“O SENHOR FORMOU O HOMEM DO PÓ DA TERRA...” (Gn 2,7).
Esta afirmação nos remete a uma das
exortações prescritas para a distribuição das cinzas: “Lembra-te que é pó, e ao
pó voltarás”. De fato, somos pós, terra, fragilidade. O ser humano vive do
sopro divino, mas não perde a sua fragilidade, e Deus sabe de que barro somos
feitos. A Quaresma é uma oportunidade para nos lembrarmos de nossa condição,
deixando de lado o orgulho autossuficiente, faz-nos conscientes de que a
tentação pode nos fazer sucumbir.
O deserto é um lugar
teológico de profundo significado. Não se trata de um espaço geográfico, mas de
uma experiência espiritual de solidão e silêncio. Somente quando nos afastamos
dos ruídos, da agenda atribulada, das superficialidades da vida e até mesmo das
pessoas, por algum tempo, poderemos olhar para o profundo de nosso coração. Lá
não encontraremos apenas bondade, mas muitas necessidades não satisfeitas,
ambições desordenadas, seguranças falsas. É importante deixar-se conduzir ao
deserto para perceber quais são as vozes que gritam dentro de nós. Um pouco da
ausência das ilusões desta vida nos ajudam a perceber o quanto elas nos fazem
falta. A experiência do deserto descrita no Evangelho é uma luta contra as
tentações. É necessário que o demônio se mostre, que o mal se faça emergir para
que saibamos contra o que lutamos.
Mesmo Jesus, o Filho
de Deus, foi tentado a sucumbir, foi tentado a deixar o seu projeto em prol do
Reino e da salvação para abraçar seguranças do prazer, do ter, do poder. Tais
tentações acompanharam Jesus durante toda a sua vida, e acompanham também a
nossa vida. Todos nós desejamos sempre substituir Deus por coisas, situações e
pessoas. Queremos ser tão donos e controladores de nossas vidas, de modo a não
admitirmos que algo possa atrapalhar cada passo imaginado em busca da
autossatisfação. Mas a vida não é assim... A vida é um mistério que de desvela,
e somente pode ser compreendido à luz de Deus que não nos deixa ao largo do
caminho...
As tentações são bem
localizadas na cena do Evangelho: o prazer, o ter e o poder:
a) “Se és filho de
Deus, manda que estas pedras se mudem em pão”. É a tentação de buscar ser
saciado a todo custo. Hoje temos um cardápio de possibilidades para nos saciar:
restaurantes, lazeres, compras, programas televisivos. Podem facilmente nos
colocar na condição da futilidade, de uma vida sem projeto, inundada no prazer
momentâneo das coisas que nos ocupam o tempo, enquanto não estamos trabalhando.
É importante ter o necessário, o pão de cada dia, mas não o excesso dos
prazeres. O pior é pensar que os prazeres são essenciais para que a vida possa
seguir o seu curso. O extremo é deixar de lado o que nos preenche
verdadeiramente: o pão da Palavra e o Pão da Eucaristia. Nada pode ocupar o
lugar de Deus em nossa vida: “Não só de pão vive o homem”.
b) “Eu te darei todo
este poder e toda a sua glória...” O diabo é o doador dos bens, mas pede
adoração. É fácil nos curvarmos diante dos bens deste mundo, pois estamos na
sociedade do consumo. A cada instante, os comerciais nos dizem que adquirir
determinado produto vai nos fazer mais felizes. Mas a felicidade jamais está no
possuir. O apego aos bens deste mundo são ilusões, fazem-nos desviar do sentido
verdadeiro da existência, fazem-nos não confiar em Deus - o verdadeiro tesouro.
Precisamos viver com liberdade diante dos bens, partilhando e despojando-nos do
que atrapalha.
c) “Se és filho de
Deus, atira-te daqui para baixo”. É a tentação de se usar o poder para o
exibicionismo, em benefício próprio... Também queremos o prestígio, o
reconhecimento, a fama... O poder é mais destrutivo do que o próprio dinheiro e
acúmulo de bens. Somos tentados a fazer mal uso do poder para nos contentar em
nosso desejo de ter autoridade. Queremos, também, ter o controle mágico sobre a
vida, o controle total sobre o presente e o futuro. Mas a vida segue com suas
surpresas. A confiança em Deus faz-nos encontrar nas surpresas, o Espírito.
Pe. Roberto Nentwig
Arquidiocese Curitiba - PR
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