O quanto as redes sociais nos tornaram antissociais uns com os outros
O surgimento da internet e sua propagação há até alguns anos
despertaram sonhos e esperanças diversos: acabariam as fronteiras e divisões;
governos autoritários seriam extintos; haveria uma magnífica construção
coletiva do conhecimento em que todos participariam; seriam formadas
autoestradas da informação, a sociedade da informação e um novo ser humano. Com
o advento das chamadas “redes sociais”, o encantamento, que em grande parte
continua, tem sido o mesmo. Supunha-se que criariam vínculos entre diferentes
de maneira ilimitada, dentre outras expectativas.
Em parte, essas possibilidades se concretizaram. Inclusive,
no Brasil, o pouco de vozes diferentes e independentes da grande mídia de
direita, que ao longo da história tem encampado os pontos de vista e interesses
dos 5% mais ricos da sociedade, tem tido espaço graças à internet. Mas as
sociedades e estudiosos estão atônitos de como as redes digitais tem ido em
sentido contrário a tantas das expectativas imaginadas.
A tão festejada primavera árabe tornou-se inverno árabe,
colocando governos autoritários no poder. E em todos os lugares discursos de
ódio, notícias falsas, agressividade, autoritarismo, preconceitos, racismo,
machismo, acirramento de divisões de classes sociais encontraram terreno fértil
nas redes digitais. Pessoas se agruparam por meio delas com essas afinidades,
outros despertaram ou fortaleceram tendências que tinham latentes e outros são
intoxicados ao frequentar e usar tais redes.
As expressões de agressividade não se dão em torno de grandes
temas e questões políticas ou ideológicas. Mas é comum que temas os mais
diversos e até assuntos banais se tornem motivo para comentários maldosos,
grosseiros e agressivos. Há uma espécie de pulsão ou prazer por fazer polêmica
em tais ambientes. As reações na rede costumam ser impulsivas, rápidas e
desregradas. O teclado está à mão e o monitor ligado. Seu discurso não é
dialógico, mas, muito mais monológico. Na sua frente não há olhos a serem
encarados sob aprovação ou censura, mas só uma tela. Um ambiente que tem
favorecido a projeção do que há de pior nas mentes e sentimentos das pessoas.
Temas falsos são propalados ou fortalecidos rapidamente com muitos
comentários, “curtidas” ou compartilhamentos. As ondas de comoção virtuais em
grande escala com assuntos falsos no todo ou em parte, verdadeiros tsunamis
virtuais, ganharam até nome sugestivo na literatura especializada: “shitstorms” ou tempestades de merda (no
mundo político, quem primeiro usou essa expressão foi Angela Merkel). Outro
aspecto curioso é que, ao invés das infinitas interações com as diferenças, as
pessoas estabelecem suas rotas costumeiras e bem conhecidas nas redes, fazem
seus guetos, segmentações e levam para a rede as divisões, estereótipos e
preconceitos que têm no mundo físico.
Imaginou-se que a internet e as redes digitais seriam uma
apoteose da comunicação e se constata que a comunicação como interação e
criação de entendimento está muito frágil. Segundo Dominique Wolton, em É
preciso salvar a Comunicação (Paulus, 2006), essa frustação ocorre
porque não basta apenas técnica e tecnologia para se comunicar, são necessários
os valores humanísticos e democráticos, a capacidade de aceitação, respeito e
troca com o diferente.
Essas constatações não simplesmente podem ser vistas como
fator de pessimismo, mas alertam para que a humanidade não se esqueça que as
técnicas, sem formação e orientação ética, sem humanismo e sem organização social,
não fazem por si um mundo melhor e mais justo, nem muito menos o paraíso
tecnológico e comunicacional.
Por Jakson F. de Alencar*
* Religioso paulino, jornalista, mestre em Comunicação
pela PUC-SP, onde também cursa doutorado na mesma área. Editor da revista Vida
Pastoral, tem colaborado com a editora Paulus em diversas áreas de suas
publicações. Publicou, pela Paulus, o livro A ditadura continuada, no
qual trata das ligações entre os meios de comunicação hegemônicos no Brasil e a
política na atualidade.
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