“Eu serei o vosso Deus e vocês serão o meu povo” .
Qual é o verdadeiro Nome de Deus, segundo a Bíblia? Vamos saber um pouco mais com este texto!
Frei Ildo Perondi
Carregar e trazer consigo o nome de Deus é pertencer a Ele.
Deus quer e é agradável ao Senhor manter a relação com o seu povo como uma
relação de pai e filho: “Eu serei o vosso
Deus e vocês serão o meu povo” (Ex 6,7; Lv 26,12; Dt 26,17-19; 29,12). Esta
expressão também é muito frequente nos profetas Jeremias e Ezequiel. E por
causa do seu grande Nome (1Sm 12,22) Deus não abandonará o seu povo porque este
povo é seu. Os sacerdotes colocavam o nome do Senhor sobre o povo como um sinal
ou como um segredo, e isso significava que o povo pertencia ao seu Deus (cf. Is
44,5; Ez 9,4; Ap 7,3; 14,1; etc.). Para Israel, esta pertença representava a
fonte das bênçãos dele recebidas. É Ele o Criador da Terra e de tudo o que
existe. “Eu sou Iahweh; não há nenhum
outro” (Is 45,18; cf. Dt 32,39).
O nome dá autoridade a quem o possui. Ao contrário, aquele
que não tem nome é desprezado, é como afirmar que ele não existe, que é nulo, caótico,
pois “o nome é como a alma da pessoa”.
Já no princípio da criação Deus deu um nome ao homem e à mulher e depois pediu
a Adão para que desse nome a todos os seres criados (cf. Gn 2,19).
Saber o nome divino é conhecer Deus como Ele se revelou. Não
existiam nomes divinos secretos em Israel, porque o uso mágico do nome de Deus
era proibido e porque o nome de Deus é santo (Sl 103,1; 105,3; 106,47; 145,21;
1Cr 16,35; 29,16) e glorioso (Sl 72,19; 1Cr 29,13). Tanto assim que se procurou
guardar bem o seu nome contra o abuso na maldição (Lv 24,11.15s); no juramento
(Lv 19,12), porque quem fazia dessa forma estava profanando e violando o nome
de Deus (Pr 30,9).
Portanto, segundo a Bíblia, é bendito aquele que caminha no
nome do Senhor (cf. Sl 118,26). Por isso colocar o nome de Deus sobre o povo
era uma expressão semítica que indicava o favor divino. O nome do Senhor era
pronunciado três vezes na bênção (Nm 6,24-26), e isto assegurava a Israel a
presença do Deus que caminhava com o seu povo e o protegia. O povo de Israel
compreendia que a bênção divina era a condição necessária e fundamental da qual
dependia o verdadeiro êxito da sua existência. Sem uma relação harmoniosa com
Deus, a vida humana não podia encontrar o seu sentido autêntico nem chegar a
seu verdadeiro desenvolvimento.
Mas então, qual é o verdadeiro Nome de Deus, segundo a
Bíblia? Quando Deus ouviu o clamor do povo que estava escravo no Egito, e
desceu para libertá-lo, Moisés disse a Deus: “Mas quando eu for aos israelitas e disser: ‘O Deus de vossos pais me
enviou até vós’; e eles me perguntarem: ‘Qual é o seu nome? ’, o que eu devo dizer?
”. Deus respondeu: “Eu Sou Aquele que
é”. Disse mais: “Assim dirás aos
israelitas: ‘EU SOU me enviou até vós’” (Ex 3,13-14). A grafia e pronúncia
é incerta: a mais provável é que seja Iahweh
(ou talvez Iahwô).
Muitos textos bíblicos
escritos sobre fatos que aconteceram antes de Ex 3, já trazem o nome de Deus. Em
Gn 2,4b é onde o nome de Iahweh aparece escrito pela primeira vez. A Bíblia diz
que foi Enós o primeiro a pronunciar o Nome de Iahweh (cf. Gn 4,26). No
entanto, parece que foi mesmo a Moisés que Deus revelou o seu verdadeiro Nome.
“Deus falou a Moisés e lhe disse: ‘Eu sou Iahweh. Apareci a Abraão, a Isaac e
Jacó como El Shaddai; mas meu nome Iahweh, não lhes fiz conhecer”
(Ex 6,2).
Então devemos entender
que o correto é que o Deus de Abraão, Isaac e Jacó era “El Shaddai”, que quer dizer “Deus das montanhas; Deus das
campanhas”. Este nome foi traduzido nas nossas Bíblias como: “Todo Poderoso,
Onipotente... ou se manteve o original “El Shaddai”. Porém, não é
correto traduzir como “o Dominador” (como fazem algumas traduções), porque é
uma expressão muito negativa para nós.
Disso resulta que o
nome de Deus, com o qual Ele quer ser chamado é יהוה (YHWH), o famoso tetragrama hebraico. Este nome (Iahweh)
aparece 6823 vezes na Bíblia Hebraica (Antigo Testamento). E provém de uma
forma verbal simples do verbo היה (hyh,
‘ser’ em hebraico) e que tem o significado de “Ele é”, “Ele se mostra
eficaz”. Mas Deus falando de si mesmo, não pode usar outra forma que a
primeira pessoa “EU SOU”. O hebraico
pode ser traduzido ao pé da letra: “EU
SOU AQUELE QUE SOU”, que seria o correspondente a “EU SOU AQUELE QUE É”, ou “Eu
sou o Existente”.
A pronúncia do Nome
Sagrado passou por diversas fases na história de Israel. Primeiro se podia
falar e pronunciar o Nome de Deus, assim como nós fazemos hoje. Mas, alguns
começaram a abusar do Nome divino. Juravam e blasfemavam em nome de Deus. Com o
isso o Nome foi proibido de ser pronunciado e só podia ser recitado pelos
Sacerdotes no Templo e nas sinagogas. Depois, só o Sumo Sacerdote podia
dizê-lo. Mais tarde, só uma vez por ano, no dia da festa do Yom Kippur (Dia
da Expiação). Por fim, o Nome foi totalmente proibido e ninguém mais podia
pronunciá-lo. Quando se lia o texto bíblico, em vez do Nome Divino, se
pronunciava “Adonai”[1] que quer dizer “Senhor”.
Os últimos livros do AT já nem mais escreviam o nome de Iahweh, mas colocavam אל (El) ou אלווהים (Elohîm), que quer dizer Deus.
É bom lembrar que o
texto hebraico da Bíblia (AT) foi escrito só com as consoantes. Não existiam as
vogais. Por isso, depois de algum tempo o Nome não se pronunciava mais, e já
não se sabia bem qual era mesmo a verdadeira vocalização. Só os rabinos e
escribas mais estudados é que poderiam ter o segredo. E também não se podia
modificar o texto escrito. Lá o nome permanecia como foi revelado.
Nos séculos VII-VIII dC os massoretas colocaram as vogais em
todo o texto hebraico da Bíblia e quando tiveram que vocalizar o tetragrama do
nome de Deus, colocaram as vogais do nome de אדוני (Adonai). Fizeram
isso para evitar que se pronunciasse o nome de Deus. Se alguém que devia ler o
texto, mesmo que estivesse um pouco distraído, não iria ler o nome de Deus.
Essa era considerada uma falta gravíssima! Ou seja, a tradição hebraica
mantinha um respeito grandíssimo pelo nome de Deus, considerava o Nome algo tão
Sagrado que nenhum ser humano poderia pronunciá-lo.
Mas em 1874, Charles T. Russel, fundou os Testemunhas de
Jeová, nos EUA. Estes não conhecendo bem o hebraico, e muito menos toda a
história do nome de Deus, traduziram o tetragrama com as consoantes hebraicas
do nome divino e com as vogais de Adonai. Eles julgavam ter descoberto o
“verdadeiro nome de Deus”, e por isso traduziram o nome por “Jeová”, “Iehovah” ou “Gehova”. O que é difícil de ser correto.
“Jeovah” provém provavelmente de uma
tentativa inadequada de combinar as consoantes hebraicas YHWH, que originalmente
podem ter sido pronunciadas Yahveh,
com vogais de Adonai, nome hebraico
do Senhor, que foram sobrepostas a YHWH. Nos tempos pós-bíblicos, YHWH ou
Yahveh foram substituídos por Adonai,
quando, como sinal de temor e respeito, o Nome inefável não foi mais
pronunciado por judeus”[2].
Hoje as Bíblias traduzem o nome divino como:
a) o Eterno (Torá Hebraica);
b) Iahweh (Bíblia
de Jerusalém), é uma tentativa de tradução e pronúncia fiel do Nome;
c) Javé (Edição
Pastoral), é a versão popular do nome de Deus, do jeito como o povo fala;
d) Senhor (várias
Bíblias), seguem mantendo o respeito pelo Nome divino[3].
Mas no AT Deus aparece ainda com outros nomes, como: “Altíssimo”, “Santo”, “Onipotente”, “o Único”,
“Eterno” etc.
Jesus, que também era hebreu, parece que nunca pronunciou o
Nome de Deus. Em Marcos 12,30 e 12,36 Jesus utiliza textos do AT que tinham o
nome de Deus, mas Jesus deve ter pronunciado “Adonai” ou “Senhor” e não
“Iahweh”, pois o original grego traz kur, ioj (kyrios = Senhor).
Jesus foi fiel à tradição do seu povo. Mas falando de si
mesmo e querendo revelar a sua natureza divina, Jesus utilizou o mesmo verbo
com o qual Deus se manifestou em Ex 3,13-14. É importante analisar esta expressão
no Evangelho de João. O evangelista conhece a fundo o AT, conhece a cultura e a
religião hebraica. Por isso, neste Evangelho é interessante ver como o verbo
“ser” é muito frequente. Portanto, nos interessa muito que em João por três
vezes (número da unidade) Jesus utiliza para si a expressão “EU SOU” sem que
tenha algum complemento (Jo 8,24.28; 8,58; 13,19)[4].
Jesus mesmo se identifica com Deus Pai: “Eu e o Pai somos um” (Jo 10,30). Em outra passagem, Jesus diz: “Quem me vê, vê o Pai” (Jo 14,9). O NT
também afirma que “O Verbo estava em Deus
e o Verbo era Deus” (Jo 1,1) e que Jesus “é a imagem do Deus invisível” (Cl 1,15).
Outra constatação importante é que, no Evangelho de João,
quando Jesus usa o complemento ao verbo, o faz por sete vezes. Ou seja, por
sete vezes (o número perfeito) Jesus diz o que Ele é!
1) Eu sou o Pão da Vida (6,36.41.48.51);
2) Eu sou a Luz do mundo (8,12; 9,5);
3) Eu sou a Porta (Jo 10,7.9);
4) Eu sou o Bom Pastor (Jo 10,11.14);
5) Eu sou a Ressurreição e a Vida (Jo
11,25);
6) Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida (Jo
14,6);
7) Eu sou a Videira Verdadeira (15,1.5)
BIBLIOGRAFIA
BIBLE WORKS 5.0. Programa bíblico para computador. Texto, dicionário e gramática (PIB,
Roma 2002).
BÍBLIA DE JERUSALÉM, TEB e EDIÇÃO PASTORAL. Introduções e notas de rodapé.
DÍEZ MACHO, A. – BARTINA, S. – GUTIÉRREZ-LARRAYA, J.
A. (ed.), Enciclopedia de la Biblia.
6 voll. (Barcelona 1963).
JENNI, E. – WESTERMANN, C. ed. Dizionario teologico dell’Antico Testamento. Tradução italiana do
original alemão (Torino 1982).
J. L. MACKENZIE. Dicionário
Bíblico. Tradução do original por CUNHA A. et al. (Paulus, São Paulo 72002).
SELTZER, R. M. Povo
Judeu, Pensamento Judaico I (Judaica 1, Rio de Janeiro, 1990).
REYMOND, P. Dictionnaire
d’Hebreu et d’Araméen Bibliques (Paris 1991). Traduzione italiana: SOGGIN J.A.
ed. Dizionario di ebraico e aramaico biblici (Roma 1995).
[1] Lia-se Adonai, ao invés de Adoní para referi-lo unicamente a Deus e não aos senhores humanos.
[2]
SELTZER, R. M. Povo Judeu, Pensamento
Judaico I (Judaica 1, Rio de Janeiro, 1990), pg. 3.
[4]
No Evangelho de João aparece ainda várias vezes a expressão “Sou eu” (Jo 4,26;
6,20; 7,28; 8,16; 9,9; etc), mas não no sentido forte como nesses três casos.
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