Domingo de Pentecostes João 20,19-23,
“Soprou sobre eles e disse:
Recebei o Espírito Santo” (Jo 20,22)
De Jesus e
do Pai fazemos muitas representações; do Espírito, muito mais
que falar dele, invocamos a relação com Ele: “vem!”. Invocamos para vir aquele
que já está presente. Ele é o realizador das transformações, o possibilitador
de toda relação, o aumentador da vida.
O
fogo, o vento e a água viva são os símbolos mais potentes com os quais a Bíblia
tenta dizer algo dessa presença possibilitadora de tudo o que vive, de sua
força criadora e criativa, de sua imprevisibilidade, de sua capacidade para
gerar sabedoria, saúde e beleza. O fogo, o vento e a água viva são símbolos do
movimento constante e do fluir silencioso dos processos que gestam a vida.
No
relato da Criação, “a Ruah de Deus (em hebraico, Ruah é
palavra feminina) pairava sobre as águas” (Gênesis 1,2): trata-se de uma bela
imagem da matriz ou útero originário fecundo de tudo quanto existe; tudo é
amorosamente acolhido, fecundado, gestado, carregado neste grande ventre
cósmico que podemos chamar divino: “Deus”. Alento, sopro, vento, respiração,
força, fogo… com nome feminino que fala de maternidade e de ternura, de
vitalidade e carícia. Seu calor gera harmonia no caos, realça a beleza e
originalidade de cada criatura, dando a cada uma seu lugar, o espaço que
necessita para potencializar seu ser. Nessa relação adequada, cada erva, cada
montanha, cada ser que vive, tem seu lugar e seu sentido.
“O
Espírito pairava sobre as águas” (Gênesis 1,2). “Pairava” pode ser traduzido
também por “vibrava”. Tudo vibra no universo: vibram as partículas e vibram os
átomos, vibram as estrelas e vibram as galáxias, vibram os seres humanos,
vibram o canto e a dança. Cada som é vibração e também o silêncio é vibração. O
coração de cada ser, pequeno ou grande, pedra, planta ou animal está vibrando.
A vida é vibração.
O Espírito que
“pairava” sobre as águas é a imagem da vibração divina que habita e se move no
coração de tudo quanto existe. O Espírito é a respiração universal.
Tudo
é energia, movimento, relação. Daí brotam maravilhosamente todas as formas de
todos os seres, como de uma misteriosa matriz materna.
E
o Espírito sempre está ali silenciosamente presente, como Aquele que
vincula e une, como tecedora constante de redes que fazem crescer, como
reparadora de todos os tecidos que um dia se rasgaram e se separaram do pano único
de onde confluem todos os fios da vida.
Hildegar
von Bingen dizia que o Espírito é “vida da vida de toda
criatura”.
Cada
dia é o primeiro dia da Criação; cada instante é o princípio. A Criação está
acontecendo e renovando-se a cada instante e uma energia profunda e criativa
nos acompanha, nos anima e nos move. Estamos sendo criados; não estamos prontos
e abandonados, não estamos condenados a um plano predeterminado e frio. Em
tempos de Pentecostes é bom recordar e dizer a nós mesmos “somos criaturas, estamos
sendo amorosamente criadas/os e impulsionadas/os a criar. Há esperança”.
Contemplar
deste modo a realidade, move-nos a confiar, esperar, respirar. Contemplemo-la
assim: a realidade inteira alentada e fecundada sem cessar pelo Espírito
materno; a realidade inteira carregada de infinitas e novas possibilidades,
carregada de infinito. Podemos esperar.
Hoje,
somos conscientes e podemos agradecer essa presença do Espírito nos
perfumes que a humanidade exala: no seu empenho pela paz e pela justiça, na
contribuição à integridade da criação, na sua cumplicidade com os ciclos que
favorecem a vida, no potencial de ternura, de cuidado e de resistência frente a
todas aquelas situações e forças que desintegram a vida, na ação colaborativa,
na interdependência, no diálogo e na abertura às diferentes culturas e às
diversas tradições espirituais, maneiras novas e necessárias de situar-nos no
mundo. Tudo isso é sinal do movimento do Espírito.
No
momento em que entramos no mundo, nascemos formando parte de uma rede de relações.
Este tecido relacional vai nos expandindo ao longo do crescimento. “Ao final de
minha, vida abrirei meu coração cheio de nomes” (Pedro Casaldáliga).
O Espírito é o que escreve os nomes que vão conformando nossa vida,
nos quais fizemos experiência do que significa isso que chamamos amor e que
está gravado em nossa origem e em nosso destino, como nossa fome maior e como
nosso dom mais apreciado.
A
imagem do “soprar sobre eles” (João 20,22; cf. Gênesis 2,7), no evangelho de
hoje, contém uma riqueza elegante: significa compartilhar o que é mais “vital”
de uma pessoa, sua própria respiração, seu mesmo espírito, todo seu dinamismo.
É
uma imagem que nos faz reconhecer o Espírito como o alento último, o
dinamismo vital que pulsa em todas as formas de vida que podemos ver e que
nelas se manifesta. Não há nada onde não possamos percebê-lo, nada que não nos
fale dele.
Por
isso, a comunidade dos seguidores de Jesus, ao compartilhar com ele o mesmo
sopro, torna-se uma “comunidade conspiratória”, ou seja, “conspirar”,
“com-inspirar”, “respirar juntos”; ao soprar o Espírito, Jesus e os
discípulos respiram o mesmo ar, o mesmo sonho, a mesma utopia do Reino…
Não
é estranho que, com o Espírito, Jesus se refira à missão: é o mesmo
Espírito – seu sopro – aquele que o conduziu e quer conduzir a nós também.
O
Espírito e nós não somos dois. Somos “seres espirituais vivendo uma aventura
humana” (Teilhard de Chardin). Quando tomamos consciência desta realidade
profunda, realizam-se em nós as palavras de Jesus: a unidade de tudo morando em
nós, no amor – outro nome do Espírito -, como única realidade que
tudo sustenta e constitui.
Mais
ainda, o Espírito habita nosso ser profundo, sustenta nossas energias
sadias, aumenta nossas forças, compromete-nos a crescer de forma autônoma. Ele
age como um “princípio dinâmico” e como um “energético ativo”, que reforça as
atividades criativas do eu. Temos de viver a partir do Espírito,
transformando e vitalizando nossos gestos, pensamentos, compromissos,
encontros.
Por
isso, Pentecostes não acontece até que, reconhecendo
o Espírito como nossa identidade mais profunda, nos deixamos guiar
por ele, ou melhor, viver a partir dele, conscientemente conectados com a fonte
primeira. Falar do Espírito e celebrar Pentecostes é,
portanto, celebrar a festa, a vida e a identidade última de tudo o que é e
existe: é nossa festa.
Para meditar na oração
“O
Espírito urge!” Para abrir-nos a este “sopro”, de modo que possamos
experimentá-lo no nosso “eu” mais profundo, precisamos calar a mente, abrir-nos
diretamente ao que é, e perceber, com prazer, que podemos descansar sempre
nisso. “Descanso” é outro nome do Espírito.
No
silêncio da mente, o Espírito se revela a nós, não como uma presença
separada, mas como presença interna de tudo o que é: cuidado, descanso, dinamismo,
vida em plenitude. E isso é o que somos todos.
Texto de Adroaldo Palaoro
Fonte: cebi.org.br
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