A
GRIPE ESPANHOLA. Hospital militar de emergência durante a epidemia de gripe. Camp Funston, Kansas, Estados Unidos. |
* Artigo de
Víctor Codina
"Onde está
Deus? Está nas vítimas dessa pandemia,
está nos médicos e agentes sanitaristas que os atendem, está nos cientistas que
buscam vacinas antivírus, está em todos os que nesses dias colaboram e ajudam
para solucionar o problema, está nos que rezam pelos demais, nos que difundem
esperança", escreve Victor Codina, jesuíta boliviano, em artigo publicado
por Religión Digital,
22-03-2020.
Eis o artigo:
Felizmente, junto aos aterrorizantes e quase mórbidos
noticiários televisivos sobre a pandemia, aparecem outras vozes alternativas,
positivas e esperançadoras.
Alguns recorrem à história para nos lembrar que a humanidade passou
e superou outros momentos de pestes e pandemias, como as da idade Média e a de
1918 Idade
Média e a de 1918, depois da Primeira Guerra Mundial. Outros se
assombram da postura unitária europeia contra o vírus, quando até agora
discrepavam sobre a mudança climática, os imigrantes e o armamentismo,
seguramente porque essa pandemia rompe fronteiras e afeta os interesses dos
poderosos. Agora os europeus sofrem algo do que padecem os refugiados e
imigrantes que não podem cruzar as fronteiras.
Há humanistas que apontam que essa crise é uma
espécie de “quaresma secular” que nos concentra nos valores essenciais, como a
vida, o amor e a solidariedade, e nos obriga a relativizar muitas coisas que
até agora acreditávamos ser indispensáveis e intocáveis. De repente, baixa a
contaminação atmosférica e o ritmo frenético de vida consumista que até agora
não queríamos mudar.
Caiu nosso orgulho ocidental de ser onipotentes protagonistas
do mundo moderno, senhores da ciência e do progresso. Em plena quarentena
doméstica e sem poder à rua, começamos a valorizar a realidade da vida
familiar. Nos sentimos mais interdependentes, todos dependemos de todos, todos
somos vulneráveis, necessitamos uns dos outros, estamos interconectados
globalmente, para o bem e o mal.
Também surgem reflexões sobre o problema do mal, o sentido da
vida e a realidade da morte, um tema tabu, hoje. A novela “A peste”, de Albert
Camus, escrita em 1947, tornou-se um best seller. Não somente é uma crônica
da peste de Orán, mas sim uma parábola do sofrimento humano, do mal físico
e moral do mundo, da necessidade de ternura e solidariedade.
Os crentes de tradição judaico-cristã nos perguntamos pelo
silêncio de Deus diante desta epidemia. Por que Deus a permitiu? É um castigo?
É preciso pedir-lhe milagres, como pede o padre Penéloux, em “A peste”?
Precisamos devolver a Deus o bilhete da vida, como Iván Karamazov, em “Os
irmãos Karamazov”, ao ver o sofrimento dos inocentes? Onde está Deus?
Não estamos diante de um enigma, mas sim de um mistério,
um mistério de fé que nos faz acreditar e confiar em um Deus Pai-Mãe
criador, que não castiga, que é bom e misericordioso, que está sempre conosco,
é o Emanuel; acreditamos e confiamos em Jesus de Nazaré que vem a nos dar vida
em abundância e se compadece dos que sofrem; acreditamos e confiamos em um
Espírito vivificante, Senhor e doador de vida. E essa fé não é uma conquista, é
um dom do Espírito do Senhor, que nos chega através da Palavra na comunidade
eclesial.
Tudo isso nos impede que, como Jó, nos queixemos
e processemos frente a Deus por ver tanto sofrimento, nem impede que,
como Qohelet, ou Eclesiastes, constatemos a brevidade, leveza e
vaidade da vida. Porém não pediremos milagres a um Deus que respeita a criação
e nossa liberdade, ele quer que colaboremos na realização deste mundo limitado
e finito. Jesus não nos resolve teoricamente o problema do mal e do sofrimento,
mas sim que através das suas chagas de crucificado-ressuscitado nos abre o
horizonte novo de sua paixão e ressurreição; Jesus com sua identificação com os
pobres e os que sofrem, ilumina nossa vida; e com o dom do Espírito nos dá
força e consolo nos nossos momentos difíceis de sofrimento e paixão.
Onde está Deus? Está nas vítimas dessa pandemia,
está nos médicos e agentes sanitaristas que os atendem, está nos cientistas que
buscam vacinas antivírus, está em todos os que nesses dias colaboram e ajudam
para solucionar o problema, está nos que rezam pelos demais, nos que difundem
esperança.
Acabemos com um salmo de confiança que a Igreja nos
propõe aos domingos na hora litúrgica da Completas, para antes de dormir:
“Quem habita ao abrigo
do Altíssimo e vive à sombra do Senhor onipotente, diz ao Senhor: ‘Sois meu
refúgio e proteção, sois o meu Deus, no qual confio inteiramente’
Do caçador e do seu laço ele te livra. Ele te salva da palavra que destrói.
Do caçador e do seu laço ele te livra. Ele te salva da palavra que destrói.
Com suas asas haverá de
proteger-te com seu escudo e suas armas, defender-te.
Não temerás terror algum durante a noite, nem a flecha disparada em pleno dia; nem a peste que caminha pelo escuro nem a desgraça que devasta ao meio-dia”.
Não temerás terror algum durante a noite, nem a flecha disparada em pleno dia; nem a peste que caminha pelo escuro nem a desgraça que devasta ao meio-dia”.
Talvez nossa pandemia nos ajude a encontrar Deus
onde não esperávamos.
FONTE:
http://www.ihu.unisinos.br/597357-por-que-deus-permite-uma-pandemia-e-se-cala-e-um-castigo-onde-esta-deus-artigo-de-victor-codina-sj
Um comentário:
Um artigo que nos chama a refletir. Eis o momento de "amar o próximo como a si mesmo".
Postar um comentário