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sexta-feira, 23 de junho de 2017

HOMILIA DO DOMINGO: O MEDO É QUE NOS "LIXA" A VIDA



"PORTANTO, NÃO TENHAIS MEDO!"

12º DOMINGO DO TEMPO COMUM – ANO A


Estamos num território cheio de nomes. É o capítulo 10 do evangelho de Mateus, um capítulo todo discipular. A abertura é uma lista de discípulos nomeados pessoalmente, alguns com direito a alcunha, outros com alusão ao nome do pai, outros ainda com a referência ao lugar de origem. É assim que o capítulo 10 deste evangelho começa, delimitando a familiaridade em que os nomes todos são conhecidos e aparecem na boca de Jesus. Mais as alcunhas e as origens, repito, que nisto de sublinhar a tensão verdadeiramente relacional do evangelho, acho que nunca seremos exagerados.
Depois de lhes dizer os nomes como quem sabe de cor as linhas da mão de cada um, começa Jesus a falar-lhes da missão em termos de “cordeiros no meio de lobos”. O Reinado de Deus vai sofrer violência, avisa o Mestre, vai ser rejeitado até às últimas consequências. Então, percebemos que a nomeação dos Doze é uma cena de “inscrição”: inscritos na luta do Reinado de Deus, é suposto saberem de que lado estão e que uma das originalidades mais específicas do Reinado de Deus, segundo Jesus, é a não-violência radical.
Então, é preciso meter-lhes espírito no corpo, salgar-lhes as carnes. É aqui que chegamos, e a mensagem não podia ser mais clara: não tenhais medo! Três vezes repetido. Temos que levar a sério aquilo que Jesus se dá ao trabalho de repetir três vezes em tão poucas linhas…
É claro que esta valentia não pode vir deles mesmos. O segredo é uma confiança desmedida no Pai. Jesus era assim. As coisas são tão assombrosamente claras e críticas como isto!
Peço desculpa por meter aqui o grego, mas há uma palavrinha no original que não está traduzida no texto em português. Onde lemos simplesmente “Não tenhais medo” ou “Não temais”, o que está lá em grego é “Mê oun fobêtete”.
"Mê" é a partícula negativa, o nosso “não”. “Fobêtete” soa ao ouvido, por causa da palavra “fobia” que daí derivou para o português: medo.
Daqui se forma o “Não temais” ou “Não tenhais medo”. Mas está lá também aquele “oun”, que é uma palavra chave. Significa “Por isso” ou “Portanto” ou “Então”. É um artigo que implica sequência, consequência, resposta a algo prévio. Quer dizer: o motivo da valentia é outro, é doutro, iniciativa recebida.
POR ISSO, não tenhais medo.
PORTANTO, não temais.
ENTÃO, não entreis em "paniqueis".      

Este artigo “oun” mostra-nos que a coragem que Jesus pede aos seus nasce de um “Por isso”, de um “Portanto”, de um “Então”.
É Jesus quem nos diz coisas no segredo da noite em que ninguém nos vê…
POR ISSO, anunciemos em plena luz, ou até ser luz.
É Jesus quem nos conta ao ouvido os detalhes do Reino…
PORTANTO, apregoemos no cimo dos telhados.
A sua vida está homologada por Deus, a sua Palavra está homologada pelo Pai…
ENTÃO, entremos nessa homologação, digamos com ele e vivamos como ele.
Já podes desfranzir o sobrolho. Não foi por acaso que usei esta palavra, tão pouco costumeira nos assuntos da Fé: homologação. Mas é isto mesmo que está lá no texto grego: o verbo “homologeô”. Homologar, em português. “Então, cada um que me homologar diante dos homens, também eu o homologarei diante do Pai dos Céus”. Literalmente, é isto. Homologar é dizer a mesma palavra (logos), ter uma palavra comum. Palavra não é som, mas comunicação! Por isso é da palavra “logos” que se faz “lógica” também… Homologar é sintonizar na mesma palavra (logos), pactuar na mesma lógica (logikê).
Relembro, para quem já tenha esquecido: isto começa tudo com nomes, e alcunhas trocadas entre amigos íntimos, e nomes de pais e lugares de origem e tudo! Quer dizer: estamos no território da relação, da amizade, do pacto. E o que Jesus pede é seriedade absoluta nesta relação. Não há neutralidade possível! Só há duas possibilidades: homologá-lo ou rejeitá-lo; confirmá-lo ou desmenti-lo; aceitá-lo ou recusá-lo; sim ou não. Não há “via do meio”. E as consequências são relacionais. É verdade que uma relação só pode construir-se com a colaboração dos dois lados, mas basta um deles para se quebrar. O lado pelo qual o nosso pacto com Jesus pode quebrar é sempre. e só, o nosso. Mas, é bastante. É essa crueldade real que está colocada na boca de Jesus em forma de consequência 2+2=4. Quem confirmar o meu testemunho, será confirmado pelo meu testemunho. Quem desdisser o meu testemunho, será desdito pelo meu testemunho. Jesus é sempre um Sim. O seu Sim confirmará os nossos sins; o seu Sim desmascarará os nossos nãos. Recuso-me a falar dos nins (aqueles que não são nem sim e nem não), desgraça ainda maior.
Uma última palavrinha sobre a consolação que nos vem desta Palavra assegurada por Jesus: “Então, não tenhais medo!” Porque, pelos visto, é o medo que nos “lixa”! O medo lixa-nos a vida. Foi Jesus que disse, não fui eu! A Geena como sabemos, é o vale a sudoeste de Jerusalém onde, no tempo de Jesus, estava a lixeira da cidade. É disso que Jesus fala quando diz que a vida pode acabar na lixeira… Lixada (jogada fora), portanto. O aviso é forte e claro, a metáfora dispensa explicações. É o único medo permitido por Jesus, aquele que nos põe vigilantes em relação ao que nos pode lixar a vida, o que nos pode arrastar para a lixeira, umas vezes puxando-nos pelos cabelos e outras vezes (a maior parte) seduzindo-nos com encantos e promessas feitas ao ouvido do “Homem Velho” que ainda existe em nós…
Olha: a Fé de Jesus no carinho de Deus era tal que a maneira que arranjou para dizer que O Pai está conosco foi afirmar que nem um cabelo da nossa cabeça cai sem que Ele consinta (a ser verdade, pressinto que Deus tem uma obsessão por mim nos últimos anos…).
Jesus, que até nos disse que não se consegue entrar no Reinado de Deus sem apreciar os lírios dos campos e a atividade dos pássaros, voltou a falar dos passarinhos para nos contar estas coisas importantes do carinho paternal de Deus: somos mais importantes que os passarinhos! Aliás, para citar mesmo o evangelho: “Vós excedeis todos os passarinhos!” Na boca de Jesus, que gostava de passarinhos, isto é enorme.
POR ISSO, POR TANTO, ENTÃO... não tenhais medo!
Porque, por mais exigente que seja a confiança, é o medo que nos "lixa".

Pe. Rui Santiago, cssr

Redentorista - Porto Portugal

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