sermão 360/B, 20.
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