HOMILIA DO 30º. DOMINGO DO
TEMPO COMUM – ANO C
A justiça divina é parcial.
Isso mesmo! Não busquemos no Deus de Jesus Cristo a imparcialidade que se
adapta mais facilmente ao nosso esquema racional. O Deus revelado pelo Senhor
fica do lado dos pobres, dos indefesos, dos pecadores. Ele deseja salvar a
vítima que sofre, e jamais condenar o pecador. A Bíblia fala do órfão
e da viúva como imagens dos miseráveis que não têm nada a oferecer,
apenas as suas próprias misérias. Estes são os destinatários da
misericórdia de Deus.
A palavra que melhor
expressa a ação divina é a gratuidade. Ele não concede suas bênçãos por
merecimentos, nem condena proporcionalmente aos erros cometidos.
Historicamente, somos vítimas de uma visão casuística que relaciona obras
e recompensa. Esta moralização baseada nos méritos e nas culpas não ajuda a
criar pessoas livres. Uma religião que culpa e que incide seu discurso no
pecado e na condenação não nos faz crescer com responsabilidade, mas cria
corações escravos de normas, de preceitos e de projeções. Ser responsável pela
vida significa aprender a acertar, e acertar por se sentir responsável pela
construção de um mundo melhor, pela felicidade das pessoas e pela própria
realização pessoal, sem desvirtuamentos ilusórios.
No Evangelho, a oração
do fariseu é carregada de vaidade, de narcisismo. O narcisismo espiritual faz
com que a pessoa construa uma autoimagem sem defeitos, uma projeção
que leva o indivíduo a se sentir justo e,
portanto, merecedor de recompensa. Para o narcisista espiritual o
pecado machuca, traz uma culpa horrível. Isso porque suas falhas não permitem
que ele mantenha sua imagem santa diante de Deus, o que o levaria ao mérito.
O fariseu não dirige o seu
olhar a Deus, mas olha para si mesmo. Faz sua
“oração” carregado de vaidade, quase que exigindo de Deus as bênçãos
divinas diante dos seus méritos. O fariseu cumpre uma lei, uma obrigação. Age
por dever e não por amor. Acha-se forte, não vê que a verdadeira força vem de
Deus.
O publicano mostra que
o mais importante não é a virtude, não são as obras, mas a fé e a
humildade. Reconhece que é pequeno e indigno diante de Deus. Esta é a
verdadeira oração: não aquela que se envaidece, nem tão pouco aquela que
se culpa ao extremo, mas aquela que revela a verdade do coração, pois
diante de Deus ninguém pode ter máscaras, todos são a pura transparência de si mesmos,
a verdade desnuda. Somente esta transparência pode acolher a graça de Deus, não
como mérito, mas como simples (e grande) abertura que
possibilita a experiência radical do amor de Deus derramado em nossos
corações.
A fé vai além da vaidade.
Pela fé humilde aprendemos a superar os obstáculos, mesmo na ausência de
retribuições, porque nossa confiança está para além deste mundo. São Paulo nos
deixa este testemunho: combater o bom combate, correr com perseverança, ainda
que abandonado por todos, porque sabe em nome de quem corre e para onde
corre. Não reclama do seu destino, não reclama de Deus, mas se oferece na
certeza de que o Senhor não o abandonará. Isso não por méritos, mas por fé.
Deus escuta a prece do
humilde pecador. Deus escuta a prece de quem luta pelo anúncio do seu
Reino de amor. Deus escuta a prece do pobre, da viúva, do órfão, do
pequeno, daquele que sofre. Deus não se conforma com o mal, é seu
adversário. Por isso, olha para os corações feridos com um coração
chagado, na sua solidariedade, sem cálculos racionais, Deste modo, escolhe
dar a vida por aqueles que não merecem e não podem retribuir. Por vezes,
são estes que encontram o caminho do Reino muito antes dos que frequentam
a Igreja todos os finais de semana.
Pe. Roberto Nentwig
Arquidiocese de Curitiba
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