João Batista Libâneo*
Aniversário no sul de Minas: Família de classe média alta, mas cujo filho aniversariante mantém amplo contacto com colegas de vários níveis sociais. Convida-os para a festa. Numa sala cheia de brinquedos, um grupo sadio de crianças diverte-se com carrinhos, roda piorras, monta quebra-cabeça, sai pela casa num esconde-esconde barulhento. Noutro canto, empoleirados nas cadeiras, atentos e de olhos cravados na tela da TV, alguns vêem programas ou videotape de aventuras. E num quarto menor, grupo restrito navega pela Internet.
Três universos de crianças, três momentos do processo cultural atual no mundo infantil. A história caminha na ambiguidade da vida humana. Avança em alguns pontos, perde outros, descobre riquezas e esconde tesouros. Em se tratando de crianças, os pedagogos têm chance de orientá-las de modo a reter o máximo possível elementos sadios de outrora, conjugados com os avanços tecnológicos.
A convivência alegre com companheiros de brinquedo faz parte do equilíbrio psíquico da criança. Saltá-la e imergir os pequerruchos no universo fictício da pura fantasia midiática desenvolve-lhes uma faceta da inteligência e afetividade, mas atrofia-lhes o lado do convívio humano. Rouba-lhes a alegria pura das risadas e brincadeiras estridentes para encerrá-los nas salas, repletas do barulho dos sons e imagens artificialmente organizados por programadores, nem sempre pedagogos preocupados com valores. Interessa-lhes o mercado. E este revela-se, não raramente, perverso.
Há programas infantis de TV ou vídeos que estragam o interior das crianças. Aceleram-lhes instintos sexuais. Acordam-lhes desejos precoces. Fazem-nos marionetes da indústria de consumo. E a criança sofre muito não poder comprar ou usar as roupas, tênis ou botas, mochilas das grifes da moda. E os pais subordinam-se facilmente ao império das propagandas para não frustrar os filhos.
A propaganda, com cores e recursos visuais, faz a cabeça da criança; esta, por sua vez, a dos pais. Entra-se em círculo vicioso, de difícil saída. E, não raro, famílias pobres preferem sacrificar até mesmo a qualidade do alimento para não negar aos filhos requintes eletrônicos que os jogam para dentro do reino da informática.
A felicidade e o sadio desenvolvimento das crianças passam por outras experiências. A maior força humanizadora chama-se cuidado. No início da vida o bebê experimenta sentir-se cuidado para depois saber cuidar dos outros. Ora, uma criança entregue à propaganda aprende prioritariamente a consumir bens que lhe seduzem o olhar e não se percebe realmente cuidada. Quanto mais os pais afogam os filhos de bens, tanto mais eles se sentem menos cuidados pelo coração e sim pela troca entre coisa e afeto. Algo fatal!
* João Batista Libânio é teólogo jesuíta. Licenciado em Teologia em Frankfurt (Alemanha) e doutorado pela Universidade Gregoriana (Roma). É professor da FAJE (Faculdades Jesuítas), em Belo Horizonte. Publicou mais de noventa livros entre os de autoria própria (36) e em colaboração (56), e centenas de artigos em revistas nacionais e estrangeiras. Internacionalmente reconhecido como um dos teólogos da Libertação.
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