Um texto muito coerente que
o professor Moisés Sbardelotto*, postou em seu perfil do Facebook e que replico
aqui para refletirmos se tudo isso que está acontecendo com a humanidade, é Deus o responsável como onipotente e onipresente.
* O título é autoria do blog.
Nesta pandemia do coronavírus, já me deparei com algumas
interpretações religiosas que me deram calafrios. Em síntese, a ideia é que
Deus não mandou o coronavírus, mas "permitiu" que ele se alastrasse,
para testar a fé da humanidade, para lhe ensinar algo, para lhe recompensar com
um dom maior, coisas desse gênero... Uma liderança religiosa, por exemplo,
falava que se trata de um "retiro" que Deus está nos pregando
(precisava de um vírus letal para isso?).
Assim, caímos no velho dilema: se Deus é onipotente, pode
evitar o sofrimento de uma pandemia. Mas, se ainda não evitou, então ou não é
onipotente ou não é bom.
Não sou teólogo, apenas um teófilo que foi apresentado ao
Deus-Amor a quem Jesus chamava surpreendentemente de "Papaizinho",
"Abbá". João (4,8) diz que "Deus é amor", um amor gratuito,
eterno, que "vencerá inclusive as piores infidelidades", como afirma
o Catecismo (n. 219). João Paulo I chegou a dizer que "Deus é nosso papai;
mais ainda, é mãe". Então, aquele impasse, além de improdutivo, é falso. A
onipotência se Deus se revela precisamente no amor.
E eu mesmo, como pai do Martim, não consigo imaginar um Deus
que possa ser menos amoroso do que eu. Eu nunca mandaria meu filho à beira da
morte. Nunca o faria sofrer nem "permitiria" que ele sofresse
deliberadamente com algo proporcionalmente semelhante a uma pandemia apenas
para testar o seu amor por mim, para lhe ensinar que "não se brinca com
fogo", ou para depois lhe recompensar com um brinquedo novo. Posso ser
limitadíssimo como pai, mas não sou sádico. Essa "pedagogia" é
doentia, nem um pouco humana, em seu sentido mais profundo, muito menos divina.
O mal é sempre um mistério. Nenhuma ponerologia[1], por mais avançada que
seja, consegue explicar a teodiceia.
Então, a pergunta não deve ser "onde está Deus diante da
pandemia?" ou "por que Deus permitiu a pandemia?". São perguntas
injustas com um Deus-Amor.
Ao contrário, a pergunta deve ser: onde estamos nós diante da
pandemia? Por que nós, humanidade, permitimos ou continuamos permitindo a
pandemia?
Há inúmeras causas biológicas que podem ajudar a explicar a
pandemia, mas também há inúmeras outras causas de ordem social, política,
econômica. São verdadeiros "pecados sociais e estruturais", que podem
não ter gerado o vírus, mas prejudicam o seu combate: falta de políticas
públicas, de investimento em ciência e educação, de consciência social e
ambiental, de equidade, de partilha justa dos bens e das riquezas, de
solidariedade...
Mesmo que a pandemia seja apenas um triste "acaso
natural", as respostas que estamos dando, em geral, como humanidade, como
sociedades, como governos, como culturas, como indivíduos, continuam revelando,
muitas vezes, infelizmente, nosso "egoísmo original".
Deus, ao contrário, exatamente neste momento, sofre conosco,
especialmente com os mais frágeis e impotentes diante da Covid-19, dando-nos
colo e ternura. Deus está neles, chorando e gritando junto com eles contra a
pandemia e contra as estruturas sociais, políticas e econômicas que impedem o
enfrentamento do vírus.
Deus, em seu amor onipotente, não provoca, nem
"permite", nem pode parar uma pandemia com um "passe de
mágica". Porque mesmo a onipotência de Deus encontra limites diante da
estupidez humana e de uma liberdade humana irresponsável, que continuam se
manifestando assustadoramente nestes tempos de pandemia.
A "culpa" não é de Deus. Diante do mistério do mal,
portanto, é preciso silenciar. E, diante do mistério de Deus, é preciso pôr-se
à escuta, para sentir e reconhecer a Sua presença sempre amorosa,
principalmente nas situações mais paradoxais. E, assim, poder fazer as
perguntas certas para as pessoas certas.
(Um pouco de boa teologia também sempre ajuda. Sobre a
questão do mal, fica esta sugestão: http://theologicalatinoamericana.com/?p=1293.)
Moisés Sbardelotto*
* Jornalista e
doutor em Ciências da Comunicação. Professor
Colaborador na Unisinos. É palestrante, tradutor e consultor em Comunicação para
diversos órgãos e instituições civis e religiosos. Autor dos livros:
- E o Verbo se fez
rede: religiosidades em reconstrução no ambiente digital (Paulinas, 2017) e de
- E o Verbo se fez
bit: A comunicação e a experiência religiosa na internet (Santuário, 2012).
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