O Evangelho nos regala com um dos trechos mais significativos de Marcos: a discussão sobre o que é puro e o que impuro (Mc 7,1-23). Os discípulos se puseram a comer sem lavar as mãos. Mas lá estavam alguns vizinhos piedosos, da irmandade dos fariseus, acompanhados de professores de teologia (escribas), vindos da capital, de Jerusalém. Logo se intrometeram, dizendo que é proibido comer sem lavar as mãos. (Como também se deviam lavar as coisas que se compravam no mercado, os pratos e tigelas e tudo o mais). Mas Jesus acha tudo isso exagerado, sobretudo porque dão a isso um valor sagrado.
Na realidade, a
piedade de Israel era relativamente simples. Religião complicada era a dos
pagãos, que viviam oferecendo sacrifícios e queimando perfumes para seus
deuses, cada vez que desejavam alguma ajuda ou queriam evitar um castigo. Mas a
religião de Israel era sóbria, pois só conhecia um único Deus e Senhor.
Consistia em observar o sábado, oferecer uns poucos sacrifícios, pagar o dízimo
e, sobretudo, praticar a lealdade (amor e justiça) para com o próximo. Moisés
já tinha dito que não deviam acrescentar nada a essas regras simples, admiradas
até pelos outros povos (1ª leitura). E Tiago – o mais judeu dos autores
do Novo Testamento – diz claramente: “Religião pura e sem mancha diante do Deus
e Pai é esta: assistir os órfãos e as viúvas em suas dificuldades e guardar-se
livre da corrupção do mundo” (Tg 1,27; 2ª leitura).
Mas, no tempo de Jesus, os “mestres
da Lei” tinham perdido esse sentido de simplicidade. Complicaram a religião com
observância que originalmente se destinavam aos sacerdotes. Clericalizavam a
vida dos leigos. Queriam ser mais santos que o Papa! Chegavam a dizer que era mais
importante fazer uma doação ao templo do que ajudar com esse dinheiro os velhos
pais necessitados. Inversão total das coisas. Ajudar pai e mãe é um dos Dez
Mandamentos, enquanto de doações ao templo os Dez Mandamentos nem falam.
Declaravam também impuras montão de coisas. No templo, tudo bem, o bezerro ou o
cordeirinho a ser oferecido tem de ser bonito, puro, sem defeito. Mas no
dia-a-dia, a gente come o que tem e do jeito como pode. Sobretudo a gente
pobre, os migrantes, como eram os amigos de Jesus. Contra todas essas invenções
piedosas, Jesus se inflama. Não é aquilo que entra na gente _ e que é evacuado
no devido lugar – que torna impuro, mas a malícia que sai de sua boca e de seu
coração (Mc 7,18-23).
Jesus quis sempre ensinar o que Deus
quer. A Lei era uma maneira para “sintonizar”com a vontade de Deus. E Jesus
respeita a Lei, melhorando-a para torná-la mais de acordo com a vontade de
Deus, que é o verdadeiro bem do ser humano. Isso é o essencial. O demais deve
estar a serviço do verdadeiro bem da gente e não o impedir. A verdadeira
sintonia com Deus, a verdadeira piedade é o amor a Deus e a seus filhos e
filhas. Práticas piedosas que atravancam isso são doentias e/ou hipócritas.
Mais ainda que a Lei de Moisés em sua
simplicidade original, a “religião de Jesus” deve brilhar por sua profunda
sabedoria e bondade. Deve mostrar com toda a clareza o quanto Deus ama seus
filhos e filhas ensinando-lhes a amarem-se mutuamente. Daí nossa pergunta:
nossas práticas religiosas ajudam a amar mais a Deus e ao próximo, ou apenas
escondem nossa falta de compromisso com a humanidade pela qual Jesus deu a sua
vida?
Do livro “Liturgia
Dominical”, de Johan Konings, SJ, Editora Vozes
Fonte:
franciscanos.org
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