Começaram as audiências públicas do Supremo Tribunal Federal
(STF) sobre a descriminalização do aborto. O debate em torno do assunto marca
um novo momento sobre a discussão da interrupção da gravidez, uma realidade que
afeta as mulheres na intimidade, mas, que se discute assunto público.
Impossível para qualquer mulher, religiosa ou não, não pensar
a respeito do assunto. O tema é cercado de muitas opiniões e controvérsias. Há
quem diga que é um assunto para a mulher decidir, já que ela tem o controle
sobre o seu corpo. As discussões em nível público e legal tem embasamento na
mortalidade das mulheres que buscam a interrupção da gravidez. Segundo as
pesquisas mais de meio milhão de mulheres realizam aborto inseguro todos os
anos, quase uma por minuto. Entre 2006 e 2015, dado mais recente, o Brasil registrou
770 óbitos por aborto no SUS (Sistema Único de Saúde).
E a discussão fica longa...
Penso eu que opiniões todo mundo tem. A gente pode vê-las
expostas e distribuídas “a rodo” pelas redes sociais. Mas, para mim, o aborto é
algo que mexe mais com as nossas “convicções” do que um assunto em que se pode
ter uma opinião. No caso da nossa sociedade, ainda muito machista e patriarcal,
considera-se um “problema da mulher”. Se ela não é casada ou não tem um
parceiro, nem se cogita em perguntar ao homem, “dono” da metade da criança, o
que ele pensa e quer. E a bandeira feminista leva o assunto ao nível do “eu
mulher”, sem pensar naquela possível "outra mulher" que pode estar sendo gestada em seu
corpo.
Eu sou cristã, católica e catequista na Igreja Católica. No
“meu” caso, eu tenho as minhas convicções religiosas e pessoais que norteiam o “eu
penso”. Confesso que tenho uma visão um pouco mais aberta da sociedade, que
algumas vezes, contraria posições da minha religião, por exemplo, a utilização
de métodos contraceptivos. Mas, ainda, não consigo ter a visão de que fazer um
aborto, não afeta a vida de mais ninguém a não ser a da própria mulher, dona do
próprio corpo.
Estou convicta de que a concepção e gestação de um feto, faz
acontecer o milagre da VIDA! A nós mulheres foi dada, na criação, a função de
carregar dentro de si, essa nova VIDA. A partir do momento que ela foi
concebida, ela não é mais o “meu corpo” ou o “meu direito”. Ela é uma VIDA NOVA
sendo gestada em mim. Eu não tenho o direito de “escolher” se ela merece nascer
ou não. Para mim, abortar é MATAR uma vida nascente e indefesa. E matar é um pecado mortal, não só na minha religião como no meu coração. E na sociedade é um crime passível de cumprimento
de pena. O aborto diz respeito à VIDA do outro, que ninguém tem o direito de
tirar.
E faço até uma analogia com um trecho da carta de São Paulo
aos Gálatas, referindo-se a sua fé em Jesus Cristo:
“Assim, já não sou eu
quem vive, mas Cristo vive em mim. A vida que agora vivo no corpo, vivo-a pela
fé no filho de Deus, que me amou e se entregou por mim” (Gl 2,20).
Já não sou só eu que vivo, mas, uma outra vida vive em mim. A
vida que agora vive em meu corpo, também é um filho de Deus (ou da natureza
para quem não crê). Vivo-a pela fé e pela crença de que todo ser tem o direito
de nascer, crescer, amar a ponto de se entregar pelo outro.
A partir do momento em que se deu a união das células
oriundas de um homem e de uma mulher, temos uma PESSOA, uma semente crescendo
em nós. Que vai ficar ali nos primeiros nove meses da vida, se formando,
preparando-se para VIVER. Não somos “donos” dela para nos dispormos dela como quisermos.
Mas, nem sempre a gravidez é pensada, consciente e planejada.
E coisas do tipo, imaturidade, pobreza, falta de recursos, futuro para esta
nova vida, parecem ser colocadas na balança como motivo para a interrupção da
gravidez de forma muito leviana. Não conhecemos o futuro. Não sabemos o
"destino" de ninguém. Como podemos saber se aquela pessoinha ali, não
anseia para respirar o mesmo ar que respiro e conhecer o mundo que eu conheço?
Antes de se pensar no aborto, é bom lembrar que gravidez pode
ser evitada e nem é preciso entrar no mérito dos métodos contraceptivos. Eu vivi, este dilema aos 19 anos. Eu fiquei
grávida: jovem, solteira, pobre e sem planejar. Eu não estava nada preparada
para ser mãe! Simplesmente fomos imaturos e irresponsáveis. E me foi dada a
opção do aborto.
E posso dizer convictamente
que eu fiquei horrorizada com esta
opção. Não planejei a gravidez, mas, se eu a interrompesse, estaria MATANDO uma
CRIANÇA! Apesar de todas as dificuldades que sabia que teria, nem cogitei isso.
Penso que se trata de assumir a responsabilidade pelos nossos atos e arcar com
as consequências deles. O sonho da faculdade que eu queria ficou para trás, os
cursos, especializações, a carreira e muitos outros planos. Mas, EU criei uma
VIDA, ela tinha o direito de vir ao mundo e também fazer suas escolhas, certas
ou erradas.
Devo admitir que foi difícil, mas, eu consegui. Muita esperança e amor, e porque eu tive apoio: da família, das
minhas crenças religiosas e do meu namorado, hoje marido. E eu já trabalhava.
Claro que a discussão é bem mais profunda se formos analisar as mulheres que se
encontram desamparadas, em situação de risco, de extrema pobreza, gravidez por
estupro, etc.
Por isso a questão da descriminalização me balança muito.
Nossa sociedade está preparada para uma discussão tão ampla e profunda? Somos
capazes de pensar como cidadãos e pessoas, isentas de religião, gênero, partido
político? A liberação do aborto por uma questão de saúde, pelo viés médico, vai
resolver nossos problemas sociais? Se continuar sendo crime, o que faremos com
as situações de pobreza e morte, que estão acontecendo por aí? Sabemos que o aborto vai
continuar sendo feito por quem tem dinheiro para pagar e até por quem não tem.
Que ele ainda é um risco de morte para as mulheres, ainda mais para as que são
pobres e excluídas. O que faremos?
Outro dia, eu conheci uma menina de 15 anos, com um filho de
dois. A avó é mãe solteira e não consegue cuidar dos três. São três vidas
preservadas pelo “não aborto” que moram da rua e pedem comida nos portões.
Eticamente falando, sou contra o aborto. Socialmente falando, não posso deixar
de pensar em tantas vidas por aí, que, na verdade, estão “mortas” para todo o
resto da sociedade e não pediram pelo que tem. E mesmo assim, sou contrária à legalização do aborto. Mas, a moral e a dignidade da vida não se constrói só com leis.
Aí é que está o que mais pesa nesta questão toda: Fazer um
aborto é atentar contra uma vida indefesa, é um crime. E não olhar para tantas
vidas famintas nas nossas ruas e praças, não é? Que racionalidade “torta” é
essa que pensa que é melhor “matar” antes do que ter que olhar por elas depois? Talvez
a posição adequada nisso tudo, de cada um dos cidadãos, independente da
religiosidade que professam, fosse não levar a “vida” nascente como uma simples
discussão política e legal, e sim, SOCIAL, humana.
O aborto é uma preocupação de saúde pública, sim! E deveria
ser, não só pelos que ainda não nasceram e pelas mães que morrem, mas, por quem também já nasceu e está
por aí mendigando pão, na criminalidade, na dependência de drogas. Promover uma “matança” por meio do aborto é a solução? Olhar
o aborto como crime, sem ações concretas para mudar a situação, é a solução? Fico pensando aqui em quando estivermos discutindo a legalização das drogas...
O que podemos pedir é discernimento a todos que discutem a questão da VIDA em nosso país. E que Deus continue tentando lembrar, ao homem e a mulher, que o seu papel no mundo é VIVER, não só por si mesmo, mas, pelo outro. E como
recorda Jesus Cristo: olhando e cuidando dos indefesos e excluídos, os “pequeninos”
do Senhor.
Ângela Rocha – 03/08/2018.
"Se aceitarmos que uma mãe, possa matar seu próprio filho, como poderemos dizer às pessoas que não se matem uns aos outros?"
Madre Teresa de Calcutá
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