ESFORÇAI-VOS POR ENTRAR PELA PORTA ESTREITA
A porta estreita é por onde não entra a multidão. Nos evangelhos de Lucas e de Marcos, a multidão é
sempre símbolo de dispersão, de desencontro, de bloqueio relacional. É sempre
“por causa da multidão” que Jesus deixa de estar ao alcance, como acontece com
Zaqueu ou com aquela mulher que há doze anos sofria de hemorragias. Zaqueu
“correu à frente da multidão” e a mulher doente “furou entre a multidão” para
se encontrarem com Jesus. O encontro pessoal com Jesus implica sempre uma
vitória sobre a multidão.
Esta multidão evangélica não é um aglomerado de pessoas, mas sim a dispersão
interior, a confusão de caminhos e desejos, a falta de um centro
suficientemente válido para orientar as opções e os projetos. Assim
como a multidão de pessoas arrasta, esta multidão evangélica simboliza também a
opressão da liberdade e a debilidade da vontade pela qual tantas vezes nos
demitimos da Vida como se os dias não nascessem para que nós renascêssemos
neles!
A porta
larga é a porta da multidão! A porta estreita é o lugar da Liberdade, da
Vontade e da Dignidade a que Jesus nos chama como pessoas à imagem e semelhança
de Deus e discípulos seus.
A opção
pelo Reino de Deus implica esta opção radical pela Liberdade, pela Vontade e
pela Dignidade. Construímos a nossa e defendemos a de todos! E esta opção manifesta-se
numa existência profética que, muitas vezes, se torna “sinal de contradição”
para muitos.
A rejeição é a sina dos Profetas. Mas a fecundidade também, porque esta depende
da eficácia da Palavra que mastigam e anunciam. A porta estreita é para mim um
sinal claro do “aperto” pelo qual muitas vezes passam os discípulos de Jesus
quando procuram a Fidelidade ao Evangelho como causa primeira da sua Vida.
Os construtores da Paz do Reino de Deus não vivem “tranquilos” como desocupados do mundo! Experimentam o sonho da Paz como apelo a construir a Justiça e, em nome desta, estão dispostos a dar a Vida até às últimas consequências porque sabem já que aquilo que vale para viver, vale também para morrer! “Felizes os que sofrem por causa da Justiça, porque deles é o Reino de Deus!”
Fala quem
sabe...
A porta estreita é também para mim há muito um símbolo radical de libertação e renascimento. Vejo-a como passagem libertadora – Páscoa! – na qual sou definitivamente despojado do Homem Exterior ou Homem Velho. Imagina-te a caminhar carregado de sacos nas mãos, como naqueles dias de compras para o mês no supermercado. Consegues ver-te a passar por uma porta estreita? Nem tudo passa, não é? Pois...
A porta estreita é o símbolo da permanente passagem libertadora que implica a emergência do Homem Novo e a morte do Homem Velho. A porta estreita como que nos “arranca bocados” e nos despoja de uma quantidade de coisas que levamos nas mãos, às costas e nos bolsos...
E é do “outro lado” que nos reconhecemos Inteiros! Sim, estamos verdadeiramente Inteiros quando nos vemos livres daquilo que nos dispersa ou descentra. Estamos verdadeiramente Inteiros quando somos aquilo que seremos para sempre, e não retalhos passageiros de “eus a prazo”…
Passar pela porta estreita é viver em dinâmica pascal, em permanente processo de passagem libertadora pelo crivo do Evangelho. E isto não é para todos… Por muito que custe dizê-lo! É o próprio Jesus quem o diz primeiro: “Muitos o tentarão e não conseguirão...”
Porque nas coisas importantes e perenes da Vida a boa-vontade não chega e as boas intenções são como o peixe: não puxa carroça! “O Reino de Deus é dos violentos”, disse Jesus, é daqueles que estão dispostos a dar a Vida por ele, é daqueles que não desistem da luta não-violenta pela causa da Justiça que constrói a Paz, é de todos os que colocam a Confiança no Espírito de Deus acima das suas próprias forças, dos seus próprios desejos ou dos seus próprios medos.
O Amor Salvador de Deus é universal e incondicional, mas Jesus foi bem claro quando chegou a hora de falar daqueles que lhe apareciam para se fazerem seus discípulos na construção-antecipação do Reino de Deus na história: “Quem deitar a mão ao arado e olhar para trás NÃO SERVE para o Reino!”
É esta a porta estreita… A seriedade e radicalidade com que Jesus assume a causa do Reino e a propõe aos seus discípulos de todos os tempos! Na porta larga não é preciso abdicar de nada para passar, não dá aperto nem faz sangue, não exige que me torne outro para a atravessar… A porta larga não me pede um amor sem medida, não me convida à conversão, não me ensina a renascer e não provoca em mim a libertação.
Mas sem esta seriedade e radicalidade evangélicas que Jesus propõe, sem estas passagens libertadoras em que o Coração renasce maior, sem esta aprendizagem permanente das artes de amar e perdoar, o Ser Humano fica aquém daquilo para que está chamado! Por isso é que Jesus diz que “esse é o caminho da perdição”...
A porta estreita não é um lugar, não é sequer um momento. É um jeito evangélico de viver em permanente dinâmica de passagem libertadora da própria Vida pela Vida de Jesus.
Ou, se quiseres, a porta estreita é aquela existência pascal que se chama Batismo no Espírito...
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