* D. orlando Brandes
Quaresma é um tempo
especial porque nos coloca em contato com o centro, o coração, a essência da fé
cristã. “Deus amou tanto o mundo a ponto
de dar o seu Filho Unigênito” (Jo 3, 15). Na quaresma somos convidados a
percorrer o caminho da paixão do Senhor e realizar uma romaria para dentro de
nós mesmos. É uma via-sacra, uma procissão, uma peregrinação da fé e de
conhecimento interno do amor de Deus. Trata-se de um retiro espiritual.
São muitas as
maneiras de vivermos espiritualmente a quaresma. A primeira delas está em ter
olhos fixos em Jesus, através dos santos evangelhos da paixão do Senhor. Eles
mexem com o nosso pensar, sentir e agir. São uma catequese que nos faz perceber
mais profundamente quem somos nós, quem é Deus, o que é o pecado e a liberdade,
o que é fé e salvação. Tudo isso está consignado na confissão de fé do
centurião romano: “Este homem era realmente o Filho de Deus.” (Mc 15,39).
Outra maneira de
vivermos cristãmente a quaresma consiste na prática da oração, do jejum, da
esmola, que nos levam a confessar e reparar nossos pecados e a amarmos Deus de
todo coração e a nossos irmãos como Cristo nos amou. A quaresma nos atrai para
o alto, para o bem, para a graça, para a mudança de vida, para uma nova mentalidade e novo jeito de viver.
Quaresma não significa tristeza, sisudez, culpa, mas, descoberta, encantamento
e seguimento do caminho de Jesus. Acertar nossos passos com os seus passos,
nossos pensamentos e sentimentos com os seu.
Este tempo quaresmal
nos conceda a chance de entrarmos em contato mais consciente com a “paixão do
mundo”, o sofrimento humano, diante do qual não podemos nos omitir e nem
somente protestar. A paixão de Jesus continua na história da humanidade e isso
suscita em nós sentimento de compaixão pelo mundo. Somos tocados, afetados e
envolvidos pela dor humana. Tornamo-nos solidários dos irmãos e nos propomos a
ser seus Cirineus, carregadores de seus fardos.
A espiritualidade
quaresmal é um remédio que cura, uma luz que transforma, aquece e ilumina, uma
fonte inesgotável e transbordante de misericórdia e esperança e esperança, um
verdadeiro útero regenerador. Colacamo-nos frente a frente conosco mesmos, com
os outros, com Deus. Quaresma é um caminho que leva a estes encontros. O
coração transpassado do Senhor simboliza o oceano do amor de Deus, a fonte, o
rio, a cascata que testemunham a ternura, o carinho, a bondade de Deus e sua
compaixão. Nossos corações também se dilatam, nossos olhos se abrem, nossos
braços se erguem tocados por tanto amor.
Como seria bom se a
quaresma aumentasse em nós o amor do discípulo amado, as lágrimas de
arrependimento de Pedro, a sensibilidade de Verônica, a conversão do centurião,
a solidariedade das filhas de Jerusalém, o desejo do bom ladrão, a compaixão de
Cirineu, a fé de Maria, a nobreza de José de Arimatéia. Todavia a maior graça
da quaresma é a fascinação por Jesus Cristo.
Como não sentir
arrebatamento diante de sua atitude filial na paixão, sua delicadeza com as
pessoas, seu conselhos e palavras consoladoras, seu humanismo e seu jeito tão
humano de expressar os sentimentos e emoções ao Pai e às pessoas.
Estamos no Ano da fé.
Toda a vida de Jesus foi uma confissão de fé no amor do Pai, uma obediência
filiar, um cumprimento das Escrituras, uma realização da vontade de Deus. Jesus
é o caminho que encontramos através da porta da fé. Uma quaresma vivida na fé é
um caminho que nos leva longe, muda rotas, abre horizontes, recria vidas.
Dom Orlando Brandes
Arcebispo de Londrina
Folha de Londrina, 1º de março de 2014.
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