"PORTANTO, NÃO TENHAIS MEDO!"
12º DOMINGO DO TEMPO COMUM – ANO A
Estamos num território cheio de nomes. É o capítulo 10 do evangelho de Mateus, um capítulo todo discipular. A abertura é uma lista de discípulos nomeados pessoalmente, alguns com direito a alcunha, outros com alusão ao nome do pai, outros ainda com a referência ao lugar de origem. É assim que o capítulo 10 deste evangelho começa, delimitando a familiaridade em que os nomes todos são conhecidos e aparecem na boca de Jesus. Mais as alcunhas e as origens, repito, que nisto de sublinhar a tensão verdadeiramente relacional do evangelho, acho que nunca seremos exagerados.
Depois de lhes dizer os nomes
como quem sabe de cor as linhas da mão de cada um, começa Jesus a falar-lhes da
missão em termos de “cordeiros no meio de lobos”. O Reinado de Deus vai sofrer
violência, avisa o Mestre, vai ser rejeitado até às últimas consequências.
Então, percebemos que a nomeação dos Doze é uma cena de “inscrição”: inscritos
na luta do Reinado de Deus, é suposto saberem de que lado estão e que uma das
originalidades mais específicas do Reinado de Deus, segundo Jesus, é a
não-violência radical.
Então, é preciso meter-lhes
espírito no corpo, salgar-lhes as carnes. É aqui que chegamos, e a mensagem não
podia ser mais clara: não tenhais medo! Três vezes repetido. Temos que levar
a sério aquilo que Jesus se dá ao trabalho de repetir três vezes em tão poucas
linhas…
É claro que esta valentia não
pode vir deles mesmos. O segredo é uma confiança desmedida no Pai. Jesus era
assim. As coisas são tão assombrosamente claras e críticas como isto!
Peço desculpa por meter aqui o
grego, mas há uma palavrinha no original que não está traduzida no texto em
português. Onde lemos simplesmente “Não tenhais medo” ou “Não temais”, o que
está lá em grego é “Mê oun fobêtete”.
"Mê" é a partícula negativa, o nosso “não”. “Fobêtete” soa ao ouvido, por causa da palavra
“fobia” que daí derivou para o português: medo.
Daqui se forma o “Não temais” ou
“Não tenhais medo”. Mas está lá também aquele “oun”, que é uma palavra chave.
Significa “Por isso” ou “Portanto” ou “Então”. É um artigo que implica
sequência, consequência, resposta a algo prévio. Quer dizer: o motivo da
valentia é outro, é doutro, iniciativa recebida.
POR ISSO, não tenhais medo.
PORTANTO, não temais.
ENTÃO, não entreis em "paniqueis".
Este artigo “oun” mostra-nos que a coragem que
Jesus pede aos seus nasce de um “Por isso”, de um “Portanto”, de um “Então”.
É Jesus quem nos diz coisas no segredo da noite em
que ninguém nos vê…
POR ISSO, anunciemos em plena luz, ou até ser luz.
É Jesus quem nos conta ao ouvido os detalhes do
Reino…
PORTANTO, apregoemos no cimo dos telhados.
A sua vida está homologada por Deus, a sua Palavra
está homologada pelo Pai…
ENTÃO, entremos nessa homologação, digamos com ele e vivamos como ele.
ENTÃO, entremos nessa homologação, digamos com ele e vivamos como ele.
Já podes desfranzir o sobrolho.
Não foi por acaso que usei esta palavra, tão pouco costumeira nos assuntos da
Fé: homologação. Mas é isto mesmo que está lá no texto grego: o verbo
“homologeô”. Homologar, em português. “Então, cada um que me homologar diante
dos homens, também eu o homologarei diante do Pai dos Céus”. Literalmente, é
isto. Homologar é dizer a mesma palavra (logos), ter uma palavra comum. Palavra
não é som, mas comunicação! Por isso é da palavra “logos” que se faz “lógica”
também… Homologar é sintonizar na mesma palavra (logos), pactuar na mesma
lógica (logikê).
Relembro, para quem já tenha
esquecido: isto começa tudo com nomes, e alcunhas trocadas entre amigos
íntimos, e nomes de pais e lugares de origem e tudo! Quer dizer: estamos no
território da relação, da amizade, do pacto. E o que Jesus pede é seriedade
absoluta nesta relação. Não há neutralidade possível! Só há duas
possibilidades: homologá-lo ou rejeitá-lo; confirmá-lo ou desmenti-lo;
aceitá-lo ou recusá-lo; sim ou não. Não há “via do meio”. E as consequências
são relacionais. É verdade que uma relação só pode construir-se com a
colaboração dos dois lados, mas basta um deles para se quebrar. O lado pelo
qual o nosso pacto com Jesus pode quebrar é sempre. e só, o nosso. Mas, é
bastante. É essa crueldade real que está colocada na boca de Jesus em forma de
consequência 2+2=4. Quem confirmar o meu testemunho, será confirmado pelo meu
testemunho. Quem desdisser o meu testemunho, será desdito pelo meu testemunho.
Jesus é sempre um Sim. O seu Sim confirmará os nossos sins; o seu Sim
desmascarará os nossos nãos. Recuso-me a falar dos nins (aqueles que não são nem sim e nem não),
desgraça ainda maior.
Uma última palavrinha sobre a
consolação que nos vem desta Palavra assegurada por Jesus: “Então, não tenhais
medo!” Porque, pelos visto, é o medo que nos “lixa”! O medo lixa-nos a vida.
Foi Jesus que disse, não fui eu! A Geena como sabemos, é o vale a sudoeste de
Jerusalém onde, no tempo de Jesus, estava a lixeira da cidade. É disso que
Jesus fala quando diz que a vida pode acabar na lixeira… Lixada (jogada fora), portanto. O aviso é forte e claro, a metáfora dispensa explicações. É o único medo
permitido por Jesus, aquele que nos põe vigilantes em relação ao que nos pode
lixar a vida, o que nos pode arrastar para a lixeira, umas vezes puxando-nos
pelos cabelos e outras vezes (a maior parte) seduzindo-nos com encantos e
promessas feitas ao ouvido do “Homem Velho” que ainda existe em nós…
Olha: a Fé de Jesus no carinho de
Deus era tal que a maneira que arranjou para dizer que O Pai está conosco foi
afirmar que nem um cabelo da nossa cabeça cai sem que Ele consinta (a ser
verdade, pressinto que Deus tem uma obsessão por mim nos últimos anos…).
Jesus, que até nos disse que não
se consegue entrar no Reinado de Deus sem apreciar os lírios dos campos e a atividade
dos pássaros, voltou a falar dos passarinhos para nos contar estas coisas
importantes do carinho paternal de Deus: somos mais importantes que os
passarinhos! Aliás, para citar mesmo o evangelho: “Vós excedeis todos os
passarinhos!” Na boca de Jesus, que gostava de passarinhos, isto é enorme.
POR ISSO, POR TANTO, ENTÃO... não
tenhais medo!
Porque, por mais exigente que seja
a confiança, é o medo que nos "lixa".
Pe. Rui Santiago, cssr
Redentorista - Porto Portugal
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