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quinta-feira, 19 de junho de 2025

ACESSIBILIDADE, INCLUSÃO E BÍBLIA


Acessibilidade é um termo bastante utilizado hoje em dia, especialmente quando se refere a pessoas com deficiência. Porém, nos remete a outro, que é Inclusão. Podemos definir Inclusão como ação de incluir, compreender, envolver, fazer tomar parte de ações que construam cidadania. Cidadania, entendida como medida de qualidade de vida humana. A acessibilidade é a derrubada das diversas barreiras que impedem que as pessoas desfrutem plenamente da vida, como: atitudinais, arquitetônicas, culturais.

Ao longo da história podemos notar diferenças de comportamento em relação às pessoas com deficiência. Isto pode ser observado na própria Bíblia. Partindo do AT é fácil perceber que a mentalidade estava muito distante dessa temática, pois, ao contrário do que buscamos hoje, toda doença era tida como castigo de Deus, consequência do pecado. A concepção de dignidade estava ligada a exterioridades, seja de aparências ou de riquezas. E esses mesmos fatores davam acesso ou exclusão na religião e na sociedade.

De fato, podemos comungar com o que dizia o teólogo Dietrich Bonhöffen em seu convite a viver em Deus sem Deus, pois considera que nossa concepção de Deus, ao menos para muitos, é semelhante à imagem e ao ser e fazer dos poderosos deste mundo que controlam tudo dentro de seus interesses e que têm seus comparsas para manter o controle das gentes sem dar acesso ao seu ser e fazer. Embora a própria Bíblia em Gênesis 1, aponte a dignidade humana em ser criado/a à imagem e semelhança de Deus.

Já no Novo Testamento com a encarnação de Deus na pessoa de Jesus Cristo, muda o foco, colocando Deus como fonte que está presente, porém, deu todas as condições, a capacidade e a liberdade ao ser humano para se autogerenciar, e, na unidade e diversidade, organizar este mundo. À semelhança do rio que não é mais fonte e procura livremente o seu leito.

Jesus veio restaurar o reconhecimento dos seres humanos como presença, imagem viva do Pai. Toda sua ação esteve e está voltada para recuperar a dignidade de cada ser e sua participação no processo da sociedade. Como nos diz o teólogo espanhol Antonio Pagola, Jesus não veio para ver se estamos mais ou menos fiéis a Deus, mas sim para inaugurar um novo projeto de relações entre os seres humanos, sua base são as relações entre nós. Sua proposta de construir o Reino de Deus aqui é a base de seu projeto.

E por esta razão, toda a ação de Jesus se baseia na recuperação da imagem do Pai que se encontrava ferida e denegrida na pessoa marginalizada, doente, com deficiência, que já não era aceita na religião e na sociedade da época. Sua ação foi de reabilitar a todos e todas para reintegrar-se na sociedade (“vai apresentar-te no templo”…). Para que o Pai volte a ser reconhecido e amado na sua imagem viva.

Nos relatos de Seus encontros com as pessoas, há ênfase na devolução da dignidade da vida; Jesus as acolhe, é solidário com elas, coloca-as no convívio social e respeita-as nas suas potencialidades (João 5.6-7, 8-9; João 9.1, 3,7; Lucas 18.35, 40; Marcos 8.23; 46-47; João 9.9; João 5.14; Lucas 17.14). Sua dinâmica era de cercania, de proximidade, de tocar a pessoa, de senti-la no toque de pele, de solidariedade concreta e de convite “Levanta-te e anda”.

Diríamos hoje, recuperava a autoestima, devolvia a cada um/a seu valor, por reconhecer em cada pessoa a presença de Deus (tudo o que fizerdes ao menor dos meus irmãos e irmãs estarão fazendo a mim…). Ele não quer ser buscado nas alturas, mas ao nosso lado. Por isso podemos afirmar que todo amor a Deus passa pelo amor aos irmãos e irmãs que estão ao nosso lado. Deus se fez real, humano, em Jesus, e é real nas pessoas que estão a caminho conosco, assim como se faz real e presente em toda a criação também nos deixou a eucaristia onde Ele deu o seu corpo como alimento para nossa caminhada, deixando presente seu gesto máximo do amor que foi sua entrega por nós na cruz.

A terminologia utilizada hoje nem existia naquele tempo, mas, a ação de Jesus era clara e transparente. Se nos consideramos seguidores de Jesus pautaremos nossa vida por aquilo que Ele foi e ainda quer ser em nós.

Somamos a isto o que constitui o foco central do Seu projeto, ou seja, sua única ordem, seu único mandamento: “O que vos mando é que vos ameis uns aos outros” (João 15,17; João 13,34).

Em nossa compreensão toda ação que visa à inclusão e à acessibilidade real e concreta passa pela superação das barreiras físicas e, mais ainda, pela superação das barreiras, a começar pelas atitudinais que nos pedem uma mudança no modo de pensar, conviver e de acolher as diferenças mais ou menos profundas que caracterizam, não só a natureza, mas toda a realidade dos seres humanos. Acolher e amar esta diversidade é enriquecer e possibilitar nossas convivências e a inclusão de todos e todas na vida eclesial e social.

Neste espírito ousamos reconvidar-nos para a dinâmica da Samaritana que não teve medo de seus limites e se dispôs a buscar o Novo que permitiu novas perspectivas de vida. E lembramos do papa Francisco que nos convidou à humildade e a exercitar em nós um coração misericordioso, capaz de sentir a realidade do próximo e dar-nos o ânimo e a coragem de ir ao seu encontro e fazer caminho juntos.

Fr. Nelson Junges ofm (Com a colaboração de Pra Vera Lucy Prates) 

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