“Once it's gone, it's gone forever”
Há 12 anos eu trabalho na Amazônia e há 10 pesquiso sobre os impactos do
fogo na maior floresta tropical do mundo. Meu doutorado e meu pós-doutorado
foram com isso e já vi a floresta queimando sob os meus pés, mais vezes do que
gostaria de lembrar. Me sinto então na obrigação de trazer alguns
esclarecimentos enquanto cientista e enquanto brasileira, já que para a maioria
das pessoas a realidade amazônica é tão distante.
Primeiro, e mais importante, é que incêndios na floresta amazônica não
ocorrem de maneira natural – eles precisam de uma fonte de ignição antrópica
ou, em outras palavras, que alguém toque fogo. Ao contrário de outros
ecossistemas, como o Cerrado, a Amazônia NÃO evoluiu com o fogo e esse NÃO faz
parte de sua dinâmica. Isso significa que quando a Amazônia pega fogo, uma
parte imensa de suas árvores morrem, porque elas não têm nenhum tipo de
proteção ao fogo. Ao morrerem, essas árvores então se decompõem liberando para
a atmosfera todo o carbono que elas armazenavam, contribuindo assim paras as mudanças
climáticas. O problema nisso é que a Amazônia armazena carbono pra caramba nas
suas árvores, a floresta inteira estoca o equivalente a 100 anos de emissões de
CO2 dos EUA, então queimar a floresta significa colocar muito CO2 de volta na
atmosfera.
Os incêndios, que são necessariamente causados pelo homem, são de 2
tipos: aquele usado para limpar o roçado e o usado pra desmatar uma área; o que
estamos vendo é do segundo tipo. Para desmatar a floresta, primeiro corta-se
ela, normalmente com o que é chamado de correntão – dois tratores interligados
por uma imensa corrente, assim com os tratores andando, a corrente entre eles vai
levando a floresta ao chão. A floresta derrubada fica um tempo no chão secando,
geralmente meses a dentro da estação seca, pois só assim a vegetação perde
umidade suficiente para ser possível colocar fogo nela, fazendo toda aquela
vegetação desaparecer, e sendo então possível plantar capim. Os grandes
incêndios que estamos vendo agora e que fizeram o céu de São Paulo escurecer,
representam então esse último passo na dinâmica do desmatamento – transformar
em cinzas a floresta tombada.
Além da perda de carbono e de biodiversidade causadas pelo desmatamento
em si, existe também uma perda mais invisível – aquela que ocorre nas florestas
queimadas. O fogo do desmatamento pode escapar para áreas não desmatadas e caso
esteja seco o suficiente, queimar também a floresta em pé. Uma floresta que
então passa a estocar 40% a menos de carbono do que anteriormente ela armazenava
e, de novo, carbono esse que foi perdido para a atmosfera. As florestas
queimadas deixam de ser de um verde luxuriante, esbanjando vida e a cacofonia
de sons dos mais diversos bichos se silencia – a floresta adquire tons de marrom
e cinza, com os únicos sons sendo aqueles de árvores caindo.
A estação seca na Amazônia sempre trouxe queimadas e há anos tento
chamar a atenção para os incêndios florestais, como os de 2015, quando a
floresta estava excepcionalmente seca devido ao El Niño. O que tem de diferente esse ano é a dimensão do problema.
É o aumento do desmatamento aliado aos inúmeros focos de queimada e ao aumento
das emissões de monóxido de carbono (o que mostra que a floresta está ardendo),
o que culminou na chuva preta em São Paulo e no desvio de vôos de Rondônia para
Manaus, cidades situadas a meros mil quilômetros de distância. E o mais
alarmante dessa história toda é que estamos no começo da estação seca. Em
outubro, quando chegar ao auge do período seco no Pará, a tendência
infelizmente é da situação ficar muito pior.
Em 2004 o Brasil chegou a 25,000 km2 de floresta desmatados no ano. De
lá para cá, reduzimos essa taxa em 70%. É possível sim frearmos e combatermos o
desmatamento, mas isso depende tanto da pressão da sociedade quanto da vontade
política. Depende do governo assumir a responsabilidade pelas atuais taxas de
desmatamento e parar com discursos que promovam a impunidade no campo. É preciso
entender que sem a Amazônia não há chuva no resto do país, seriamente
comprometendo nossa produção agrícola e nossa geração de energia. É preciso
entender que a Amazônia não é um bando de árvore juntas, mas sim nosso maior
bem.
É de uma dor indescritível ver a
maior floresta tropical do mundo, meu objeto de estudo, e meu próprio país
queimarem. O cheio de churrasco acompanhado do silêncio profundo numa floresta
queimada não são imagens que vão sair da minha cabeça jamais. Foi um trauma.
Mas na escala atual, não vai precisar ser pesquisador ou morador da região para
sentir a dor da perda da Amazônia. As cinzas do nosso país agora buscam a gente
até na grande metrópole.
*Dra. Erika Berenguer Cientista - Instituto de Mudança Ambiental de Oxford.
Assista o vídeo:
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