O tempo da Quaresma que estamos
vivendo quer nos ajudar a perceber que a vida pode e deve ser diferente,
especialmente para aquelas pessoas que possuem uma fé e desejam ser fiéis a
ela, procurando crescer cada vez mais no seguimento do autor da nossa Fé.
Somos então convidados e
convidadas a nos deixar iluminar pela realidade das Comunidades cristãs do
primeiro século da era comum, apresentada pelo Evangelho da Comunidade de
Mateus. Seguir Jesus, viver a justiça, significava, naquele momento em que este
Evangelho foi escrito, enfrentar dificuldades, perseguições e sofrimentos impostos,
tanto pelos julgamentos civis, nos tribunais, quanto pelos julgamentos
religiosos nas sinagogas.
O
QUE PODEMOS APRENDER NO TEXTO BÍBLICO DESTE FINAL DE SEMANA
O texto bíblico desta 2ª Semana
da Quaresma está no capítulo 17 do Evangelho da Comunidade de Mateus. Os
versículos são do primeiro até o nono, a chamada Transfiguração do Senhor. Ali,
a Comunidade cristã recorda o episódio em que Jesus leva três dos seus
discípulos até o alto de uma montanha e se transfigura diante deles. Quais as
lições a Comunidade de Mateus podem tirar meditando o episódio descrito nessa
perícope?
Comecemos pelo fim, quando Jesus
chama os discípulos para descerem a montanha, após acordarem do susto que
tiveram. A palavra de ordem é: “Levantem-se, e não tenham medo.” (Mt 17,7). O
susto dos discípulos, o sofrimento vivido pelas comunidades cristãs, e os
desafios vividos pelas pessoas que acreditaram e acreditam no Jesus, o Filho de
Deus, recebem a mesma ordem, ou seja, não fiquem parado, deitados, presos nos
seus medos por causa dos acontecimentos do tempo presente.
A razão para a superação do medo
é a presença d’Ele, ou seja “Eu estou convosco”. A certeza dessa presença se
deu na voz vinda do céu onde o Pai dá testemunho do Filho “Escutem o que ele
diz”. É preciso ouvir o que Jesus diz, porque Ele “é seu Filho querido, este
lhe dá muita alegria” (Mt 17,5). Todos puderam ouvir essa afirmação. As
comunidades cristãs puderam também recordar essa certeza. Para os tempos
atuais, como é importante recordar isso e não ficarmos presos aos nossos
desejos de buscar criar motivos “de felicidade a todo custo”, como se a
“felicidade” aqui pudesse ser eterna. A felicidade eterna está na glória que os
discípulos contemplaram. É para ela que a comunidade cristã deve insistir no
testemunho da pessoa de Jesus Cristo, mesmo correndo o risco da perseguição e
da morte. As pequenas ilhas de felicidade agora, assim como aquela que os
discípulos contemplaram no topo da montanha, devem ser de motivação, inspiração
para superarmos as cruzes cotidianas, pois devemos ser testemunhas do
Crucificado-Ressuscitado. Não nos deixemos abalar pelas cruzes cotidianas.
Seguir Jesus não significa ficar
só correndo atrás dele e batendo palmas, enquanto buscamos ver apenas seus
milagres ou curas extraordinárias. “O Filho do Homem vai ser entregue nas mãos
dos homens, vai ser rejeitado, crucificado e morto, mas vai ressuscitar ao
terceiro dia.” (Mt 16,21-23). Os discípulos já haviam escutado esse anúncio; as
comunidades já sabiam desse acontecimento e agora experimentavam as cruzes; nós
já conhecemos como isso se deu e como as Comunidades Cristã venceram esses
desafios.
É verdade que todos nós
precisamos de felicidade, de esperança. As primeiras comunidades também
buscavam viver essas experiências para não desanimarem do caminho. Os
discípulos que estavam com Jesus, antes, assustados com o anúncio de sua
paixão, viam agora que era bom ficar no alto da montanha. Pedro disse isso a
Jesus: “Senhor como é bom ficarmos aqui” Mt 17,4). Viam também que eles não
eram os únicos que estavam na montanha com Jesus. Tinham a companhia de Moisés
e Elias. Os personagens do primeiro testamento lembram aos discípulos e às
comunidades vindouras que Deus havia prometido, desde o princípio, revelar a
sua Palavra. E ali estava, a Palavra viva do Pai, Jesus humano, como eles
conheciam, mas agora transfigurado, como nunca podiam imaginar, conversando com
Moisés e Elias.
Diante desta contemplação a
tentação não poderia ser outra; mas sim querer perpetuar aquela sensação de
gozo, de felicidade quase inacabável. “Vamos construir três tendas, uma para
Ti, outra para Moisés e outra para Elias!” (Mt 17,4). Mas ainda não era a hora
da plenitude. A felicidade completa ainda virá e por isso mesmo, eles se
assustam, quando a nuvem luminosa se manifesta e dormem. O sono parece dizer
“esqueçam a ideia de querer prender Jesus” em apenas um momento de felicidade.
A contemplação plena da glória está reservada para quem permanecer fiel, apesar
das perseguições e sacrifícios. Não podemos querer viver uma fé descomprometida
com a cruz, do Cristo, que ainda permanece presente na vida das pessoas da
comunidade e, principalmente, daquelas pessoas crucificadas pela exclusão e,
que vivem fora da Comunidade, longe do topo da montanha.
Assim, ao acordarem porém do
susto, as duas testemunhas – Moisés e Elias – já tinham ido, e só restava
aqu’Ele que fora revelado pelo Pai, Jesus, o próprio Filho de Deus. E com Ele,
era hora de descer a montanha, voltar à planície e continuar a caminhada, sem
fazer barulhos ou alardes, mas testemunhar o que contemplaram no alto da
montanha. Assim fizeram as comunidades cristãs, e o testemunho delas chegou até
os nossos dias.
Vivendo esse tempo quaresmal,
busquemos nos abastecer da Palavra proclamada, nesse retiro espiritual em
preparação para a Páscoa da Ressurreição. Nossas Celebrações Litúrgicas devem
nos ajudar a fazer também uma experiência de transfiguração, como forma de
abastecer a nossa esperança e a certeza de que acreditamos no Filho amado do
Pai. Mas não esqueçamos, as diversas situações de fome, de injustiça, de
violência doméstica e outras, continuam nos interpelando e pedindo de nós um
testemunho real e verdadeiro do Ressuscitado.
Não podemos querer agora armar as
tendas do nosso comodismo. Precisamos vivenciar a experiência da glória do
Senhor e do testemunho do Pai. Mas não podemos cair na tentação reproduzir
“pseudos felicidades”, a qualquer custo, que nos afastem da Cruz dos irmãos e
irmãs. Associadas ao Cristo elas se tornam sinal do Ressuscitado entre nós.
Afinal de contas, é tempo de nos
deixar transfigurar e transfigurar o mundo com o nosso testemunho de cristãos e
cristãs, especialmente lutando contra todas as formas de fome que ainda existem
entre nós.
Pe. Manoel David Neto
CEBI-ES
FONTE: https://cebi.org.br/reflexao-do-evangelho/e-tempo-de-nos-transfigurar-e-transfigurar-o-mundo/
Nenhum comentário:
Postar um comentário