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quinta-feira, 15 de julho de 2021

TU CHORAS? OU PERDEMOS AS LÁGRIMAS?

Imagem: Pixabay
Um artigo que toca nossos corações nestes tempos de pandemia e indiferença para com o outro. Muitas  pessoas se trancaram e algumas ficaram inatingíveis. Mas, mesmo assim, muitos continuaram servindo e oferecendo o tinham para ouvir e ajudar. Estes são aqueles que choram sem perder as lágrimas. Parabéns ao autor pela bela reflexão!

TU CHORAS? OU PERDEMOS AS LÁGRIMAS?

Por Alberto Meneguzzi

A pandemia desvendou as sombras de muitas pessoas. Elas foram descortinadas, apresentadas sem dó nem piedade, diante de uma situação extrema que matou milhares de pessoas, deixou outras tantas em situação de pobreza ainda maior, tirou o emprego, a dignidade de muitas famílias, atingiu diretamente os jovens e idosos e, mais do que isso, deixou muitas pessoas afundadas emocionalmente: ansiosas, deprimidas, com síndrome do pânico, assustadas, sozinhas, algumas até preferindo morrer do que viver em tal situação.

Tudo isso tocou diretamente também a vida daqueles que sempre estiveram cuidando dos outros e trouxe à tona a famosa frase: “Quem cuida de quem cuida?” Todos nós, de alguma forma, fomos atingidos, como se um enorme meteoro tivesse devastado nossos corações e mentes. Nós catequistas também cuidamos de nossas crianças, jovens, adultos e por vezes, zelamos com afinco também para que outra pastorais e serviços andem. E quem cuidou de nós? Eu diria que ainda estamos tontos, tentando descobrir o que aconteceu e como podemos sair dessa. E as sombras de ser humano, até então escondidas, foram reveladas, inclusive dentro dos ambientes comunitários e de igreja que vivemos. E com estas sombras tão descortinadas, em muitos casos, apareceu o pior de muita gente.

Quero lembrar um pouco do texto da Campanha da Fraternidade de 2020. No texto base da CF, parece que já se tinha uma previsão do que aconteceria. É bom lembrar que as campanhas da Fraternidade de um ano, começam a ser pensadas quase dois anos antes pelos bispos da CNBB. Em 2018, praticamente não se falava em covid-19. O Tema de 2020 foi “Fraternidade e vida: dom e compromisso. A proposta principal era a de sermos capazes de compaixão. “Essa é a chave. Essa se tornou a nossa chave como cristãos” diz o texto-base. Compaixão.

O Papa explicou o significado de misericórdia nas suas homilias e nos seus escritos: “Proximidade, a afinidade e o serviço como critérios para a ação pastoral. Atitudes que nascem de uma autêntica escuta nos questionam, sobre a compaixão que habita em nossos corações e é expressa em nossas atitudes. Se diante de uma pessoa necessitada você não sente compaixão, o seu coração não se comove, significa que algo não funciona. Fique atento. Não nos deixamos levar pela insensibilidade egoística. A capacidade de compaixão se tornou a medida do cristão, ou melhor, do ensinamento de Jesus” diz o Papa Francisco.

E nós, catequistas, evangelizadores, líderes pastorais, pessoas ativas nas comunidades, neste período de pandemia, exercitamos de que forma a compaixão? Pergunte a si mesmo se o seu coração não endureceu, se não se tornou um gelo.... Tu choras? Ou perdemos as lágrimas?

A crise por causa da pandemia, afetou diretamente as paróquias. Algumas, que nunca prestavam contas de suas finanças, forçosamente tiveram que sair a campo, pedir ajuda, fazer campanhas. Em muitas paróquias, mudou a direção e o sentido das coisas. Agora, quem antes ajudava e doava cestas básicas e colaborava até com dinheiro para várias ações, estava necessitando ajuda. Sim, quem a gente não esperava que um dia precisasse, estava precisando de comida, dinheiro, emprego e, mais do que isso, ajuda emocional. E quem ajudou quem sempre ajudou? Quem teve compaixão de quem sempre se dispôs a colaborar na comunidade? Quem visitou alguma liderança que estivesse abalada emocionalmente com tudo isso? Quem ligou? Quem mandou uma mensagem? Quem se solidarizou de forma anônima?

As comunidades como instituições, tiveram que buscar recursos. A crise bateu. O esbanjamento de recursos que se via em muitas paróquias, teve que recuar. Muitos líderes tiverem que se explicar, priorizar outras coisas, conter os gastos, pedir ajuda, como qualquer família faz quando as coisas não estão bem. Mas, a igreja existe para evangelizar e quem de fato, evangelizou, neste período de crise? Parecíamos mais preocupados com o dízimo, com o retorno das grandes festas de salão, com o não fechamento das igrejas, com as esmolas. Viramos comunidades de “drive trhu” vendendo um espeto de carne enrolado num pacote, uma sopa, um macarrão, um combo de alimentação, a um preço nem sempre modesto, para poder manter a estrutura da igreja, que em muitas comunidades, é um cofre fechado, sem prestação de contas, sem transparência.

E de novo, o cuidado com quem cuida, foi reduzido a “Precisamos de ti aqui para organizar o “drive thru”, para fazer a comida, para confeccionar os ingressos, para limpar o salão, para buscar apoios e patrocinadores e os brindes do rifão”. E com o coração dilacerado, doído, muitos de nós fomos à luta, mesmo abatidos e quase se forças, porque em nossas próprias casas o dinheiro desapareceu, o emprego sumiu, a vergonha se tornou companheira, a saúde ficou debilitada, a comida se tornou escassa, a fragilidade tomou conta e ninguém nos visitou ou se preocupou em saber “Como tu estás? Precisas de algo?

Voltando às sombras, no coração de muitas pessoas já está incrustrado há muito tempo sentimentos como a indiferença, o ódio, a homofobia, a hipocrisia, o preconceito, o racismo, a diferença política, a raiva, a violência, o egoísmo, a intolerância e falta total de empatia (a palavra do momento). Mesmo dentro do coração de muitos que se dizem cristãos, que frequentam a missa diariamente ou estão nos cultos. Mas quando isso fica guardado e grudado dentro da gente, e aparece um porta-voz para dizer o que sempre muitas pessoas tiveram medo de dizer, a turba cresce e se avoluma nos sentimentos mais pobres, tenebrosos, ridículos, deselegantes, desumanos, desrespeitosos, violentos e egoístas. E tudo isso em nome de Deus, pelo menos é que estes falsos profetas dizem. E no auge, as redes sociais deram forma e coragem para os que preferem se esconder atrás da tecnologia porque sentem vergonha de sempre estarem escondido na própria sombra.

Parece que nesta pandemia, o “Viu, sentiu compaixão e cuidou dele” da CF 2020, se transformou em “Não quis ver, não sentiu nenhuma compaixão e se afastou dele” E muitos cristãos e católicos agiram assim: entraram na onda do ódio, da revolta, da ideologia política, justificando atitudes podres e publicações sem noção e respeito, aliando a isso, pensamentos desumanos, em nome de Deus e da família: rezam nos templos, se colocam como líderes proféticos e ao mesmo tempo destilam ódio e desamor. Se apossam de teorias falsas e mentirosas, fazem escárnio da ciência e de medicina. Sentimentos que até então sempre estiveram ali, guardadinhos em seus corações e agora foram aflorados pela sombra que se foi.

Busca-se sempre a palavra amor para contrapor tudo isso. De fato, quem ama não julga, suporta, se compadece. O egoísta é prepotente, cujo alcance da visão e do coração é ele mesmo, julga o mundo a partir de si, esquecendo-se de que o seu olhar está embaçado pelo pecado e seu coração entupido pela maldade.

Não seria um mundo diferente se houvesse menos voracidade e mais partilha?

Não podemos propor um ideal de santidade que ignore a injustiça deste mundo, onde alguns festejam, gastam folgadamente, postam seus feitos em redes sociais, reduzem a sua vida às novidades do consumo, ao mesmo tempo que outros se limitam a olhar de fora enquanto a sua vida e termina miseravelmente?

O próximo não á apenas alguém com que possuímos vínculos, mas todo aquele de quem nos aproximamos. É todo aquele que sofre diante de nós. Não é a lei que estabelece prioridades, mas a compaixão que impulsiona a fazer pelo outro aquilo que é possível, rompendo desta forma a indiferença. A fé leva necessariamente à ação, à fraternidade e à caridade. Não há outro jeito.

Pergunte a si mesmo se o seu coração não endureceu, não se tornou um gelo. A compaixão expressa o zelo aos moldes de Deus: aproximar-se e fazer-se útil ao outro. Servi-lo. Ver, sentir compaixão e cuidar. Uma verdadeira atenção pelos outros, rompimento com a indiferença frente ao sofrimento, verdadeira atenção , romper a indiferença frente ao sofrimento e disponibilidade para o serviço. Somos todos irmãos e irmãs e, por isso, responsáveis uns pelos outros. Assim se define a vida.

Tu choras? Ou perdemos as lágrimas?

**Texto que escrevi inspirado no Santo Evangelho e no livro base da Campanha da Fraternidade de 2020.

Alberto Meneguzzi
Caxias do Sul – RS.

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