Um exemplo do que
significa “Vigiar e Orar” no coração de mulheres de fé
“Vigiai e Orai” (Mc 13, 33)
Elaine Neuenfeldt
Esta é uma fórmula que fica guardada na memória ao ler este
texto bíblico. Estar atentos combinado com a oração. É esta a principal
mensagem do que se guardou na memória em relação a este texto. E muitas vezes
já se afirmou que oração sem ação ou igualmente ação sem oração se torna vazio
de sentido na prática cristã.
O texto do evangelho de Marcos a ser refletido no primeiro
domingo de Advento reflete uma linguagem apocalíptica, ou um jeito de dizer
profecia em tempos de perseguição e perigo. O contexto do texto na época
reflete o período conturbado da destruição do Templo de Jerusalém pelos romanos
e a subsequente perseguição, morte e violência sofrida neste período. Vigiar
constantemente, em todos os momentos – à tarde, à meia-noite, ao cantar do
galo, pela manhã engloba todas as horas do dia. Não há tempo de deixar cair a
guarda, de cochilar. Estas são recomendações que se encaixam no período
litúrgico celebrado: o Advento. Advento é tempo de espera, de esperança; mas
não uma espera passiva, de cruzar os braços. Esperança ativa que se desenvolve
em ações que concretizam os anseios da oração feita é o que envolve o período
do advento – do tempo que já vem.
Este primeiro domingo de advento foi celebrado em 2011 num
momento que se outorgaria no dia 10 de dezembro, em Oslo, Noruega, o prêmio
Nobel da Paz a três mulheres: a presidente da Libéria, Ellen Johnson Sirleaf, a
militante Leymah Gbowee, também liberiana, e a jornalista e ativista iemenita
Tawakkul Karman. É de destacar que em 111 anos, apenas 12 mulheres haviam
recebido o Nobel da Paz. Considerando todas as categorias do prêmio, até aquele
momento apenas 44 mulheres haviam sido agraciadas. [1]
É a história de vida de uma delas que se faz presente neste
contexto de reflexão sobre a espera ativa de oração e ação em tempo de advento.
Leymah Gbowee teve um papel importante como ativista durante a segunda guerra
civil liberiana, em 2003. Ela mobilizou as mulheres no país pelo fim da guerra,
organizando inclusive uma “greve de sexo” em 2002. Também organizou as mulheres
acima de suas divisões étnicas e tribais no país, ajudando a garantir direitos
políticos para elas. Estas são as informações que são destacadas na imprensa em
geral, de Leymah Gbowee. O que quero trazer aqui são detalhes um pouco mais
amplos que ajudam a entender de onde vem a motivação desta mulher.
Leymah é cristã, e sua prática de fé se insere na Igreja
Luterana da Libéria, que é membro da Federação Luterana Mundial. No início de
sua militância ela foi presidente da organização de mulheres da Igreja Luterana
St. Peter, na capital Monrovia. Junto com outra mulher, Comfort Freeman,
organizaram o “Programa Mulheres Construindo a Paz”. Esta organização foi
plataforma ativa de mulheres engajadas na superação da violência, pelo fim da
guerra na Libéria.
“O povo da Libéria tem esperança”, dizia Gbowee
naquela época, se referindo às mulheres que iniciaram os seus dias sentando por
paz em meados de abril, na capital Monrovia. Sob sol ou chuva as mulheres da
Libéria se reuniam para afirmar seu compromisso pela paz. Elas se reuniam para
protestar contra as ações de todos que perpetuavam a violenta guerra civil.
“Nossa visão é pela unidade de nossas famílias e a
eliminação da fome e das doenças. Nós cremos que as mãos poderosas de Deus nos
acolhem neste esforço. Deus voltou seus ouvidos para nós.” [2]
O que elas faziam? Elas se reuniam para sentar e orar juntas!
Mas, sua oração era uma oração que juntava em si o que o texto de Marcos
recomenda – Vigiai e orai. A oração ativa e engajada destas mulheres lideradas
por Laymah se dava nos mais diferentes lugares na igreja, nas casas, nas
ruas, ou em pontos estratégicos, como na frente dos portões do exército onde os
caminhões de guerra saíam com os soldados prontos para as batalhas na guerra
sangrenta que assolou o país.
As mulheres superaram barreiras culturais que as prendiam a
serem donas de casas expectadoras da violência, ou limites religiosos – elas
reuniram cristãs e muçulmanas em suas ações de paz. Elas firmemente
pronunciaram com suas palavras que basta! Chega de violência e guerra! Queremos
paz! E tomando o rumo de suas vidas e de suas famílias em suas mãos, juntaram
as mãos em oração por paz. Seu movimento foi juntando mais adeptas e com a
pressão de serem muitas, em redes, em grupos, foram forjando os rumos do fim da
guerra no país. De 1989 a 2003, a Libéria enfrentou uma das piores e mais
violenta guerra civil na África; grupos rebeldes e forças governamentais se
enfrentaram em batalhas pelo poder, em conflitos étnicos e políticos. [3]
Em 2008, eu tive a oportunidade de visitar a igreja Luterana
da Libéria e conhecer o trabalho das comunidades e dos grupos de mulheres que
seguem firmes no testemunho de ser igreja inserida no contexto de pobreza,
testemunhando com ações diaconais a presença do Evangelho libertador neste
mundo. As mulheres seguem reunindo-se em oração, que são momentos de memória
que está vigilante para que a guerra não volte, para que a paz, mesmo que
frágil, siga regendo a vida desta sociedade tão sofrida. As mulheres
guardam na memória que a oração é capaz de parar os tanques de guerra.
A história de vida e testemunho de fé desta mulher que foi
reconhecida internacionalmente laureada pelo premio Nobel da Paz ajuda na
reflexão neste tempo de advento, inspirada pelo evangelho de Marcos, que exorta
a vigiar e orar. A oração militante destas mulheres da Libéria é um exemplo
concreto de como esta exortação se transforma em prática.
* Elaine Neuenfeldt é pastora da IECLB, trabalhando na Federação Luterana Mundial responsável pela oficina de Mulheres na Igreja e na Sociedade.
FONTE:
https://cebi.org.br/reflexao-do-evangelho/reflexao-do-evangelho-vigiai-e-orai/
Nenhum comentário:
Postar um comentário