HOMILIA DO 32°
DOMINGO DO TEMPO COMUM – ANO B
Os simples “se salvam pela ignorância”. Para
os escribas vale o contrário: já que sabem, porém escondem sua cobiça de honra,
banquetes e dinheiro atrás de longas orações, “esses receberão
sentença mais severa”. Os escribas não são os fariseus. Estes eram judeus
fervorosos, dados à observância da Lei até os mínimos detalhes. Para isso
precisavam de assistência teológica, que lhes era fornecida pelos teólogos, os
escribas.
Os escribas geralmente aderiam à tendência
farisaica, que lhes garantia freguesia e fama de santidade, mas nem por isso
eram tão santos assim. Aconselhando “boas obras” às viúvas, proviam-se dos
pobres recursos delas. Gostavam de todo tipo de precedência, até na boa comida.
Nem todos, é claro (cf. ev. Dom. pass), mas muitos. Também hoje conhecemos os
que explicam a Lei e os que a aplicam. O evangelho de hoje faz uma oposição
entre a falsa piedade dos escribas (a hipocrisia) e a verdadeira piedade de
suas vítimas, as viúvas, sinônimo de pessoas desprotegidas.
Cita o exemplo de uma viúva que, depositando
algumas moedinhas no templo, coloca “todo o seu viver”(literalmente cf. o texto
grego) nas mãos de Deus, enquanto as pessoas abastadas, embora com muita
ostentação, só dão de seu supérfluo.
A índole da viúva é confiar em Deus, já que vive à
mercê das pessoas. A 1ª leitura nos narra um episódio para ilustrar
isso. Elias está fugindo do ódio mortal que lhe dedica a rainha Jezabel, filha
do rei da Fenícia. A fuga o leva à pátria dessa rainha. A fome o obriga a
recorrer à casa de uma pobre viúva, antípoda da rainha. Ela está no fim de seus
viveres. Vai cozinhar sua última farinha para si e seu filho, prevendo para
depois a morte pela fome. Mas mesmo assim, dá preferência ao “homem de Deus” e
lhe entrega seu último “viver”. E Deus recompensa sua entrega total: sua
despensa nunca mais ficará vazia.
A mensagem global destes textos é que certos
“homens da religião” estão muito longe do mistério da generosidade que se
realizou no encontro do “homem de Deus” (Elias) e a viúva de Sarepta – uma
pagã. Muitos homens da religião correm às casas das viúvas para se enriquecer,
não para encher as despensas delas. Entretanto fazem ostentação de uma piedade
que é a negação mesma da piedade da pobre viúva. Será que isso só existia em
Israel, no tempo de Jesus?
“Esses terão uma sentença mais severa” fica soando
em nossos ouvidos. A liturgia aponta para o tempo final. Está na hora de um
exame de consciência. Onde estamos: na singela generosidade das viúvas, ou na
“hipocrisia” dos teólogos? Para ser como as viúvas, é preciso ter a verdadeira
fé, a certeza de estar na mão de Deus. A oração do dia nos incentiva
para recorrermos a Deus em todos os perigos e lhe ficarmos completamente
disponíveis. Pelo outro lado, a religião dos teólogos e legistas é apenas letra
no papel (além de exploração dos simples e desprotegidos), não é entrega da
vida. Os cantos (salmo responsorial, aclamação ao evangelho) vêm
ajudar-nos para escolher o lado certo.
Um aparte para a 2ª leitura. É o texto
fundamental de toda a teologia sacramental, especialmente a que se refere ao
sacrifício eucarístico. Cristo significa o fim de todos os sacrifícios. Não
estou falando das mortificações pedagógicas nem das dificuldades reais que as
pessoas devem enfrentar em sua vida, para serem fiéis à sua vocação. Mas
sacrifício mesmo, no sentido de destruição de um objeto ou uma vida, para
apaziguar Deus – isso já não tem vez, depois de Cristo. Cristo é o sacerdote
que entrou no Santuário santificado por seu próprio sangue, no qual todos são
santificados. Sendo homem verdadeiro (Hb 4,15!), vivendo a fidelidade à sua
missão até o fim, mostrando que Deus é fidelidade e amor, Jesus aboliu todas as
maneiras de aplacar Deus por sacrifícios violentos e sangrentos. Deus “se
realiza” num escravo do amor até o fim, e desde que ele resumiu o culto a Deus
nesta atitude, esta se toma para seus seguidores o único caminho de restauração
e paz. Por isso, a cruz não pode mais ser repetida uma segunda vez. Nem se pode
inventar outros meios para aplacar Deus, como, por exemplo, as obras da Lei: se
estas salvassem, Cristo teria morrido em vão (Gl 2,21). O sacrifício de Cristo
não se repete; só pode ser comemorado, atualizado sempre de novo em cada
existência cristã, em cada celebração de sua eterna atualidade. Também a vida
cristã, consagrada ao testemunho do amor e da doação, não é uma repetição da
morte de Cristo, mas a participação na sua presença. E surge aqui a perspectiva
da consumação final: Jesus voltará para completar a salvação dos que
depositaram nele sua esperança.
Do livro “Liturgia Dominical”, de Johan Konings,
SJ, Editora Vozes
FONTE: franciscanos.org
Nenhum comentário:
Postar um comentário