Não
sou nenhuma "expert" no assunto e nem tenho estudos formais ou
títulos acadêmicos na área, no entanto, ao longo da minha trajetória na
catequese tive o desafio de ter em minhas turmas, crianças com deficiências e
transtornos de comportamento.
Como
“deficiência” vou tratar apenas aquelas consideradas Intelectuais ou
Transtornos de Comportamento. As demais deficiências, consideradas físicas, não
são impeditivas para que uma criança ou jovem frequente a catequese. Um
cadeirante, surdo ou cego podem (e devem) ser incluídos nas turmas normais de
catequese desde que se proporcione acessibilidade e recursos para a inclusão.
Tal como qualquer escola, a Igreja deve se preocupar com a inclusão destes em
seu meio, proporcionando rampas, acessibilidade nos ambientes, intérprete de
libras, literatura em braille e o que se fizer necessário para acolhida destas
pessoas.
Logo
no meu segundo ano na catequese, recebi na minha turma de 1ª Etapa da
Eucaristia, a "Maria", uma menina de 9 anos com deficiência de
aprendizagem. Ela ainda não tinha leitura suficiente para acompanhar o restante
da turma, era extremamente retraída e não interagia com o grupo. Baseado no que
li e pesquisei depois, creio eu que ela tinha sintomas de Síndrome de Espectro
Autista. A mãe me "avisou" que eu teria dificuldades com ela pois
Maria "não aprendia como as outras crianças". E com Maria eu aprendi muito
mais do que ensinei.
O
primeiro desafio foram as demais crianças da turma. Havia uma certa
"impaciência" ao lidar com a "demora" de Maria, tanto nas
atividades (brincadeiras e atividades do encontro) quanto na aparente falta de
interesse dela em tudo. Percebi que ela lia um pouco, mas num ritmo muito
vagaroso e não conseguia interagir comigo quando me dirigia a ela. Tentando
inserir Maria nas atividades de todos, eu me atrapalhei com isso e causei
irritabilidade nos demais, que tinham que ficar "esperando" Maria e o
encontro não fluía. Eram doze crianças apenas, mas ao invés de levar Maria ao
mundo dos onze, eu trouxe os onze para o mundo de Maria. Deu para notar que
isso não deu muito certo...
Comecei
a ler a respeito do déficit de aprendizagem nas crianças e conversei bastante
com a família de Maria para saber os hábitos dela e como ela interagia em casa
com os outros. Isso me ajudou a entender muita coisa. Depois, resolvi
"partilhar" meus problemas com as outras crianças. Num encontro onde
Maria não estava, eu coloquei a eles as dificuldades da nossa menina, pedi que
tivessem mais paciência com ela e pedi AJUDA para que nossos encontros não
ficassem “parados” como eles achavam que estavam.
Não
me surpreendi nada com as coisas que ouvi deles. As crianças têm uma visão
muito diferente da dos adultos - que tem a propensão mais a compaixão do que
exatamente à ação para mudar as coisas – e consegui com que se interessassem
por uma mudança em nossos encontros. Falei sobre o que li a respeito da
deficiência dela e da figura do “mediador”, que seria alguém que ficaria
ajudando Maria a “interpretar” o nosso mundo de uma forma mais “individual” e
menos coletiva do que quando eu falava com todos. Imediatamente uma menina que
conhecia Maria - seus pais eram amigos e frequentava a mesma escola que ela -
se ofereceu para ser a “ajudante” de Maria. E os demais se comprometeram a ter
paciência e evitar comentários depreciativos às dificuldades dela, inclusive se
revezando na ajuda quando necessário.
Difícil
descrever como as coisas melhoraram a partir de então. Nossa pequena ajudante
abria a Bíblia para a Maria no lugar certo, mostrava onde estávamos lendo e a
ajudava nas atividades (coisa que eu mesma fazia e levava bem uns 15 minutos do
encontro para “situar” a Maria). Outra coisa, as atividades de Maria eram
diferentes dos demais e tinham um grau de dificuldade condizente com a
capacidade cognitiva dela. Sim! É preciso se dar ao trabalho de criar
atividades com mais imagens, menos leitura e de grau mais acessível e que Maria
podia corresponder.
Claro
que ainda havia muita coisa que eu não conseguia fazer, afinal, estava com ela
apena uma hora e meia por semana, mas, Maria começou a interagir mais com o
grupo. No ano seguinte experimentei dar a Maria uma função importante dentro do
grupo: seria ela a coroar Nossa Senhora na pequena encenação que faríamos aos
pais. Participou de todos os ensaios, mas, na hora de ir ao encontro, ela se
recusou categoricamente. E ficamos sem a Maria na coroação, (tínhamos uma
substituta claro) mas, exigimos mais do que ela poderia nos dar.
Maria
ficou comigo nos três anos de catequese até chegar a Primeira Eucaristia. E
devo dizer que neste último ano as dificuldades diminuíram bastante e a
pertença ao grupo era tão boa que Maria nem parecia uma criança que precisava
de recursos especiais.
Mas,
não posso deixar de frisar alguns fatores que contribuíram para isso: Primeiro
que minha turma ficou junta durante os três anos da catequese, ou seja, criamos
laços e vínculos de amizade muito fortes. Segundo, a deficiência de Maria era
de um grau leve, não havia, por exemplo, ataques de raiva ou irritabilidade nas
mudanças de sua rotina e a família contribuiu imensamente para que eu pudesse
ajudar a Maria, fornecendo sempre todas as informações necessárias. Visitei a
família várias vezes, participamos de vários eventos na Igreja juntos, etc.
As
leituras sobre o assunto fizeram, também, uma enorme diferença no meu “fazer
catequese”. Nas leituras sobre o autismo o que vi foi que intervenções
“conjuntas”, englobando psicoeducação, suporte e orientação de pais, terapia
comportamental, fonoaudiologia, treinamento de habilidades sociais e medicação,
ajudam na melhoria da qualidade de vida da criança, proporcionando melhor
adaptação ao meio em que vive. E um fator bem interessante para nosso caso: a
utilização do “mediador pedagógico”, alguém muito importante no tratamento e na
adaptação da criança ao grupo, que funciona como elo entre o educador, os pais
e a criança.
Esse
mediador auxilia a criança nas atividades na salinha e em todos os outros
ambientes (Igreja, celebrações, brincadeiras), mais ou menos como um “personal
trainer”, mediando e ensinando as regras sociais, estimulando sua
participação nos encontros, facilitando a interação dela com outras crianças,
corrigindo rituais e comportamentos repetitivos e acalmando a criança em
situações de irritabilidade e impulsividade. Obviamente que nem sempre pode ser
uma outra criança do grupo, a não ser que também faça parte do círculo
familiar/social da criança. Esse mediador pode ser um irmão, um dos pais,
enfim, alguém que esteja disposto a tal tarefa. Se o catequista quiser também
exercer esta função no grupo, onde as demais crianças não tenham dificuldades,
já antecipo que não vai conseguir fazer. A não ser que o grupo seja de 4 ou 5
crianças somente.
Maria
me despertou o interesse em entender mais este mundo tão restrito das crianças
com dificuldades de aprendizagem e síndromes das mais diversas. Passei a ler
bastante sobre o assunto e fiz serviço voluntário numa escola para crianças
especiais. A escola atendia crianças com deficiências severas, tanto físicas
quanto intelectuais, fiz isso durante quase quatro anos, o que me proporcionou
conhecer a pedagoga especializada no assunto. É simplesmente imensurável o
conhecimento que agreguei durante este tempo, estando na escola em contato com
as crianças três vezes por semana, e convivendo com pedagogas da Educação
especial.
Tendo
conhecimento mais apurado das características de cada síndrome que causam as
deficiências intelectuais nas crianças e os transtornos de comportamento,
passei a ver com outros olhos, por exemplo, os casos relatados pelas
catequistas de crianças de trato extremamente difícil, onde os pais usam o
diagnóstico de “hiperatividade” - que são os casos mais comuns de síndromes em
nossas crianças.
Ouso
dizer que em muitos casos não é feito um diagnóstico clínico e trata-se apenas
de uma percepção dos pais com relação a uma criança de difícil trato, cujos
pais perderam o controle e os limites na educação desta criança.
A
investigação do TDAH envolve detalhado estudo clínico por meio de avaliação com
os pais, com a criança e a escola. E isso deve ser levado ao conhecimento de
todas as pessoas que tem convívio constante com a criança; em nosso caso, do
pároco, do catequista e da coordenação.
Todas
as vezes que pais apresentaram este diagnóstico para explicar o comportamento
social de seus filhos, é preciso pedir informações detalhadas sobre: o
tratamento médico, psicológico e pedagógico da criança, se ela toma remédio, se
faz terapia e quais as orientações para o trato da criança se ela vai ficar
sozinha com o catequista. Assim como o diagnóstico de hiperatividade pode ser
precoce, também pode estar subestimado e tratar-se de síndromes mais graves de
transtorno de conduta.
A esse respeito tive uma
experiência muito frustrante com uma criança diagnosticada com TDO – Transtorno
Desafiador Opositor, que só foi confirmado pela mãe depois que a confrontei com
as dificuldades que estava tendo com ele na catequese.
Apesar de ser uma criança de
apenas nove anos, “José” tinha sérios transtornos de conduta, chegando a ser
agressivo comigo várias vezes. Infelizmente este foi um caso em que não
conseguimos levar a bom termo na catequese. Apesar das medicações pesadas, o
menino além do TDO tinha várias condutas de esquizofrenia precoce. Nem vale a
pena relatar o ano difícil que passei com minha turma de sete crianças, que em
determinados momentos, José fazia parecer que eram trinta. Por fim ele agrediu
outra criança num momento em que não havia um adulto por perto. A mãe desta
criança fez boletim de ocorrência e tivemos muitos problemas na Igreja por
conta disto. Para evitar outros dissabores, a mãe o levou para outra paróquia.
Hoje, eu considero impensável um
catequista não procurar informações sobre os transtornos de comportamento, caso
tenha uma criança com algum tipo de síndrome ou deficiência em suas turmas.
Com
relação aos casos de severo comprometimento ocasionado por deficiência
intelectual, onde a criança ou jovem não tenha condições para frequentar a
catequese ou capacidade cognitiva para absorver o ensino da fé, ou seja, sua
vontade não se manifeste de forma alguma e o interesse em receber os
sacramentos seja exclusiva da família, vale a pena uma conversa com o pároco no
sentido de proporcionar correta orientação aos pais.
Os
sacramentos são parte da Iniciação à Vida Cristã, ou seja, fazem parte do
processo catequético e não são um “fim” em si mesmos, exigem a participação
litúrgica e a pertença à comunidade. Os pais, avós ou quem solicitar o
sacramento, neste caso, devem ter a intenção de proporcionar à criança ou
jovem, condições de ter esta participação e essa pertença. A catequese, neste
caso, é feita em família e dentro das condições que a criança ou jovem tenha de
entender o que está sendo requerido dela.
Como
catequista, o que me faz agir e pensar sempre será o respeito pela dignidade da
pessoa e ao amor por todos os seres. Tenho consciência de que o “sagrado” é, e
será sempre, uma percepção humana feita pela fé e pela razão também. Vale aqui
então, respeitarmos cada criança e cada jovem por aquilo que ele É e é capaz de
fazer e entender. Muitas vezes, queremos infligir às crianças deficientes
intelectuais, ações que elas são incapazes de entender. Não creio que Deus castigará
a quem quer que seja, se uma criança não receber a eucaristia ou a crisma pelo
fato de não fazer parte do mundo dela estes preceitos. A maioria dos
deficientes intelectuais, quando tratados devidamente, são anjos encantadores,
capazes de dispender gestos enormes de carinho e deles já é o Reino dos Céus
por pura graça e misericórdia divina.
Essa
opinião eu tenho desde que presenciei a “primeira” (e acho que última!)
comunhão de uma menino de catorze anos, com deficiência cerebral. Ele foi
praticamente arrastado pela mãe até o padre, recebeu a comunhão a força e o
padre teve que segurar a boca do menino para que ele não cuspisse a hóstia. Não
vi felicidade, alegria ou o que quer que seja nesta criança, exceto uma enorme
contrariedade pela invasão ao seu “querer” e a mudança de sua rotina. Fizemos a
vontade da avó e da mãe e desrespeitamos enormemente uma criança doce e
carinhosa que se viu exposta ao escrutínio público e a julgamentos e
preocupações preconceituosas a respeito do valor da “Eucaristia”.
Cuidemos
catequistas, da nossa formação, não só para sabermos tratar a catequese com
deficientes, como também para nos abstermos dela quando nos julgamos incapazes
de levá-la da maneira certa.
Angela Rocha
Catequistas – Graduada em teologia pela PUCPR.
Catequese inclusiva: Da
acolhida na comunidade à vivência da fé. Thaís Rufatto dos Santos. Edições
Paulinas, 2013.
Iniciação à vida cristã:
Eucaristia - catequese inclusiva. Thaís Rufatto dos Santos. Edições Paulinas,
2018.
Psicopedagogia Catequética: Reflexões
e vivências para uma catequese inclusiva - Vol.5 - Pessoa com deficiência. Eduardo
Calandro, Jordelio Siles Ledo, Rozeangela G. Barbosa. Editora Paulus, 2022.
Catequese Junto à Pessoa com Deficiência Mental. Por
Ana Sirlei P. Vinhal, Lucy Angela C. Freitas. Paulus, 2008.
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"FORMAÇÃO BÁSICA PARA O CATEQUISYA: O(A) CATEQUIZADO(A)..."
VOLUME III
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