A gente fala de política na
catequese? Numa resposta bem “saudável” para todos, eu diria que ultimamente não se deveria falar de política em lugar
algum, se quisermos manter a paz do ambiente. Não da política brasileira,
pelo menos. No entanto, a realidade que estamos vivendo, pede nosso
envolvimento, pois trata-se da preservação da nossa sociedade.
O assunto está aí nos
telejornais, jornais, revistas e nas redes sociais. E esta última é preocupante
do ponto de vista de que nossas crianças e jovens tem amplo acesso às mídias
digitais, e estão tomando conhecimento de “como” os adultos (incluindo seus
pais e catequistas) estão tratando o assunto. E, sinto dizer, alguns “adultos”
estão falando do assunto com total imaturidade. Estão expondo seus pontos de
vista de forma parcial, sem uma análise crítica dos fatos e – gravemente –
externando discursos preconceituosos e carregados de ódio.
E como entrar nesse assunto em
nossos encontros? Ou devemos ignorar totalmente o que vem acontecendo no Brasil
e tratar exclusivamente dos nossos roteiros temáticos usuais? Mas, se formos
por este caminho, onde fica a “interação fé e vida” que deve perpassar a nossa
prática catequética?
Na catequese dos pequenos, até
podemos “deixar pra lá”, já que eles
não têm muito acesso aos meios de comunicação digital (ainda gosto de pensar assim!). Mas, eles têm acesso às conversas
dos pais, dos grupos familiares, etc. Então, se perguntas surgem, é bom estar
preparado para responde-las.
Já na catequese dos
adolescentes e jovens, este é um assunto que deve ser tratado. Eles
estão aí, com amplo acesso a tudo que acontece no mundo. Às vezes pode até
parecer que política não seja do interesse deles, mas, ela faz parte da
sociedade em que eles vivem e afeta suas vidas.
Então
como tratar de um assunto tão delicado como a política, nos dias de hoje?
Primeiro que o assunto não
deveria ser “delicado”. Só o está sendo por conta das defesas “apaixonadas” de
alguns e das críticas ferrenhas de outros. A “delicadeza” da coisa se mostra quando
citamos “nomes” de políticos e partidos. É como torcer para um time de futebol
no Brasil. O meu é bom e o seu não
presta! E episódios de violência em estádios e ruas têm sido frequentes.
Parece que perdemos a capacidade de defender um ponto de vista sem nos
distanciarmos da civilidade. E futebol, religião e política; acabam sendo temas
polêmicos causando desavenças irreconciliáveis até.
Ao tocarmos em um assunto tão
polêmico com nossos adolescentes e jovens, muito provavelmente, vamos esbarrar
em opiniões bem eloquentes e preconcebidas, herdadas de seus pais. E vão se
repetir, sim, discursos de ódio e preconceito. É justamente aí que entra o
nosso papel de propagadores da fé e crença no projeto de Jesus Cristo: uma
sociedade justa, fraterna, onde as pessoas convivam com suas diferenças, sem
usarem a discriminação e a violência. Uma sociedade de amor e respeito ao
próximo.
Neste caso, compete ao
catequista promover o diálogo, mediando as discussões de forma a enaltecer
justamente isso: como estamos tratando o assunto? Com nossos valores cristãos
ou como qualquer outra pessoa que não conhece Jesus? Está havendo “diálogo” ou “briga
de foice no escuro”*?
Iluminar
o encontro
Para “iluminar” nosso encontro
é bom escolher uma passagem bíblica que nos leve a refletir basicamente sobre o
que vem acontecendo na política brasileira: os vários julgamentos deste ou daquele político por crimes de corrupção e
outros termos jurídicos como: lavagem de dinheiro, desvio de verbas, compra de
votos e outros.
Julgar
nada
mais é do que olhar os fatos para a apurar o que é certo e errado. Não é errado
julgar para entender se uma ação é certa ou errada. Mas quando entendemos que
algo é errado, temos a responsabilidade de não fazer aquilo. Assim como não
podemos julgar usando de nossas próprias “leis”. Ou condenando-as antes de
saber se realmente são culpados.
Precisamos ter cuidado com
julgamentos. Muitas vezes julgamos de maneira injusta, olhando as aparências ou
sem tentar entender direito. Não devemos condenar as pessoas, sem misericórdia.
Assim como Deus nos perdoou, nós também devemos perdoar os outros.
A Bíblia traz várias passagens sobre o “Julgar” e “não
Julgar”:
“Não julguem apenas pela aparência, mas façam julgamentos
justos". (João 7,24)
"Não
julguem, para que vocês não sejam julgados. Pois da mesma forma que julgarem,
vocês serão julgados; e a medida que usarem, também será usada para medir
vocês. "Por que você repara no cisco que está no olho do seu irmão e não
se dá conta da viga que está em seu próprio olho? Como você pode dizer ao seu
irmão: 'Deixe-me tirar o cisco do seu olho', quando há uma viga no seu?
Hipócrita, tire primeiro a viga do seu olho, e então você verá claramente para
tirar o cisco do olho do seu irmão. (Mateus 7, 1-5).
Amados, não creiam em qualquer espírito, mas examinem os
espíritos para ver se eles procedem de Deus, porque muitos falsos profetas têm
saído pelo mundo. (1João 4,1).
Irmãos, não falem mal uns dos outros. Quem fala contra o seu
irmão ou julga o seu irmão fala contra a Lei e a julga. Quando você julga a
Lei, não a está cumprindo, mas está agindo como juiz. Há apenas um Legislador e
Juiz, aquele que pode salvar e destruir. Mas quem é você para julgar o seu
próximo? (Tiago 4, 11-12).
Portanto, você, que julga os outros é indesculpável; pois está
condenando você mesmo naquilo em que julga, visto que você, que julga, pratica
as mesmas coisas. Sabemos que o juízo de Deus contra os que praticam tais
coisas é conforme a verdade. Assim, quando você, um simples homem, os julga,
mas pratica as mesmas coisas, pensa que escapará do juízo de Deus? (Romanos 2,
1-3).
A
passagem de Mateus 7, 1-5, é o texto principal para nortear o encontro. É um
trecho do “Sermão da Montanha”, ensinamentos deixados por Jesus para que as
pessoas alcancem as Bem Aventuranças e assim tenham o “Reino dos Céus”.
Felizes os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados.
Felizes os que são perseguidos por causa da justiça, porque deles é o Reino dos Céus.
Com certeza a leitura e
reflexão destes textos bíblicos trarão o “tom” ao encontro. Sim, é preciso “julgar”,
mas, julgar de forma coerente e justa, sem perseguir esse ou aquele e sem precipitação.
Olhar
a realidade
Nossos adolescentes precisam
ser convidados a “olhar” a realidade, primeiro com os olhos da fé, com amor e
misericórdia, acreditando que por mais que existam culpados, estes precisam ser
julgados e condenados, primeiro pela própria justiça dos homens; e depois, pela
justiça de Deus. Praticar a intolerância e o pré-julgamento não são práticas
cristãs.
Depois vem a questão de que,
ao se olhar esta realidade, a princípio, parecer não haver políticos honestos e
que toda a máquina de administração pública está envolvida em corrupção. Este é
um problema sério. Perdemos totalmente a confiança
no outro. E esse “outro”, são as corporações privadas, empresários, representantes
da sociedade, e não só as pessoas que, democraticamente, deveriam nos
representar e que nos “traem” em nossa confiança sem o menor remorso. E não há uma
só direção ou ideologia política que está “podre” em nosso cesto de maças. São
várias, esquerda, direita, centro... enfim. Tem sido assustador olhar o
horizonte do Brasil. E a perplexidade ante as informações que recebemos é o tom
da hora.
E
cuidado ao colocar estas “informações” no seu encontro!
Infelizmente os principais veículos de comunicação em nosso país, não conseguem
a devida “isenção” e imparcialidade ao comunicar a informação. Leia vários jornais, assista vários canais,
olhe vários sites na internet e escolha aquele que tenha o melhor discernimento
sobre tudo que está acontecendo. Fuja da citação de “nomes” deste ou daquele e
não faça “julgamento” de nenhuma pessoa.
Como
agir?
Precisamos dar aos nossos
jovens ESPERANÇA. Esperança num
futuro onde a justiça prevaleça, onde os homens encontrem solução para seus
problemas sociais e que possamos discutir política sem nos agredirmos.
E essa esperança passa
sobretudo por ELES: nossos pequenos, nossas crianças, nossos adolescentes e
jovens; que estão aí assistindo toda essa derrocada da nossa política. Sem
dúvida é uma grande responsabilidade, mas, nosso FUTURO democrático depende
deles, de suas ações, de suas crenças e valores e de sua vontade de AGIR.
Hoje, o jovem pode votar aos
16 anos. E em 2019, alguns dos nossos catequizandos já vão votar e alguns até
já estão votando. Que estas “lições” que estamos tendo hoje, pela nossa
irresponsabilidade nas urnas, seja uma lição que o jovem aprenda, para não
repetir nossos erros.
Sem dúvida, a oração também é importante. Precisamos rezar
pelo destino do nosso povo, rezar para que a justiça dos justos prevaleça, para que nossa população tenha paciência,
saiba enfrentar estes tumultos com o coração contrito, mas, que prevaleça a paz
entre nós.
O catequista aqui, deve ser a última pessoa a fomentar discórdia, a
promover discurso de ódio em suas páginas na rede social. Que a justiça seja feita, mas, somos também
responsáveis pela disseminação do amor, da paz, da compreensão e da
misericórdia. Não esqueçamos disso.
Concluindo...
Religião e política, podem e
devem caminhar juntas. Elas só se desencontram quando a intolerância religiosa
se choca contra o estado democrático. Pode parecer a princípio que elas
são “sal” e “açúcar”. Mas, vale lembrar que ambos são necessários em várias
receitas.
O cidadão não está dissociado
do cristão. Quando saímos do âmbito teórico espiritual da religião, percebemos
que ambas: política e religião, em suas funções e serviços, tem papéis sociais semelhantes
na prática. Muitos são os projetos sociais criados por instituições religiosas,
que colaboram diretamente com o Estado, beneficiando de forma efetiva a muitas
comunidades em todo país, onde nota-se a política caminhando junto com a religião.
Nos últimos tempos em nosso
país, as palavras política ou político têm recebido forte conotação pejorativa,
especialmente em virtude da corrupção generalizada, escândalos nos governos e
má administração do dinheiro público, (como vimos nesta semana em grau
elevadíssimo). Neste cenário, escutamos muita gente dizer que não gosta de
política. No meio cristão, muitas pessoas acreditam ser completamente
desnecessário o envolvimento com as questões públicas (como se fosse possível),
o que tem fortalecido esse conceito de que política e religião não se misturam.
Contudo, necessário é compreender que a participação política é uma necessidade
vital de todos os indivíduos, inclusive cristãos. E, ainda mais, pelos VALORES que temos intrínsecos.
Fonte: IBGE 2010
A população brasileira é
majoritariamente cristã (87%) em sua diversidade religiosa, (estatística IBGE
2010) logo, é natural que hajam representantes políticos religiosos. Dissociar
isso é perigoso.
Ângela Rocha
Catequista
* O termo “Briga de foice” é usado para caracterizar uma briga em que, usando-se essa ferramenta a esmo (no escuro), qualquer um que esteja por perto poderá ser decepado, independentemente de ser o alvo ou não.
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