3º DOMINGO DO TEMPO COMUM: LUCAS 1, 1-4; 4, 14-21
Depois do batismo, conduzido pelo Espírito, Jesus vai ao deserto para enfrentar e vencer as tentações, deixa o deserto e se se insere nas tradições e lutas do seu povo. Ele inicia sua vida pública nos povoados e sinagogas da Galileia. “Ele ensinava nas sinagogas e todos o elogiavam.” Sua ação é como de um mestre e reformador eloquente e experimentado. Mas ele não pretende simplesmente negar as instituições da sua religião e começar tudo de novo.
Jesus frequenta habitualmente a sinagoga. O evangelista Lucas diz que
este era um costume de Jesus. Isso revela em Jesus uma atitude de discípulo.
Como qualquer pessoa que se põe nos caminhos de Deus, Jesus busca um horizonte
e uma referência para sua vida e sua missão. Sedento de utopias humanas e
faminto das promessas de Deus, ele busca orientação na Palavra de Deus. Num
sábado, em meio ao povo reunido, procura e encontra a passagem na qual o
profeta Isaías tenta suscitar a esperança num povo radicalmente desesperançado.
Como Esdras fizera no passado, Jesus lê a palavra que Deus suscitara
mediante o profeta Isaías. Mas a lê também para si mesmo, buscando uma
orientação para melhor entender sua missão. “Anunciar a Boa Notícia aos pobres;
para proclamar a libertação aos presos e aos cegos a recuperação da vista;
libertar os oprimidos, e para proclamar um ano da graça do Senhor.” O Espírito
e a Palavra enviam seus ungidos a uma missão historicamente engajada e
relevante, sempre em favor dos últimos. Estes não são indiferentes ou
estranhos ao povo de Deus.
Não resisto à tentação de comparar o discurso inaugural de Jesus com o
discurso de campanha daquele que, com o nome de Messias, há três anos senta na
cadeira da presidência da república do Brasil. Imaginem Jesus anunciando que
veio para que todos possam ter sua arma, para impedir que os indígenas tenham
sequer um centímetro de terra demarcada, para matar os 30 mil que a ditadura
não matou, para que os últimos continuem no fim da fila… O que me parece
inacreditável é que esse senhor diz agir guiado por sua fé, e é incensado por
multidões que se dizem cristãos!
Jesus cumpriu sua missão num tempo em que a gratuidade não estava em
alta. Os invasores romanos exigiam tributos, mesmo às custas da miséria do
povo, e os sacerdotes cobravam a reparação ritual até das picuinhas. Para o
judaísmo, pobres, presos, cegos e oprimidos eram pecadores e, por isso,
devedores. Para os líderes religiosos, os pecados e impurezas do povo deveriam
ser pagos sem descontos. A pregação do perdão pelo arrependimento era coisa
muito recente e suspeita, sustentada pelo profeta que batizava nas margens do
rio, e poucos outros.
Jesus vai à Sinagoga para resgatar uma esperança enraizada na própria
escritura e para questionar a pregação oficial. Ele entende que sua missão é
anunciar que chegou o tempo do jubileu, do cancelamento das dívidas, da
remissão de todos os pecados, um tempo de misericórdia, e não de sacrifícios.
Para Jesus, Deus não é nem delegado de polícia, nem capitão do exército. Seu
anúncio é um Evangelho, literalmente, uma boa notícia. Por isso, não pode ser
reduzido a uma pesada e sofisticada doutrina moral, imposta a um povo já
cansado e abatido.
A ‘homilia’ que Jesus fez sobre a profecia que leu foi breve e concreta.
“Hoje se cumpriu esta passagem da Escritura, que vocês acabam de ouvir.” A
comunidade, suspensa diante da proclamação da Palavra e com os olhos fixos em
Jesus, foi por ele chamada ao presente concreto. Como ouvinte habitual da
Palavra de Deus, Jesus percebe que o tempo está maduro, e que Deus se dirige a
ele. O filho amado é também o profeta e reformador esperado. Quando a profecia
não se realiza no engajamento nas lutas e movimentos de libertação, é apenas
meia-palavra.
Jesus de Nazaré, ouvinte da Palavra do pai e Palavra que se faz carne
para que toda carne se torne Palavra: ensina-nos a levar sério o teu Evangelho.
Com Paulo, teu apaixonado missionário, descobrimos que teu corpo é formado de
muitos e diversos membros, unificados por teu Espírito. Ajuda-nos a reconhecer
nos pobres membros que precisam ouvir boas notícias; nos oprimidos, membros que
necessitam da tua liberdade; nas pessoas dependentes e endividadas, gente que
tem o direito à gratuidade. E que as sementes do Evangelho germinem em nós.
Assim seja! Amém!
Texto de Itacir Brassiani
Fonte: cebi.org.br
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