O OITAVO
ENSINAMENTO – Dominar o olhar (Mt 6, 22-23).
A candeia do corpo são os olhos; de sorte que, se os teus olhos forem bons, todo o teu corpo terá luz.
A lâmpada do corpo são os olhos. Tudo começa no olhar, na higiene do olhar. Sem limparmos e lavramos os olhos não há como enxergarmos. Precisamos treinar o nosso olhar. Nossos olhos agarram muita coisa, fica muita poeira, depois vemos tudo com este filtro. É decisiva higiene do olhar. E pelos olhos começa a nossa desgraça. O pecado original na Bíblia é ver o mal. E o que é ver o mal? É “inver”, o contrário de ver. Você veja é o contrário de “você inveja”. Verdade! A palavra inveja é o contrário de ver, do nosso latim “invides”, é uma anulação da visão. Isso é invejar. Invejar é ver o mal. E não ver ou ver ao contrário. Invejar é revirar os olhos diante do outro e vê-lo assim, de olhos revirados.
No livro do Gênesis diz que tudo começa com o
olhar, porque ele é muito curioso, porque nós temos na primeira página da Bíblia,
aquela da criação, aquele poema fantástico do Criador, em que diz: “E Deus
olhou e viu que era belo”, Tov em, hebraico. (Belo e bom é a mesma
coisa em hebraico). E Deus viu que era belo e bom. E ficou feliz com aquilo e
mais nada. E pelas outras coisas, pássaros e seus chilreios, Deus olhou e viu
que era belo. E continuamente este refrão. Viramos a página, continuamos a ler
e aparecem Adão e Eva, essa parábola mítica da nossa condição - porque é o que
nós somos – a insinuação, na nossa vida personificada em Eva. E qual é a
insinuação? : “Adão, ouvi dizer que Ele nos proibiu de alguma coisa... Disse
que podíamos comer de tudo e tal, mas dessa árvore não.”
A árvore da penetração do bem e do mal. É
assim que se chama. Não é “conhecimento”, a palavra é penetração. Tem o
conceito de romper, rasgar. De forçar. E o homem não pode “desvirginar” esta árvore,
esta sabedoria. “Deixa lá, não manipules isso, Deus disse que podíamos comer
de tudo menos essa... do bem e do mal”. E a insinuação, essa manha dentro
de nós a dizer: “Ah não!, Ele disse isso porque sabe que se eu comer meus
olhos vão se abrir e vão ver...”.
Você vê qual é o desejo aí? Vão abrir os olhos e eles vão ver. Mas, eles estavam cegos? E continua e diz que nesse momento Eva olhou e viu, olhou o fruto e viu que era bom para comer. Opa! Tá tudo estragado! Reparem que Deus também tinha se fartado de olhar. Deus olhou e viu... “para” estraga tudo. Deus encanta-se e admira com a criação. Qual o nosso olhar? Isso é belo e quero! É o olhar da criação mimada, criança de todas as idades. Ela olhou e viu que era bom... para si mesma! Então venha porque é bom para mim. Deu ao marido e nesse momento abriram-se os olhos, viram que estavam nus. E nesse momento eles viram-se mal. Viram-se envergonhados um do outro. Coisa que nunca tinha acontecido. Há um abrir os olhos que faz ver o pior. É uma maneira de ver o que há de pior. Invejar é este o problema do olhar. É ver o que é bom, mas, não é bom ali. Aquela pessoa faz aquilo muito bem-feito, faz bem aquela atividade... Mas, eu não consigo admirar “ali” como bom. Era bom pra mim, era bom se eu que fizesse e fosse. Dá uma raiva que seja ele a fazer! Isso é inveja!
São Tomás de Aquino define a inveja como a tristeza pelo bem alheio. Que não tem nada a ver com cobiça. A cobiça pode até ser boa: o outro faz um bem, faz uma coisa bem, desta ou daquela maneira e gera em mim um dinamismo de cobiça, ou seja, também quero e vou lutar para fazer isso também. Isso é bom. A cobiça tem muito de bom. A inveja não.
A inveja deixa no meu íntimo, na minha espiral, no meu torvelinho, a zanga pela não admissão de que aquilo é um bem e é bom, mas não é meu. Há uma tristeza enorme por isso. A inveja é assim. E diz a escritura que o curioso é que tudo começa por aí... A desgraça dos olhos. Por isso Jesus diz: Cuidado gente! Olha que para a vida estar iluminada ou as escuras... onde é que se joga isso? Onde é que se desliga a luz? Qual é a lâmpada do corpo? São os olhinhos! É o que Jesus diz, não com este tom, mas ele diz “A lâmpada do corpo são os olhos...”. Por isso, cuida dos teus olhos, são lanternas para manter sua vida iluminada. Se seus olhos estão no escuro, sua vida é escura. Veja como é que está vendo, não inveje, não deseje. Que aliás é um pecado que ninguém tem... Você conhece uma pessoa invejosa? Que admite isso? Não existe. Não escutamos essa confissão de pessoa alguma.
Coisa curiosa: há dois pecados que ninguém tem, inveja e preconceito. Vocês conhecem alguma pessoa preconceituosa? Que diga que é? Não existe no mundo, ninguém admite isso. Na lista clássica dos pecados mortais, admitimos todos, até com certa vaidade... A luxúria, rabo de saia, a carne é fraca e tal... Comer todo o pudim, é verdade, sou guloso. Qualquer outro pecado, nós justificamos, admitimos que temos até com algum júbilo. A ira... tenha calma... ter calma nada, não posso ver isso... Não é ira, é zelo. Todos os pecados são admitidos, mas vocês não encontram ninguém que admita ser invejoso. É algo tão original que vem do relato primordial da Escritura. É algo fundante a nós, está na intertela da nossa estrutura íntima, que nós não vemos e não admitimos. Invejoso? Eu? Quero ver as pessoas felizes e tal... Ninguém é invejoso e preconceituoso. Tem preconceito contra negros? Não, não. Eles são preguiçosos, mas isso não é preconceito... Ninguém é invejoso ou preconceituoso. Nós somos muito falhos para tocar no que é de mais íntimo em nós. Isso é intocável em nós...
E dentro disso, inveja, deste olhar torto, distorcido está o mandamento tão simples, tão basilar a Jesus que é o “não julgarás”. Porque é isso que acontece quando temos inveja. E é isto que acontece quando a gente é preconceituoso, ou seja, vemos mal, vemos torto, invejamos, julgamos, condenamos.
Pe. Rui Santiago - Centro
de Espiritualidade Redentorista de Braga PT.
Obs. Transcrição do sermão feito no CER de Braga – Portugal, por Ângela Rocha.
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