No último domingo tivemos notícia de mais uma tragédia migratória. Até agora, 76 migrantes morreram e dezenas são considerados desaparecidos após o naufrágio de uma embarcação que transportava principalmente migrantes etíopes na costa do Iêmen. Calcula-se que havia 157 pessoas no barco e só 32 sobreviveram.
A escolha do Iêmen como destino por migrantes
africanos ilegais, especialmente da região do Chifre da África
(principalmente da Etiópia e da Somália), é surpreendente, dado o
contexto crítico do país. No entanto, isso se explica por uma combinação de geografia,
rotas migratórias históricas e desinformação.
🛶 1. Por que migrantes africanos ilegais escolhem o Iêmen como
destino?
Geografia e proximidade
- O
Iêmen está a apenas 30 km da costa de Djibuti, do outro lado do
estreito de Bab al-Mandab, o que facilita travessias rápidas por barco,
muitas vezes em condições precárias.
- Essa
rota é considerada mais acessível e barata do que atravessar o
Saara em direção à Líbia, onde há riscos maiores de escravidão, tráfico
humano e violência armada.
Rota de passagem (não destino final)
- Para
muitos, o Iêmen não é o destino final, mas sim um ponto de
trânsito. O objetivo de muitos migrantes é chegar aos países do
Golfo, como Arábia Saudita, Emirados Árabes e Catar,
onde acreditam que terão oportunidades de emprego em construção civil ou
serviços.
Falta de informação ou desinformação
- Muitos
migrantes são enganados por traficantes de pessoas, que prometem
uma "vida melhor" do outro lado do mar, sem revelar o verdadeiro
estado do Iêmen.
- Há
relatos de migrantes que não sabiam que o Iêmen está em guerra civil.
Custo mais baixo
- A
travessia para o Iêmen custa bem menos do que outras rotas
migratórias, o que a torna "viável" mesmo para os migrantes mais
pobres.
2. Como é
o governo e a vida no Iêmen?
⚔️ Governo e conflito
- O Iêmen está mergulhado em uma guerra
civil desde 2015. Há dois principais lados em conflito:
- Governo reconhecido
internacionalmente,
com apoio da Arábia Saudita.
- Rebeldes houthis, apoiados pelo Irã.
- Isso resultou em um Estado
fragmentado, com governo fraco ou inexistente em muitas
regiões.
Condições
de vida
- O Iêmen é considerado uma das piores
crises humanitárias do mundo:
- Fome extrema e insegurança alimentar.
- Colapso do sistema de saúde.
- Falta de acesso à água potável e
saneamento.
- Muitos migrantes acabam em
campos de detenção, são explorados, forçados ao trabalho escravo ou mortos
na travessia.
Direitos
humanos e acolhimento
- O país não tem estrutura para
acolher migrantes.
- Muitos são detidos,
deportados ou abandonados à própria sorte.
- Grupos armados e até forças de
segurança abusam dos migrantes, há registros de tortura e extorsão.
Rota Migratória: Chifre da África → Iêmen → Golfo
Imagine esse trajeto:
1. Partida: Etiópia ou Somália
- Migrantes
viajam a pé ou em caminhões clandestinos até Djibuti (ou Somália,
via Bossaso).
- São
explorados por traficantes de pessoas, que cobram por transporte e
travessia.
2. Travessia pelo Mar Vermelho
- De
Djibuti ou Bossaso, atravessam o Estreito de Bab al-Mandab em
barcos superlotados e precários.
- Muitos
morrem afogados na travessia.
3. Chegada: Sul do Iêmen (litoral de Aden, Lahij ou Shabwa)
- Ao
chegar, enfrentam forças armadas locais, milícias ou redes de tráfico.
- São
levados para campos, forçados a trabalhar, presos ou largados em áreas
desertas.
4. Tentativa de entrar na Arábia Saudita
- Se
conseguem, seguem a pé até o norte do Iêmen, rumo à fronteira
com a Arábia Saudita.
- A
travessia da fronteira é extremamente perigosa: muitos são baleados
por guardas sauditas ou morrem no deserto.
Relatos reais de migrantes africanos no Iêmen
1. Morte no mar
“O barco virou no meio do caminho. Eu vi meninas se afogarem.
Os contrabandistas não pararam para ajudar.” Menina etíope, 17 anos.
2. Tráfico humano e abuso
“Eles nos prenderam num galpão. Disseram que se a família não
enviasse dinheiro, iriam nos torturar. Um amigo foi espancado até morrer.” Rapaz somali, 20 anos.
3. Tiro na fronteira com a Arábia Saudita
“Chegamos à fronteira e vimos corpos pelo caminho. Alguns
foram baleados pelos soldados sauditas enquanto tentavam atravessar.” Testemunho à Human Rights
Watch, 2023.
Dados de organismos internacionais
- Segundo
a OIM (Organização Internacional para as Migrações), mais de 200.000
migrantes atravessaram essa rota nos últimos anos.
- Há
relatos contínuos de execuções sumárias, estupro, tortura
e extorsão.
- A Human
Rights Watch documentou em 2023 o uso de fuzis automáticos e
artilharia pesada contra migrantes na fronteira norte do Iêmen.
Por que as pessoas buscam saídas do Chifre da África?
As pessoas migram do Chifre da África — uma região que
abrange principalmente Somália, Etiópia, Eritreia e Djibuti — por
uma combinação de fatores estruturais graves, que envolvem conflitos
armados, repressão política, fome, secas extremas e pobreza
generalizada. Um resumo dos principais motivos:
1. Conflitos armados e perseguição política
- Somália: sofre há décadas com a ausência
de um governo central forte e o domínio de milícias extremistas como o
Al-Shabaab.
- Etiópia: enfrentou uma guerra
devastadora na região de Tigre entre 2020 e 2022, com violações graves dos
direitos humanos.
- Eritreia: é governada por um regime
altamente autoritário, onde o serviço militar obrigatório é por tempo
indefinido e há pouca liberdade de expressão. Muitos jovens fogem para
escapar disso.
2. Crises humanitárias e fome
- A insegurança
alimentar é gravíssima. A região enfrenta secas recorrentes devido às
mudanças climáticas e ao fenômeno El Niño.
- Agricultores
e pastores perdem seus meios de sustento, o que leva à migração forçada em
busca de alimentos e sobrevivência.
- Segundo
a ONU, milhões estão em situação de fome extrema, especialmente na Somália
e Etiópia.
3. Mudanças climáticas
- O
Chifre da África é uma das regiões mais vulneráveis do mundo à crise
climática.
- As
chuvas são cada vez mais imprevisíveis. Há alternância entre secas severas
e inundações, o que destrói lavouras, gado e infraestrutura básica.
- Isso
causa deslocamentos internos e transfronteiriços.
4. Pobreza extrema e falta de oportunidades
- A
maioria da população vive com menos de 2 dólares por dia.
- O
acesso a educação, saúde e emprego é extremamente limitado.
- A
juventude, especialmente, busca escapar do ciclo de miséria e vê na
migração uma esperança de futuro.
5. Tráfico de pessoas e rotas migratórias já estabelecidas
- Muitos
são aliciados por traficantes de pessoas que prometem viagens fáceis para
o Golfo Pérsico, Europa ou Israel, passando por Sudão, Egito ou Iêmen.
- Essas
rotas são perigosas, mas já fazem parte de uma rede migratória
consolidada, o que encoraja outros a tentar.
Situação geral:
- A
região está entre as mais instáveis do planeta.
- Milhões
de refugiados vivem em campos ou como deslocados internos.
- Apesar da ajuda humanitária internacional, a situação continua crítica e sem solução a curto prazo.
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