CONHEÇA!

Mostrando postagens com marcador Pe. Rui Santiago. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Pe. Rui Santiago. Mostrar todas as postagens

quarta-feira, 28 de agosto de 2024

A FÉ...

Imagem: Pixabay

 "A Fé consiste em “acreditar que”… 

E, continuando a frase, pode pôr a seguir tudo o que quiser por mais correto ou bonito que seja! Porque é possível afirmar todas as normas eclesiásticas e concordar devotamente com cada letra de cada dogma e não ser, em absoluto, um discípulo de Jesus de Nazaré! 

A Fé é mais a inquietação da Confiança que nos abre aos convites amorosos da Vida do que a ilusão controladora dada pelas certezas dogmáticas e disciplinares. Andamos totalmente em contramão com o Evangelho de Jesus enquanto procuramos uma Fé que seja qualquer coisa como um seguro contra todos os riscos. 

A verdade é que a lógica do Reino de Deus costuma tornar-se um risco contra todos os seguros… O papa Francisco, no número 270 da Evangelii Gaudium, disse que Jesus “espera que renunciemos a procura daqueles abrigos pessoais ou comunitários - e eu acrescento, ou dogmáticos - que permitem manter-nos à distância do nó do drama humano, a fim de aceitarmos verdadeiramente entrar em contato com a vida concreta dos outros e conhecermos a força da ternura. Quando o fazemos, a vida complica-se sempre maravilhosamente e vivemos a intensa experiência de ser povo…”

(Pe. Rui Santiago Cssr em "Estou em Crer", 2014).




domingo, 28 de julho de 2024

ESPIRITUALIDADE PRÁTICA OS 10 ENSINAMENTOS DO SERMÃO DA MONTANHA - 9º e 10º


ESPIRITUALIDADE PRÁTICA
OS 10 ENSINAMENTOS DO SERMÃO DA MONTANHA - 9 e 10
(Mateus 5, 6 e 7)

Pe. Rui Santiago, cssr.

O NONO ENSINAMENTO – Não julgar (Mt 7, 1 e ss).

Não julgueis, para que não sejais julgados.

É um mandamento tão simples: Não julgar! Como é que não entendemos ainda? A não olhar para o outro condenando-o. Quantas vezes já dissermos na nossa vida: “Ah, se eu soubesse...”. Julgamos alguém por causa desta ou daquela situação, por aquela palavra, por aquela maneira de reagir, e julgamos e fazemos logo um “filme” que continua em nossa cabeça. Depois a gente descobre que a pessoa estava assim porque tinha perdido alguém nesse dia. E nós? “Ah se eu soubesse...”. Pois é, não sabia, nuca sabe. Admita que diante do outro está sempre diante de um mistério, sempre. Até aquela pessoa com quem vive há 40 anos, na mesma casa. Você não tem o manual de instrução desta pessoa não! Há muita coisa que essa pessoa faz, diz, reage que você não sabe de onde vem e nem porquê. Você vive consigo mesmo deste que nasceu e não se entende! Vai tentar entender os outros?

Pelo menos, a humildade. Quantas vezes eu digo: Não sei como fiz isso, isso não sou eu! Quantas vezes reconhecemos que somos um mistério para nós mesmos. Que não entendemos muitas das nossas reações, escolhas, medos, ansiedade, opções, intenções... Se eu sou tão enigmático para mim mesmo, como é que pode passar pela minha cabeça que eu tenha conhecimento sobre alguém, suficiente para julgá-lo? Como? Se você não tem o conhecimento suficiente para se converter, para partir do princípio que está diante de um mistério... Não é que “se eu soubesse”, a verdade é que você não sabe mesmo!

Nós aprendemos com Jesus a não condenar ninguém, sobretudo quem está condenado pelos profissionais da condenação que existem em todos os tempos e lugares. Sobretudo quem já está condenado pela sua condição de sofrimento interior. Nós aprendemos com Jesus a não condenar. Ninguém, ponto! Não é ninguém exceto qualquer coisa. É ninguém mesmo! Exceto somos nós que inventamos. No Evangelho não está. Nós não sabemos o outro decor.

Não julgar não é apenas generosidade. Não julgar é uma questão de consciência da própria ignorância, de não saber do outro. Não julgar vem da humildade. De reconhecer que não conhecemos o suficiente para acertar.

Por isso Jesus culmina esta conversa desse nono ponta da espiritualidade prática aqui, no versículo 12: Não julgareis, não julgarás. Não faça aos outros o que não gostaria que fizessem a vocês. Nisso está a essencialidade da lei e dos profetas.

O DÉCIMO ENSINAMENTO –  (Mt 7,6).



Não deis aos cães as coisas santas, nem deiteis aos porcos as vossas pérolas, não aconteça que as pisem com os pés e, voltando-se, vos despedacem.

A décima pérola da sabedoria Jesuânica, o décimo ensinamento da espiritualidade prática está em Mt 7,6, que diz, em outras palavras:

Olha que nem tudo vale a pena. Não morra por qualquer coisa. Não vá chafurdar em qualquer coisa. Não entregue o teu melhor, não coloque o melhor de ti nas mãos de um motivo qualquer. Quantas vezes se mata por aquilo que não tem importância nenhuma? Não se gaste nem se desgaste. Não seja casmurro querendo que tudo e todos aceitem seu ponto de vista. Primeiro que é só a vista de um ponto. Segundo porque até isso vemos mal. Terceiro porque não é assim tão importante ter razão. Quando você luta a chafurdar na lama para pôr um colar de pérolas no pescoço de um porco... Deixa pra lá. Há nisso, neste “não deis as coisas santas aos cães” , as pérolas aos porcos... há nisso um convite de Jesus muito prático e muito importante, mais ainda, há um convite a ter sempre na sua vida um reservatório do sagrado. Quer dizer uma intimidade consagrada a ser oferecida só face a face. Uma intimidade, um segredo vital que só se entrega mão a mão.

Jesus propôs isto, ensinou isto antes de haver redes sociais. Parece que isso se perdeu um “pouquinho”, a noção de reserva, do íntimo, do sagrado, do inviolável, da relação, do que é para ser face a face, que só se entrega em mãos. Cuidado! Cuidado com o lamaçal, cuidado com a pocilga, o chiqueiro... não coloque as pérolas da sua vida num chiqueiro, porque as pérolas são coisas para você entregar na surdina, é por o anel que se coloca no dedo em surdina. As pérolas são para fazer um colar que se coloca no pescoço, em surdina. As pérolas transportamos para o mundo do face a face. Não as desperdice, quando eles não querem, não as percebem, não lhes dão valor, vão pisar e depois atirar contra vocês como se fossem pedras. Ou seja, faça o discernimento do que vale a pena e do que não vale. Das lutas que valem a pena lutar e das lutas que faz à toa, que passam... Quais são as lutas que merecem a sua vida. Dizem que são poucas, muito poucas.

Estas são as 10 pérolas de sabedoria prática de Jesus que estão no Evangelho de Mateus, capítulos 5, 6 e 7. Vamos escutar um poema oração, a “Palavra-Pessoa” do poeta Daniel faria:

“Há uma palavra, esta que chamamos amor (EVANGELHO), que é uma palavra-pessoa, pois só se fala dela se existe um sujeito do outro lado dela. Há essa Palavra-gente... Só posso viver, só quero viver cabendo nela, uma palavra que me pronuncia, um verbo que se conjuga comigo. Há então, essa palavra-pessoa e posso amá-la e quero amá-la até a transformação. Essa palavra gente me busca e me molda. Me faz e me consome...”.

Pe. Rui Santiago - Centro de Espiritualidade Redentorista de Braga PT.

Obs. Transcrição do sermão feito no CER de Braga – Portugal, por Ângela Rocha.

sábado, 27 de julho de 2024

ESPIRITUALIDADE PRÁTICA OS 10 ENSINAMENTOS DO SERMÃO DA MONTANHA - 8º


ESPIRITUALIDADE PRÁTICA
OS 10 ENSINAMENTOS DO SERMÃO DA MONTANHA
(Mateus 5, 6 e 7)

Pe. Rui Santiago, cssr.

O OITAVO ENSINAMENTO – Dominar o olhar (Mt 6, 22-23).

A candeia do corpo são os olhos; de sorte que, se os teus olhos forem bons, todo o teu corpo terá luz.

A lâmpada do corpo são os olhos. Tudo começa no olhar, na higiene do olhar. Sem limparmos e lavramos os olhos não há como enxergarmos. Precisamos treinar o nosso olhar. Nossos olhos agarram muita coisa, fica muita poeira, depois vemos tudo com este filtro. É decisiva  higiene do olhar. E pelos olhos começa a nossa desgraça. O pecado original na Bíblia é ver o mal. E o que é ver o mal? É “inver”, o contrário de ver. Você veja é o contrário de “você inveja”. Verdade! A palavra inveja é o contrário de ver, do nosso latim “invides”, é uma anulação da visão. Isso é invejar. Invejar é ver o mal. E não ver ou ver ao contrário. Invejar é revirar os olhos diante do outro e vê-lo assim, de olhos revirados. 

No livro do Gênesis diz que tudo começa com o olhar, porque ele é muito curioso, porque nós temos na primeira página da Bíblia, aquela da criação, aquele poema fantástico do Criador, em que diz: “E Deus olhou e viu que era belo”, Tov em, hebraico. (Belo e bom é a mesma coisa em hebraico). E Deus viu que era belo e bom. E ficou feliz com aquilo e mais nada. E pelas outras coisas, pássaros e seus chilreios, Deus olhou e viu que era belo. E continuamente este refrão. Viramos a página, continuamos a ler e aparecem Adão e Eva, essa parábola mítica da nossa condição - porque é o que nós somos – a insinuação, na nossa vida personificada em Eva. E qual é a insinuação? : “Adão, ouvi dizer que Ele nos proibiu de alguma coisa... Disse que podíamos comer de tudo e tal, mas dessa árvore não.”

A árvore da penetração do bem e do mal. É assim que se chama. Não é “conhecimento”, a palavra é penetração. Tem o conceito de romper, rasgar. De forçar. E o homem não pode “desvirginar” esta árvore, esta sabedoria. “Deixa lá, não manipules isso, Deus disse que podíamos comer de tudo menos essa... do bem e do mal”. E a insinuação, essa manha dentro de nós a dizer: “Ah não!, Ele disse isso porque sabe que se eu comer meus olhos vão se abrir e vão ver...”.

Você vê qual é o desejo aí? Vão abrir os olhos e eles vão ver. Mas, eles estavam cegos? E continua e diz que nesse momento Eva olhou e viu, olhou o fruto e viu que era bom para comer. Opa! Tá tudo estragado! Reparem que Deus também tinha se fartado de olhar. Deus olhou e viu... “para” estraga tudo.  Deus encanta-se e admira com a criação. Qual o nosso olhar? Isso é belo e quero! É o olhar da criação mimada, criança de todas as idades. Ela olhou e viu que era bom... para si mesma! Então venha porque é bom para mim. Deu ao marido e nesse momento abriram-se os olhos, viram que estavam nus. E nesse momento eles viram-se mal. Viram-se envergonhados um do outro. Coisa que nunca tinha acontecido. Há um abrir os olhos que faz ver o pior. É uma maneira de ver o que há de pior. Invejar é este o problema do olhar. É ver o que é bom, mas, não é bom ali. Aquela pessoa faz aquilo muito bem-feito, faz bem aquela atividade... Mas, eu não consigo admirar “ali” como bom. Era bom pra mim, era bom se eu que fizesse e fosse. Dá uma raiva que seja ele a fazer! Isso é inveja! 

São Tomás de Aquino define a inveja como a tristeza pelo bem alheio. Que não tem nada a ver com cobiça. A cobiça pode até ser boa: o outro faz um bem, faz uma coisa bem, desta ou daquela maneira e gera em mim um dinamismo de cobiça, ou seja, também quero e vou lutar para fazer isso também. Isso é bom. A cobiça tem muito de bom. A inveja não. 

A inveja deixa no meu íntimo, na minha espiral, no meu torvelinho, a zanga pela não admissão de que aquilo é um bem e é bom, mas não é meu. Há uma tristeza enorme por isso. A inveja é assim. E diz a escritura que o curioso é que tudo começa por aí... A desgraça dos olhos. Por isso Jesus diz: Cuidado gente! Olha que para a vida estar iluminada ou as escuras... onde é que se joga isso? Onde é que se desliga a luz? Qual é a lâmpada do corpo? São os olhinhos! É o que Jesus diz, não com este tom, mas ele diz “A lâmpada do corpo são os olhos...”. Por isso, cuida dos teus olhos, são lanternas para manter sua vida iluminada. Se seus olhos estão no escuro, sua vida é escura. Veja como é que está vendo, não inveje, não deseje. Que aliás é um pecado que ninguém tem... Você conhece uma pessoa invejosa? Que admite isso? Não existe. Não escutamos essa confissão de pessoa alguma. 

Coisa curiosa: há dois pecados que ninguém tem, inveja e preconceito. Vocês conhecem alguma pessoa preconceituosa? Que diga que é? Não existe no mundo, ninguém admite isso. Na  lista clássica dos pecados mortais, admitimos todos, até com certa vaidade... A luxúria, rabo de saia, a carne é fraca e tal... Comer todo o pudim, é verdade, sou guloso. Qualquer outro pecado, nós justificamos, admitimos que temos até com algum júbilo. A ira... tenha calma... ter calma nada, não posso ver isso... Não é ira, é zelo. Todos os pecados são admitidos, mas vocês não encontram ninguém que admita ser invejoso. É algo tão original que vem do relato primordial da Escritura. É algo fundante a nós, está na intertela da nossa estrutura íntima, que nós não vemos e não admitimos. Invejoso? Eu? Quero ver as pessoas felizes e tal... Ninguém é invejoso e preconceituoso. Tem preconceito contra negros? Não, não. Eles são preguiçosos, mas isso não é preconceito... Ninguém é invejoso ou preconceituoso. Nós somos muito falhos para tocar no que é de mais íntimo em nós. Isso é intocável em nós... 

E dentro disso, inveja, deste olhar torto, distorcido está o mandamento tão simples, tão basilar a Jesus que é o “não julgarás”. Porque é isso que acontece quando temos inveja. E é isto que acontece quando a gente é preconceituoso, ou seja, vemos mal, vemos torto, invejamos, julgamos, condenamos.

Pe. Rui Santiago - Centro de Espiritualidade Redentorista de Braga PT.

Obs. Transcrição do sermão feito  no CER de Braga – Portugal, por Ângela Rocha.


sexta-feira, 26 de julho de 2024

ESPIRITUALIDADE PRÁTICA OS 10 ENSINAMENTOS DO SERMÃO DA MONTANHA - 7º


ESPIRITUALIDADE PRÁTICA
OS 10 ENSINAMENTOS DO SERMÃO DA MONTANHA
(Mateus 5, 6 e 7)

Pe. Rui Santiago, cssr.

O SÉTIMO ENSINAMENTO – acumular tesouros (Mt 6, 19-21, 24.

“Não ajunteis tesouros na terra, onde a traça e a ferrugem tudo consomem, e onde os ladrões minam e roubam”.

Passamos a vida toda tentando provar a Jesus que não é bem assim... que Ele exagera um pouquinho: Deus Jesus e Deus dinheiro. No original, Jesus não disse “dinheiro” versículo 24, falou sobre o deus Mamom, (deus pagão da prosperidade) palavra aramaica/hebraica para dinheiro, riqueza, aqui personificada por Jesus. Ou seja, esse mandamento prático é o da liberdade com relação às coisas, que é tão difícil.

O nosso problema não é sermos escravos das coisas, mas a ideia das coisas, a ganância das coisas, é o endeusamento do TER. Aqui há uma cadeia: ter dá-nos a ilusão tão grande de poder que acreditamos que “se eu tiver, eu posso”... Eu queria, mas não posso, não tenho...

Dá-nos uma enorme sensação de poder, poder nos dá a ilusão tão grande de controlar. Controlar nos dá a grande ilusão de estarmos seguros. E no fundo esta é a questão: o nosso desejo mais profundo é estarmos seguros. Então todo o resto é entrar na cadeia desta ideia de segurança que passa pelo ter, poder para controlar, para estar tranquilo, para estar seguro. O que é uma ilusão.

O mundo já tem tempo e história para percebermos que que é uma ilusão. Mas, ao mesmo tempo, o que é curioso, é que nenhum de nós é imune a esta ilusão, somos receptivos a isso. O que aprendemos de Jesus e de tantos outros seguidores é que só podemos dar o que temos. O que você não é capaz de dar, não te pertence. O que não é capaz de dar, se precisar, você não tem. A coisa que te tem. Qual é a maneira mais eficaz de não ser roubado? 100% eficaz? Qual é o método antirroubo 100% eficaz? É DAR. Não há outro.

Se não quiser que nada na sua vida seja roubado, ponha sua vida em forma de dádiva, ponha tua vida em formato de casa de partilha, abra a mesa, abra os braços, abra a mão, parta o pão, distribua o vinho.

Como a morte morreu na morte de Jesus? Morreu porque quando chegou a Jesus já não tinha nada para tirar, Ele deu tudo antes dela, ela chegou tarde demais na vida de Jesus. Esta é a lógica de Jesus. Este é o convite do Reino de Deus. A partilha é o segredo da abundância. A segurança não nos vem pela cadeia do ter, poder, etc. A segurança vem dos irmãos. Você arranja um irmão e aí vai estar a sua segurança. Você cria, você gera, você entra na cadeia da fraternidade e aí vai ter a experiência profunda, verdadeira, definitiva do que é estar seguro, tranquilo e poder respirar em paz, porque sabe que não está só. Aconteça o que acontecer vai viver em rede. Não ande na vida sem rede, por falta dela você se estatela no chão na hora da queda, a sua segurança está na irmandade. Na cadeia da fraternidade não está o ter para poder, para controlar, para ter segurança. Não se fie no ter, poder, controlar para estar seguro.

Este é o segredo de Jesus. Que quando começa a chamar os seus discípulos, começa a formar uma rede de irmãos. André e seu irmão Simão, Tiago e sue irmão João que eram pescadores que viviam consertando redes, agora são irmãos que vem construir redes, mas são redes para outras pescas, porque são redes de mãos dadas, é gente em rede. E são os nós que nos salvam. Jesus fez da sua vida uma experiência como um pão que se parte e reparte. Fazer da vida um cálice com que se brinda, que se passa de mão em mão, que se verte para outros.

Jesus não amaldiçoou o dinheiro, os bens, amaldiçoou a ganância, porque aí é que está o problema. Viver na lógica do dom é o que diz este sétimo ensinamento de sabedoria. O que vem a seguir é olhar os lírios do campo, as aves do céu, olhai...

E vocês andam cheios de medo. Por que? Por que vivem como órfãos? É o que Jesus diz: Vocês não têm um Pai que sabe do que vocês precisam? Que está de olho aberto? Vivem como se não tivessem Pai, como se não fossem irmãos...

Qual o mandamento que Jesus dá aqui? Procurem em primeiro lugar o Reinado de Deus. Não é para que em primeiro lugar trate da sua vidinha e depois no tempo livre vê lá o que pode fazer pelo Reino de Deus, tipo voluntariado. Procure primeiro o Reino de Deus, viva dessa maneira, é o que Jesus diz. E o resto será acrescentado. A lógica do dom funciona. Não é a lógica da preguiça. Jesus não está fazendo elogia da preguiça, é o elogio da fraternidade, porque esse é o modo de proceder do Reino de Deus.

Por que vocês vivem como se não tivessem Pai e como se não tivessem irmãos? Porque cada um vai tratar de si e depois, insensatamente, espera que Deus vã tratar de todos? Isso não funciona! Porque Deus não trata de todos um a um, Deus trata do todo, não de todos, mas DO TODO. Essa é a lógica do Reino. Procurem primeiro o Reino de Deus, todo os resto será acrescentado.

Jesus não amaldiçoa o dinheiro e os bens. Amaldiçoa a nossa desconfiança. A lógica da partilha nós não acreditamos que funcione. Nós achamos que a esmola chega, mas, a esmola não é evangélica. A partilha funciona, a esmola não chega para cumprir o mandato do reino, porque a esmola não faz do outro um irmão, a esmola mantem o outro como um pobre.

A lógica evangélica é a lógica do Reino de Deus é dar o salto da boa esmola para a ousadia da fraternidade, para a ousadia da partilha e para usar a irmandade. Este é o salto do Reino de Deus, do modo de proceder do Reino de Deus, que vai além. Jesus conta aquela parábola de um homem rico que teve num ano uma grande sorte na colheita e que pensou consigo mesmo: “Onde vou por tudo isso? Não cabe no celeiro”. Era tratar de si para consigo, teve uma oportunidade de partilha... e morreu.

Pe. Rui Santiago - Centro de Espiritualidade Redentorista de Braga PT.

Obs. Transcrição do sermão feito no CER de Braga – Portugal, por Ângela Rocha.




quinta-feira, 25 de julho de 2024

ESPIRITUALIDADE PRÁTICA: OS 10 ENSINAMENTOS DO SERMÃO DA MONTANHA - 6º



ESPIRITUALIDADE PRÁTICA: OS 10 ENSINAMENTOS DO SERMÃO DA MONTANHA 

O SEXTO ENSINAMENTO – Tenha coerência (Mt 5, 37).

Sim, sim, não, não; porque o que passa disto é de procedência maligna.

Não é um “nim”, é diabólico isso. O que está em questão é a ruptura, a separação, a divisão entre o sim e o não. É preciso ter autenticidade existencial, saber para que lado se está virado, coerência no que gosta e no que não gosta.

Não somos camaleões para nos colocarmos da cor da parede, no discurso feito no momento. Não tenha más intenções, não esconda a mão no jogo da vida. Fazer o discernimento do espírito em nós é a linguagem do Novo Testamento: Por que gosto disso? Por que gosto de estar ali? Por que decido assim? Por que falo? Sem enganar a mim mesmo, o que eu procuro? No fundo, qual é a minha intenção. Não seja dúbio, enganador. Acima de tudo opte pela ousadia de não ser manhoso consigo mesmo. Não enganar a mim mesmo nas minhas intenções. Começa por aí.

Mas, atenção! Que o modo de falar o sim, sim e o não, não, não tenha nada a ver com ser bruto. Tipo: “Não me calo, a mim ninguém cala”. Isso é só brutalidade, de gente que não cresceu, mais nada. “A verdade, eu digo todas”, como você disse isso? Porque é verdade! Nãos e trata da verdade como palavra, a verdade para o ser humano é a verdade que se põe numa relação.

Se uma criança de seis anos desenha um gato porque ouviu a história, e você diz: “Que avião bonito!”. Desenha mal o menino, muito mal... pois é... diga que está bonito, mas que pode desenhar de novo. Isso cria uma relação de verdade. Eu não digo: “É um gato? Qual a raça desse gato? Persa ou Boeing 747?”. Não vamos confundir. A verdade humana tem V maiúsculo, é um formato existencial, não crueza de comunicação. Não tem a ver com a maneira como falamos, mas a maneira como existimos diante de mim, dos outros e de Deus.

O que está em causa é ter espinha dorsal, não viver para agradar a gregos e troianos. Não é possível viver sem optar. Não é possível! Conhecemos as vezes, pessoas que passam pela vida sem tomar decisões ou opções que a comprometam. A gente percebe que são gelatinas humanas, vira um “treme-treme”. Lá pelo meio da vida não é possível viver sem escolher as opções. Porque as opções que se toma para você ser quem é, não podem ser guardadas pra si mesmo, correndo o risco delas se tornarem verdadeiras opções, porque as opções só são humanas quando postas em prática. Porque o ser humano faz-se fazendo-se e fazendo por suas opções.

Uma pessoa “invertebrada” é um espetáculo lamentável. Gente que diz um sim envergonhado a tudo e todos, e na hora da verdade fogem. Depois nós não temos o dom da obliquidade. Há três coisas que são uma desgraça (contrário de uma vida graciosas, cheia de graça): espetáculo triste, de doer o coração, dar pena, bradam aos céus:
- Uma criança mal-amada – lidar com uma criança mal-amada é um espetáculo triste;
- Um velho insensato – é uma tristeza, espetáculo dramático;
- Um adulto que vai ao saber do vento, um adulto invertebrado que por qualquer opinião se fia – coisa triste.

Que Deus nos ajude e nossas crianças sejam bem-amadas e felizes, que sejamos velhos sensatos e sábios e que sejamos adultos com estrutura, com coluna, com espinha dorsal.

Os puros de coração verão a Deus. O que está em jogo é a inocência do coração – que não tem nada a ver com ingenuidade, que é não perceber o que está acontecendo na vida, no mundo, nos acontecimentos. Não ser capaz de discernimento do que é válido e maduro nas situações. Jesus não propõe ingenuidade como modelo de vida, não faz parte da sua espiritualidade prática. Mas, Jesus fala de inocência, que é agir sem malícia, não ter maldade no olhar para os outros, não ter malícia nas intenções, no discernimento que se faz dos fatos, nas decisões que se tem, nas avaliações que se faz.

Pe. Rui Santiago - Centro de Espiritualidade Redentorista de Braga PT.

Obs. Transcrição do sermão feito  no CER de Braga – Portugal, por Ângela Rocha.

 


quarta-feira, 24 de julho de 2024

ESPIRITUALIDADE PRÁTICA OS 10 ENSINAMENTOS DO SERMÃO DA MONTANHA - 4º e 5º


ESPIRITUALIDADE PRÁTICA
OS 10 ENSINAMENTOS DO SERMÃO DA MONTANHA
(Mateus 5, 6 e 7)
ENSINAMENTO 4º e 5º

O QUARTO ENSINAMENTO - (Mt 5, 44-48)

Amar os nossos inimigos, rezar por quem nos faz mal. O sol bate sobre os justos e os pecadores. Sede perfeitos como Vosso pai é perfeito. Como? Amar os inimigos? Rezar por eles?

Esta é a joia da coroa da nossa fé, a carga de dinamite no centro do cristianismo, capaz de revolucionar o mundo se for levado isso a sério. Amar os inimigos é a arma mais revolucionária que há no mundo. Endireitar o mundo. Lutar contra o rancor, o ressentimento, este espírito impuro que faz da vida um inferno. Inferno que contagia e se espalha. Passar da amargura ao perdão. Use a estratégia da oração. Jesus diz: Reze, reze, bendiz diante de Deus os teus inimigos. Perdoar é da ordem da vontade. Como o amor é. Perdoar não “acontece”, a não ser que fossemos perfeitos. Perdoar é da ordem da vontade: quer-se, faz-se, treina-se, escolhe-se, opta-se... é da ordem do amor. Perdoar é querer perdoar.

Mas, e se eu continuo a sentir raiva? Mas, o que você quer? Eu quero perdoar! Se eu continuar no caminho, a raiva passa, porque tudo passa. Eu não esqueço, é normal não esquecer.

Lembre-se: ou você se ressente, em looping, requentando a raiva ou perdoa. Perdão é da ordem da decisão. Eu decido, escolho, mesmo .......dizer a ti... rezar por ti...

Perdoar é vontade, opção. Esquecer não é opção, é memória. Perdoei, mas, não esqueci. Que tipo de memória ficou? Memória de impacto ou de rancor? Esquecer ou lembrar é mecanismo psíquico, estão aí.

Esquecer é impacto psicológico, afetivo, emocional, tem mais ou menos importância, depende do tempo. . isso não está em suas mãos. Decidir está em suas mãos. Decide-se que mais vale o bem querer. Perdão = amor = bem querer. O resto segue os passos do tempo, pacifica-se, cura-se. O espírito faz o caminho, sabe como somos, nos conhece, se ele diz que o caminho é.... Tudo se cura quando vai na direção certa. É amar quem não gosto, perdoar quem me faz mal.

O QUINTO ENSINAMENTO – Pagar o mal com o bem (MT 5, 39-42).

Dê a quem te pede – Não importa quem, pague o mal com o bem.

A quem te pede: dá. Não dê resistência ao mal. Adoramos minimizar, fazer de conta que não entendemos. Diante do mal, não fique sem dar resposta, não fique passivo, não pague mal com o mal. Mas, como reagir ao mal e a violência?

Pagar o mal com o bem. Um bem não previsto, não merecido, não fácil, não natural, não espontâneo. Usar o que não faz parte da natureza, somos reativos e temos que nos libertar desta lógica e nos entregarmos ao domínio do espiritual. Não entregar o mundo a engrenagem do mal.

Duas coisas deixam o mal vencer o mundo: torna-se mal e tornar-se escravo. A única vitória possível é aceitar a proposta de Jesus: a suprema liberdade diante do mal, suprema valentia diante da injustiça. Uma força, aparentemente frágil, é reagir ao mal com uma provocação desarmada. Coisa para lúcidos e fortes.

O exemplo de dar a outra face não é uma ética de incompetentes existenciais, nem uma moral de fracos. Só os fortes são capazes de fazer isso. A nossa fraqueza é reagir, revidar (natural). A nossa força é sermos capazes de nos termos na mão (controle) para desengatilharmos o mecanismo da vingança. Porque é um gatilho: o mal nos toca e nós disparamos.

O que Jesus propõe com esta metáfora? Vingar-se com Jesus! Mas, desativar a lógica da vingança, não é, justamente, não se vingar? O que é vingança? É procurar a vitória sobre o outro, é a agressão ao outro. Nós usamos a palavra vingança num sentido negativo.

Jesus nunca disse que não é pra fazer nada diante do mal. Não disse: Fica calado e vai embora. Ou agredir, ou deixar a injustiça e a violência ora lá. Nunca! Ele incentiva um BEM! Diz ele: Não se deixe vencer pelo mal, inventa um bem nessa hora e leve-o adiante. Quando te baterem numa face, dá a outra. Aí, leva a tua capa (túnica), caminha um quilômetro, dois quilômetros. O primeiro é dele, o segundo é seu. Jesus nunca disse “não se vingue”. Jesus disse: vamos nos vingar de uma maneira que cure o mundo. Vamos nos vingar, já que a vingança é a procura de uma vitória sobre o mal.

A única forma do mal ser vencido é ser coberto por um bem maior. A única hipótese é o bem ser mais teimoso. Enquanto não acreditarmos nisso, vamos continuar nos zangando muitas vezes. E termos uma grande dificuldade em não nos reconciliarmos com o outro, porque acreditamos que o mal tem a palavra definitiva sobre tudo... sobre a vida, sobre o mundo, o país, sobre as nossas relações. E isso não é verdade!

A palavra definitiva sobre a vida, sobre todas as coisas, é a palavra – teimosíssima palavra – do BEM, da bondade, da beleza. A vingança cristã é o perdão. Vamos nos vingar sem cessar, sempre, grande, bem como Jesus, que professou a vida toda e no fim, protestou deixando-se morrer.

CONTINUA...

Pe. Rui Santiago - Centro de Espiritualidade Redentorista de Braga PT.

Obs. Transcrição do sermão feito no CER de Braga – Portugal, por Ângela Rocha.

segunda-feira, 22 de julho de 2024

ESPIRITUALIDADE PRÁTICA: 10 ENSINAMENTOS DO SERMÃO DA MONTANHA - 2º


ESPIRITUALIDADE PRÁTICA - OS 10 ENSINAMENTOS DO SERMÃO DA MONTANHA - (Mateus 5, 6 e 7)

Pe. Rui Santiago, cssr.

2º ENSINAMENTO 

Reconcilie-se com seus adversários (Mt 5, 22):

“Eu, porém, vos digo: todo aquele que se encolerizar contra seu irmão, terá de responder no tribunal; aquele que chamar ao seu irmão: ‘cretino!’, estará sujeito ao julgamento do Sinédrio; aquele que lhe chamar ‘renegado’ terá de responder na geena de fogo". (versão da Bíblia de Jerusalém).  

Quando você chama seu irmão de imbecil ou estúpido, será réu diante do tribunal. Como no primeiro ensinamento, que a questão não era o olho ou a mão e sim, a ocasião; aqui a questão não é o imbecil ou estúpido e sim, o irmão. A coisa está na aprendizagem do autodomínio, de dominar a irritação.

O problema aqui é a ira que vem de dentro... e traz todo fel amargo que você esconde tão bem. Tudo começa na maneira de olhar. É preciso aprender a dominar a ira e segurar a boca, mandar na boca. No livro de Ben Sirac (Eclesiástico) há um versículo muito precioso: Senhor quando eu for dizer asneiras, puxe minha mão para a boca.  Não é possível engolir de volta o que se falou. E algumas palavras doem, machucam, ferem de morte muitos relacionamentos de amor. 

Dominar a ira e não se deixar dominar por ela, esse é o ensinamento prático de Jesus. Há uma longa tradição bíblica sobre a língua. A língua tem uma força ambígua na Bíblia: Senhor solte minha língua para que te cante louvores... Senhor segura minha língua na hora de maldizer. Ainda no livro de Bem Sirac encontramos: “Cuidado meu filho, com a língua, não te fies por ela ser pequena, porque um barco grande também tem um leme pequeno, mas, é esse leme que dá a direção para onde ele vai”. É assim a língua dentro da tua boca, é o leme que vai dirigir a tua vida.

 

Em palavras nossas, esse segundo ensinamento de Jesus, diz: irmãos: tempo na língua! Pensar um pouquinho antes de soltar tudo. “Tempo da língua” é uma extraordinária sabedoria para vivermos como Jesus. 

Um dado da psicologia atual: As palavras criam a realidade. As palavras funcionam para melhor e para pior, as palavras têm eficácia, não são apenas “símbolos” da linguagem. Elas não apenas exprimem a realidade, como a criam, identificam e influenciam a realidade. A ponto de fazer, por exemplo, uma criança que ouve tantas vezes que é “burra”, passar a acreditar e se tornar burra. Assim como de tanto dizer que ela é linda, maravilhosa, ela pode acreditar e tornar-se tirana. Palavras criam realidade. Não acredite naquela “treta” de que “isso são só palavras, é da boca para fora”, porque é mentira. Nenhuma palavra é só palavra quando dita da boca de um ser humano. A língua é o “leme” da nossa vida, ela direciona para o bem ou para o mal.

Continua...

Pe. Rui Santiago - Centro de Espiritualidade Redentorista de Braga PT. 

Obs. Transcrição do sermão feito  no CER de Braga – Portugal.


sábado, 13 de maio de 2023

OS CINCO MANDAMENTOS DE JESUS

Lembrando o mandamento maior de Jesus de "amarmos a Deus e amarmos uns aos outros, como Ele nos ama", não podemos deixar de lembrar dos "outros" mandamentos de Jesus, que Pe. Rui nos faz refletir neste pequeno texto.

A leitura era pequena, daquela vez. Mas cresceu imensa, como se fosse a primeira vez que a escutasse, pôs-se a "crescer para mim", e eu rendi-me. De repente, vi-me diante de cinco mandamentos obrigatórios, como uma lista irrenunciável descida do céu, uma tábua da aliança escrita pelo dedo de Deus no cimo do monte. Não me largou a força disso, como uma novidade que não nos sai do corpo, um óleo que unge, o nardo que impregna. Ou como receber um órgão novo, não sei, um transplante vital. Vamos ao texto. Era só este: 

"Sede misericordiosos como o vosso Pai é misericordioso. Não julgueis e não sereis julgados; não condeneis e não sereis condenados; perdoai e sereis perdoados. Dai e ser-vos-á dado: uma boa medida, cheia, recalcada, transbordante será lançada no vosso regaço. A medida que usardes com os outros será usada convosco."

É do Evangelho de Lucas, capítulo 6, versos 36 a 38. É o resumo que o próprio Jesus faz do "Sermão da Planície", o correspondente em Lucas do "Sermão da Montanha" contado por Mateus. Ao terminar todas as palavras sobre a maneira de entrar no Reinado de Deus em marcha, Jesus faz um resumo com força de lei. 

E, de repente, como é costume, as palavras começaram todas a mexer como bichos que despertam, e olharam-me nos olhos de maneira nova. E vi um mandamento que é eixo à volta do qual tudo gira, mais dois mandamentos em "não", mais dois mandamentos em "sim". Já não aquele Decálogo antigo, claro, que em Cristo foi superado, mas um "Pentálogo", as Cinco Palavras da Lei Nova, os Mandamentos da Nova Aliança.

 1.   Sede misericordiosos como o vosso Pai é Misericordioso

 2.   Não condeneis

3.   Não julgueis

 4. Perdoai

 5. Dai

Está aqui tudo. Estaria tudo no primeiro mandamento, tivéssemos nós outro juízo! "Sede como o vosso Pai..." Estaria tudo dito nesse primeiro, que seria Único - e é mesmo, explicará depois o evangelista João - se não nos dessem tantas falhas de entendimento. Mas, os outros quatro, dois pares em linguagem que a gente não pode dizer que não entende, estão aí como legenda e tradução. Tudo presidido por um "sede como o vosso Pai". Ou seja: isto ainda diz mais do que Deus é do que daquilo que nós devemos ser.

Espero que em alguém desse lado, estes Cinco Mandamentos, os Mandamentos da Nova Aliança para ajesusarmos a vida toda, tenham tanto impacto e provoquem tão feliz inquietação como anda a acontecer comigo há três dias.

PARTILHO: porque A Palavra é um Ser Vivo e in-quieto...

 Pe. Rui Santiago, cssr

quinta-feira, 26 de novembro de 2020

REZAI ASSIM, DISSE ELE. E REZOU.

Um jeito bonito de compreender o "Pai Nosso"... 

A maneira de Jesus fazer oração dava aos seus discípulos vontade de rezar como ele. E, quando lhe disseram isso, Jesus rezou com eles.

Chamou a Deus “Pai”, e disse-lhe que queria viver de tal maneira que desse bom nome a Deus. É isso que significa “Santificado seja o Teu Nome”. O de Deus, não o nosso! O segredo é fazer de Deus a questão mais importante da vida.

Depois, Jesus disse ao Pai que o seu maior desejo era que o Reino de Deus chegasse a nós e se cumprisse entre nós: “Venha o Teu Reino!” Não é simplesmente um pedido, mas sim um consentimento e uma disponibilidade para colaborar nesse Reinado de Deus. Por outras palavras: fazer a vontade de Deus e pôr o mundo como Deus gosta. Viver como Deus manda!

Jesus continuou a oração dizendo ao Pai que confiava nele, inteiramente, em todas as dimensões da vida e todos os dias. É isso que significa “Dá-nos a cada dia o Pão de que precisamos”. Por confiar em Deus, que é Pai Bom, não vivemos para ajuntar nem nos deixamos levar por nenhuma espécie de ganância.

Jesus rezou ainda para ter limpo o coração e a mente: o coração limpo de ressentimentos, e a mente limpa de tentações. Podemos contar com a força do Espírito Santo, que Deus derramou nos nossos corações, para nos ajudar a perdoar e a deixarmo-nos perdoar, e também para sermos inteligentes e fortes diante da tentação para não fazermos o que Deus não gosta. 

Jesus não nos ensinou uma fórmula de oração, mas uma maneira de nos dirigirmos a Deus. Jesus não disse aos discípulos, “quando vocês rezarem digam isto”. O que está no evangelho é “quando vocês rezarem digam assim”.

O Pai Nosso é um jeito de nos dirigirmos a Deus. É o estilo da oração de Jesus, não é a fórmula que Jesus nos deu. Em outras palavras, o que Jesus nos ensinou quando rezou assim com os primeiros discípulos, foi a nos dirigirmos a Deus como filhos muito queridos a um Pai Bom. E, como filhos, a dizer ao Pai que pode contar conosco, e a confidenciar-lhe que também contamos com Ele. O Pai de Jesus e Pai Nosso é de se fiar. Rezamos isso: Deus é de confiança! E rezamos para que nós sejamos também.

Amém!

Pe. Rui Santiago, cssr.  http://derrotarmontanhas.blogspot.com/  

quinta-feira, 15 de fevereiro de 2018

TRÍPTICO


 
 "Agora, pois, permanecem a fé, a esperança e o caridade, estes três, mas o maior destes é o amor". 
(1Cor 13, 13)


Jesus anunciava a Boa Notícia do Reino de Deus, mas nunca o ouvimos chamar “rei” a Deus. Jesus chamava PAI a Deus e ensinou-nos a chamá-lo assim também. Quem reina é um PAI bom e leal, o nosso PAI! Somos filhos do rei: não há razão para temer. 

Jesus mostra-nos o coração de Deus como alguém de confiança, cheio de amor e ternura para dar aos Seus filhos todos, sem exceção. Deus não “ama mais” os que mais “merecem” mas ama com um amor todo especial aqueles que mais precisam, por causa do sofrimento, da solidão ou do pecado. Ninguém consegue pôr-se fora da misericórdia de Deus! Ninguém consegue descer abaixo do perdão de Deus! Não conseguimos anular o amor de Deus por nós.

Deus só é bom, e não é capaz de fazer mal. Deus não nos ameaça para cumprirmos a Sua Vontade, Deus não promete castigos, porque Deus não se vinga nem é capaz de maldade nenhuma. O Pai de Jesus é Pai Nosso. Temos motivos para confiar.


ESPERANÇA

Por onde Jesus passava, brotava a Esperança. As pessoas que o ouviam e se fiavam dele sentiam renascer dentro delas a Esperança e os motivos para acreditar. Para Jesus todas as pessoas têm futuro! Há Esperança para todas as pessoas porque todas as pessoas são infinitamente amadas. É a Fé no Amor que nos dá esta Esperança.

O Reino de Deus que Jesus anuncia é este mundo revolucionado pela Esperança e curado pela Compaixão. Quando a nossa mente se abre à Esperança que ultrapassa os queixumes à volta de nós mesmos, e quando o nosso coração se abre à Compaixão que sente as dores dos outros e toca as feridas dos outros, então estamos a pôr-em-prática o Pai Nosso: “Venha a nós o vosso Reino!”.

Deus tem Esperança em nós! O maior sinal dessa Esperança de Deus em nós é o Perdão que nos dá. Deus perdoa-nos porque continua a acreditar em nós e não aceita desistir de nós. Nenhum pecado é maior que Deus. Nem todos juntos conseguem afogar a Misericórdia de Deus.

O Deus de Jesus é o Pai a quem mataram o Filho. E, depois disso, o que este Pai faz é convidar aqueles que lhe mataram o Filho a sentarem-se à Mesa consigo. É aí, na Mesa da Graça e do Perdão, que Deus nos quer mudar o coração e nos convoca para um Mundo Novo.


AMOR

Ao Amor de Jesus até chamamos Caridade, para percebermos que é muitas vezes um amor diferente do nosso: mais inteiro, mais gratuito e mais duradouro. É isso que a palavra Caridade quer dizer: Deus ama-nos com Caridade. Quer dizer: o Seu Amor por nós é uma Graça infinita e um Dom sem medida. Deus tinha motivos para não gostar de nós. Mas gosta. E muito! Isso é Caridade, um Amor maior do que tudo. 

Jesus não falava do Amor de Deus como um “sentimento” apenas, mas como um Projeto que Deus tem para nós e do qual não abdica por nada. O Amor de Deus é a doação que Ele nos faz da Sua própria vida: Deus quer que todos os Seus filhos vivam nele e com ele para sempre, felizes e curados. Jesus de Nazaré é a Caridade de Deus em Carne Viva, é a maior declaração de Amor que Deus nos faz.

Como podemos responder a este Amor do nosso Deus? Amor com amor se paga! Aprender de Jesus é amar como ele ama. Seguir Jesus é fazer como ele faz. Quando andava lá na Galileia, Jesus mostrava o seu Amor pelas pessoas investindo nelas: Tempo, Perdão e Vida. Jesus investia naqueles de quem já todos tinham desistido. Às vezes, até já tinham desistido de si mesmos! Mas nós, muitas vezes, desistimos cedo demais uns dos outros. Deixamos de investir Tempo para nos encontrarmos, Perdão para nos reconciliarmos, e Vida para nos ajudarmos. O Amor leva à Partilha. E a Partilha é que nos Salva!

Rui Santiago, cssr
CER – Portugal.

sexta-feira, 15 de setembro de 2017

HOMILIA: 24º DOMINGO DO TEMPO COMUM - ANO A


                                           PERDOAR SEM LIMITES...
«Precisamos de perdoar 70x7,  porque o nosso irmão nos ofendeu 490 vezes. Precisamos de perdoar 70x7 por cada uma das ofensas.»


Falamos muitas vezes em amor, em união e comunhão, mas caímos sempre na tentação de não conseguirmos perdoar.

Se não perdoamos, não conseguimos amar plenamente.
Caímos facilmente na desculpa de "eu perdoo, mas não esqueço". 

É claro que este Deus não nos oferece um perdão em versão de alzheimer. Se assim fosse, não teríamos presente o quão difícil é perdoar. Não é para esquecermos. É para relembrarmos o quão difícil é darmos uma oportunidade àquele que, como eu, leva consigo a fragilidade humana. 

Não há forma de sermos perdoados se antes não sentirmos em nós o poder do perdão. E não o sentimos quando somos perdoados, mas sim quando perdoamos. A lógica é sempre a mesma. Primeiro doar, para posteriormente saber acolher e respeitar.

É verdade que o mundo passa-nos outra imagem. Querem fazer chegar até nós a ideia de que quem perdoa é fraco, de que quem perdoa é palerma.

Não é isso que acontece. Ao perdoarmos estamos a dizer ao mundo que o amor "tudo sofre, tudo crê, tudo espera e tudo suporta.".
Repito: não é fácil. Nem é coisa que se faça de ânimo leve, mas esse é o grande mistério do amor de Deus revelado no Seu Filho.

É certo que o Reino de Deus é já aqui, mas tenho ainda mais a certeza que através do perdão o Reino de Deus encontra-se já ao virar da esquina.

Ao perdoarmos estamos a rezar a vida. 
Ao perdoarmos estamos a ir ao encontro.
Ao perdoarmos estamos a situar-nos bem no centro do amor de Deus.

Pe. Rui Santiago CSSR


sexta-feira, 23 de junho de 2017

HOMILIA DO DOMINGO: O MEDO É QUE NOS "LIXA" A VIDA



"PORTANTO, NÃO TENHAIS MEDO!"

12º DOMINGO DO TEMPO COMUM – ANO A


Estamos num território cheio de nomes. É o capítulo 10 do evangelho de Mateus, um capítulo todo discipular. A abertura é uma lista de discípulos nomeados pessoalmente, alguns com direito a alcunha, outros com alusão ao nome do pai, outros ainda com a referência ao lugar de origem. É assim que o capítulo 10 deste evangelho começa, delimitando a familiaridade em que os nomes todos são conhecidos e aparecem na boca de Jesus. Mais as alcunhas e as origens, repito, que nisto de sublinhar a tensão verdadeiramente relacional do evangelho, acho que nunca seremos exagerados.
Depois de lhes dizer os nomes como quem sabe de cor as linhas da mão de cada um, começa Jesus a falar-lhes da missão em termos de “cordeiros no meio de lobos”. O Reinado de Deus vai sofrer violência, avisa o Mestre, vai ser rejeitado até às últimas consequências. Então, percebemos que a nomeação dos Doze é uma cena de “inscrição”: inscritos na luta do Reinado de Deus, é suposto saberem de que lado estão e que uma das originalidades mais específicas do Reinado de Deus, segundo Jesus, é a não-violência radical.
Então, é preciso meter-lhes espírito no corpo, salgar-lhes as carnes. É aqui que chegamos, e a mensagem não podia ser mais clara: não tenhais medo! Três vezes repetido. Temos que levar a sério aquilo que Jesus se dá ao trabalho de repetir três vezes em tão poucas linhas…
É claro que esta valentia não pode vir deles mesmos. O segredo é uma confiança desmedida no Pai. Jesus era assim. As coisas são tão assombrosamente claras e críticas como isto!
Peço desculpa por meter aqui o grego, mas há uma palavrinha no original que não está traduzida no texto em português. Onde lemos simplesmente “Não tenhais medo” ou “Não temais”, o que está lá em grego é “Mê oun fobêtete”.
"Mê" é a partícula negativa, o nosso “não”. “Fobêtete” soa ao ouvido, por causa da palavra “fobia” que daí derivou para o português: medo.
Daqui se forma o “Não temais” ou “Não tenhais medo”. Mas está lá também aquele “oun”, que é uma palavra chave. Significa “Por isso” ou “Portanto” ou “Então”. É um artigo que implica sequência, consequência, resposta a algo prévio. Quer dizer: o motivo da valentia é outro, é doutro, iniciativa recebida.
POR ISSO, não tenhais medo.
PORTANTO, não temais.
ENTÃO, não entreis em "paniqueis".      

Este artigo “oun” mostra-nos que a coragem que Jesus pede aos seus nasce de um “Por isso”, de um “Portanto”, de um “Então”.
É Jesus quem nos diz coisas no segredo da noite em que ninguém nos vê…
POR ISSO, anunciemos em plena luz, ou até ser luz.
É Jesus quem nos conta ao ouvido os detalhes do Reino…
PORTANTO, apregoemos no cimo dos telhados.
A sua vida está homologada por Deus, a sua Palavra está homologada pelo Pai…
ENTÃO, entremos nessa homologação, digamos com ele e vivamos como ele.
Já podes desfranzir o sobrolho. Não foi por acaso que usei esta palavra, tão pouco costumeira nos assuntos da Fé: homologação. Mas é isto mesmo que está lá no texto grego: o verbo “homologeô”. Homologar, em português. “Então, cada um que me homologar diante dos homens, também eu o homologarei diante do Pai dos Céus”. Literalmente, é isto. Homologar é dizer a mesma palavra (logos), ter uma palavra comum. Palavra não é som, mas comunicação! Por isso é da palavra “logos” que se faz “lógica” também… Homologar é sintonizar na mesma palavra (logos), pactuar na mesma lógica (logikê).
Relembro, para quem já tenha esquecido: isto começa tudo com nomes, e alcunhas trocadas entre amigos íntimos, e nomes de pais e lugares de origem e tudo! Quer dizer: estamos no território da relação, da amizade, do pacto. E o que Jesus pede é seriedade absoluta nesta relação. Não há neutralidade possível! Só há duas possibilidades: homologá-lo ou rejeitá-lo; confirmá-lo ou desmenti-lo; aceitá-lo ou recusá-lo; sim ou não. Não há “via do meio”. E as consequências são relacionais. É verdade que uma relação só pode construir-se com a colaboração dos dois lados, mas basta um deles para se quebrar. O lado pelo qual o nosso pacto com Jesus pode quebrar é sempre. e só, o nosso. Mas, é bastante. É essa crueldade real que está colocada na boca de Jesus em forma de consequência 2+2=4. Quem confirmar o meu testemunho, será confirmado pelo meu testemunho. Quem desdisser o meu testemunho, será desdito pelo meu testemunho. Jesus é sempre um Sim. O seu Sim confirmará os nossos sins; o seu Sim desmascarará os nossos nãos. Recuso-me a falar dos nins (aqueles que não são nem sim e nem não), desgraça ainda maior.
Uma última palavrinha sobre a consolação que nos vem desta Palavra assegurada por Jesus: “Então, não tenhais medo!” Porque, pelos visto, é o medo que nos “lixa”! O medo lixa-nos a vida. Foi Jesus que disse, não fui eu! A Geena como sabemos, é o vale a sudoeste de Jerusalém onde, no tempo de Jesus, estava a lixeira da cidade. É disso que Jesus fala quando diz que a vida pode acabar na lixeira… Lixada (jogada fora), portanto. O aviso é forte e claro, a metáfora dispensa explicações. É o único medo permitido por Jesus, aquele que nos põe vigilantes em relação ao que nos pode lixar a vida, o que nos pode arrastar para a lixeira, umas vezes puxando-nos pelos cabelos e outras vezes (a maior parte) seduzindo-nos com encantos e promessas feitas ao ouvido do “Homem Velho” que ainda existe em nós…
Olha: a Fé de Jesus no carinho de Deus era tal que a maneira que arranjou para dizer que O Pai está conosco foi afirmar que nem um cabelo da nossa cabeça cai sem que Ele consinta (a ser verdade, pressinto que Deus tem uma obsessão por mim nos últimos anos…).
Jesus, que até nos disse que não se consegue entrar no Reinado de Deus sem apreciar os lírios dos campos e a atividade dos pássaros, voltou a falar dos passarinhos para nos contar estas coisas importantes do carinho paternal de Deus: somos mais importantes que os passarinhos! Aliás, para citar mesmo o evangelho: “Vós excedeis todos os passarinhos!” Na boca de Jesus, que gostava de passarinhos, isto é enorme.
POR ISSO, POR TANTO, ENTÃO... não tenhais medo!
Porque, por mais exigente que seja a confiança, é o medo que nos "lixa".

Pe. Rui Santiago, cssr

Redentorista - Porto Portugal