A EXORTAÇÃO DO PAPA POR UMA IGREJA COM ROSTO AMAZÔNICO
A Exortação pós-sinodal sobre a Amazônia foi publicada esta quarta-feira (12/02). O documento traça novos caminhos de evangelização e cuidados do meio ambiente e dos pobres. Francisco auspicia um novo ímpeto missionário e encoraja o papel dos leigos nas comunidades eclesiais.
O sonho social: a Igreja ao lado dos
oprimidos
O primeiro capítulo de Querida Amazônia é centralizado
no “Sonho social” (8). Destaca que “uma verdadeira abordagem ecológica” é
também “abordagem social” e, mesmo apreciando o “bem viver” dos indígenas,
adverte para o “conservacionismo”, que se preocupa somente com o meio ambiente. Com
tons vibrantes, fala de “injustiça e crime” (9-14). Recorda que já
Bento XVI havia denunciado “a devastação ambiental da Amazônia”. Os povos
originários, afirma, sofrem uma “sujeição” seja por parte dos poderes locais,
seja por parte dos poderes externos. Para o Papa, as operações econômicas que
alimentam devastação, assassinato e corrupção merecem o nome de “injustiça e
crime”. E com João Paulo II, reitera que a globalização não deve se tornar um
novo colonialismo.
Os pobres sejam ouvidos sobre o futuro
da Amazônia
Diante de tanta injustiça, o Pontífice fala que é preciso “indignar-se e
pedir perdão” (15-19). Para Francisco, são necessárias “redes de solidariedade
e de desenvolvimento” e pede o comprometimento de todos, inclusive dos líderes
políticos. O Papa ressalta o tema do “sentido comunitário” (20-22), recordando
que, para os povos amazônicos, as relações humanas “estão impregnadas pela
natureza circundante”. Por isso, escreve, vivem como um verdadeiro
“desenraizamento” quando são “forçados a emigrar para a cidade”.
A última parte do primeiro capítulo é dedicado às “Instituições
degradadas” (23-25) e ao “Diálogo social” (26-27). O Papa denuncia o mal da
corrupção, que envenena o Estado e as suas instituições. E faz votos de que a
Amazônia se torne “um local de diálogo social” antes de tudo “com os últimos. A
voz dos pobres, exorta, deve ser “a voz mais forte” sobre a Amazônia.
O sonho cultural: cuidar do poliedro
amazônico
O segundo capítulo é dedicado ao “sonho cultural”. Francisco
esclarece que “promover a Amazônia” não significa “colonizá-la culturalmente”
(28). E recorre a uma imagem que lhe é cara: “o poliedro amazônico” (29-32).
É preciso combater a “colonização pós-moderna”. Para Francisco, é urgente
“cuidar das raízes” (33-35). Citando Laudato si’ e Christus
vivit, destaca que a “visão consumista do ser humano” tende a “a
homogeneizar as culturas” e isso afeta sobretudo os jovens. A eles, o Papa pede
que assumam as raízes, que recuperem “a memória danificada”.
Não a um indigenismo fechado, é preciso
um encontro intercultural
A Exortação se concentra depois sobre o “encontro intercultural”
(36-38). Mesmo as “culturas aparentemente mais evoluídas”, observa, podem
aprender com os povos que “desenvolveram um tesouro cultural em conexão com a
natureza”. A diversidade, portanto, não deve ser “uma fronteira”, mas “uma
ponte”, e diz não a “um indigenismo completamente fechado”.
A última parte do segundo capítulo é dedicada ao tema “culturas
ameaçadas, povos em risco” (39-40). Em qualquer projeto para a Amazônia, esta é
a recomendação do Papa, “é preciso assumir a perspectiva dos direitos dos
povos”. Estes, acrescenta, dificilmente podem ficar ilesos se o ambiente em que
nasceram e se desenvolveram “se deteriora”.
O terceiro capítulo, “Um sonho ecológico”, é o mais relacionado com a
Encíclica Laudato si’. Na introdução (41-42), destaca-se que na
Amazônia existe uma relação estreita do ser humano com a natureza. Cuidar dos
irmãos como o Senhor cuida de nós, reitera, “é a primeira ecologia que
precisamos”. Cuidar do meio ambiente e cuidar dos pobres são “inseparáveis”.
Francisco dirige depois a atenção ao “sonho feito de água” (43-46). Cita Pablo
Neruda e outros poetas locais sobre a força e a beleza do Rio Amazonas. Com
suas poesias, escreve, “ajudam a libertar-nos do paradigma tecnocrático e
consumista que sufoca a natureza”.
Ouvir o grito da Amazônia, o
desenvolvimento seja sustentável
Para o Papa, é urgente ouvir o “grito da Amazônia” (47-52). Recorda que
o equilíbrio planetário depende da sua saúde. Escreve que existem fortes
interesses não somente locais, mas também internacionais. A solução, portanto,
não é “a internacionalização” da Amazônia; ao invés, deve crescer “a
responsabilidade dos governos nacionais”. O desenvolvimento sustentável,
prossegue, requer que os habitantes sejam sempre informados sobre os projetos
que dizem respeito a eles e auspicia a criação de “um sistema normativo” com
“limites invioláveis”. Assim, Francisco convida à “profecia da contemplação”
(53-57).
Ouvindo os povos originários, destaca, podemos amar a Amazônia “e não
apenas usá-la”; podemos encontrar nela “um lugar teológico, um espaço onde o
próprio Deus Se manifesta e chama os seus filhos”. A última parte do terceiro
capítulo é centralizada na “educação e hábitos ecológicos” (58-60).
O Papa ressalta que a ecologia não é uma questão técnica, mas compreende sempre
“um aspecto educativo”.
O sonho eclesial: desenvolver uma Igreja
com rosto amazônico
O último capítulo, o mais denso, é dedicado “mais diretamente” aos
pastores e aos fiéis católicos e se concentra no “sonho eclesial”. O Papa
convida a “desenvolver uma Igreja com rosto amazônico” através de um “grande
anúncio missionário” (61), um “anúncio indispensável na Amazônia” (62-65).
Para o Santo Padre, não é suficiente levar uma “mensagem social”. Esses
povos têm “direito ao anúncio do Evangelho”; do contrário, “cada estrutura
eclesial transformar-se-á em mais uma ONG”. Uma parte consistente é dedicada
ainda à inculturação. Retomando a Gaudium et spes, fala de
“inculturação (66-69) como um processo que leva “à plenitude à luz do
Evangelho” aquilo que de bom existe nas culturas amazônicas.
Uma renovada inculturação do Evangelho
na Amazônia
O Papa dirige o seu olhar mais profundamente, indicando os “Caminhos de
inculturação na Amazônia”. (70-74). Os valores presentes nas comunidades
originárias, escreve, devem ser valorizados na evangelização. E nos dois
parágrafos sucessivos se detém sobre a “inculturação social e espiritual”
(75-76). O Pontífice evidencia que, diante da condição de pobreza de muitos
habitantes da Amazônia, a inculturação deve ter um “timbre marcadamente
social”. Ao mesmo tempo, porém, a dimensão social deve ser integrada com aquela
“espiritual”.
Os Sacramentos devem ser acessíveis a
todos, especialmente aos pobres
Na sequência, a Exortação indica “pontos de partida para uma santidade
amazônica” (77-80), que não devem copiar “modelos doutros lugares”.
Destaca que “é possível receber, de alguma forma, um símbolo indígena sem
o qualificar necessariamente como idolátrico”. Pode-se valorizar, acrescenta,
um mito “denso de sentido espiritual” sem necessariamente considerá-lo “um
extravio pagão”. O mesmo vale para algumas festas religiosas que, não obstante
necessitem de um “processo de purificação”, “contêm um significado sagrado”.
Outra passagem significativa de Querida Amazônia é
sobre a inculturação da liturgia (81-84). O Pontífice constata que já o
Concílio Vaticano II havia solicitado um esforço de “inculturação da liturgia
nos povos indígenas”.
Além disso, recorda numa nota do texto que, no Sínodo, “surgiu a
proposta de se elaborar um «rito amazônico»”. Os Sacramentos, exorta, “devem
ser acessíveis, sobretudo aos pobres”. A Igreja, afirma evocando a Amoris
laetitia, não pode se transformar numa “alfândega”.
Bispos latino-americanos devem enviar
missionários à Amazônia
Relacionado a este tema, está a “inculturação do ministério” (85-90)
sobre a qual a Igreja deve dar uma resposta “corajosa”. Para o Papa, deve ser
garantida “maior frequência da celebração da Eucaristia”. A propósito, reitera,
é importante “determinar o que é mais específico do sacerdote”.
A resposta, lê-se, está no sacramento da Ordem sacra, que habilita
somente o sacerdote a presidir a Eucaristia. Portanto, como “assegurar este
ministério sacerdotal” nas zonas mais remotas? Francisco exorta todos os
bispos, especialmente os latino-americanos, “a ser mais generosos”, orientando
os que “demonstram vocação missionária” a escolher a Amazônia e os convida a
rever a formação dos presbíteros.
Favorecer um protagonismo dos leigos nas
comunidades
Depois dos Sacramentos, Querida Amazonía fala das “comunidades
cheias de vida” (91-98), nas quais os leigos devem assumir
“responsabilidades importantes”. Para o Papa, com efeito, não se trata “apenas
de facilitar uma presença maior de ministros ordenados”. Um objetivo “limitado”
se não suscitar “uma nova vida nas comunidades”. São necessários, portanto,
novos “serviços laicais”. Somente através de “um incisivo protagonismo dos
leigos”, reitera, a Igreja poderá responder aos “desafios da Amazônia”.
Para o Pontífice, os consagrados têm um lugar especial e não deixa de
recordar o papel das comunidades de base, que defenderam os direitos sociais, e
encoraja em especial a atividade da REPAM e dos “grupos missionários
itinerantes”.
Novos espaços às mulheres, mas sem
clericalizações
Francisco dedica um espaço à força e ao dom das mulheres (99-103).
Reconhece que, na Amazônia, algumas comunidades se mantiveram somente “graças à
presença de mulheres fortes e generosas”. Porém, adverte que não se deve
reduzir a Igreja a “estruturas funcionais”. Se assim fosse, com efeito, teriam
um papel somente se fosse concedido a elas acesso à Ordem sacra.
Para o Pontífice, deve ser rejeitada a clericalização das mulheres,
acolhendo, ao invés, a contribuição segundo o modo feminino, que prolonga “a
força e a ternura de Maria”. Francisco encoraja o surgimento de novos serviços
femininos, que – com um reconhecimento público dos bispos – incidam nas decisões
para as comunidades.
Os cristãos devem lutar juntos para
defender os pobres da Amazônia
Para o Papa, é preciso “ampliar horizontes para além dos conflitos”
(104-105) e deixar-se desafiar pela Amazônia a “superar perspectivas limitadas”
que “permanecem enclausuradas em aspetos parciais”. O quarto capítulo termina
com o tema da “convivência ecumênica e inter-religiosa” (106-110), “encontrar
espaços para dialogar e atuar juntos pelo bem comum”. “Como não lutar juntos? –
questiona Francisco – Como não rezar juntos e trabalhar lado a lado para
defender os pobres da Amazônia”?
Confiemos a Amazônia e os seus povos a
Maria
Francisco conclui
a Querida Amazônia com uma oração à Mãe da Amazônia (111).
“Mãe, olhai para os pobres da Amazônia – é um trecho da sua oração –, porque o
seu lar está a ser destruído por interesses mesquinhos (…) Tocai a
sensibilidade dos poderosos porque, apesar de sentirmos que já é tarde, Vós nos
chamais a salvar o que ainda vive”.
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