Um lindo texto para iluminar nossas preces!
Que Deus ouça as
preces que lhe dirijo quando estou mansidão e ternura. Quando estou
contemplação e respeito. Quando as palavras fluem, sem esforço algum, sem
ensaio algum, articuladas e belas, do lugar em mim onde eu e ele nos
encontramos e brincamos de roda. Quando nelas incluo as pessoas que têm nome aquelas
que desconheço existirem. E os meus amores. E os meus desafetos. E os bichos. E
as plantas. E os mares. E as estrelas.
Que Deus ouça as
preces que lhe dirijo quando o medo me acompanha sem que a coragem se ausente.
Quando as coisas seguem o seu rumo sem que eu me preocupe em demasia com o
destino desse movimento. Quando eu me sinto conectada com o amor e reverente à
vida. Quando as lágrimas nascem apenas de um alegre e comovido sentimento de
gratidão. Quando caminho com a rara confiança que só as crianças que ainda não
doem costumam experimentar, já que, infelizmente, algumas começam a doer muito
cedo.
Que Deus ouça as
preces que lhe dirijo quando sou capaz de pressentir o sol mesmo atravessando
uma longa noite escura. Quando posso cruzar desertos com a clara convicção de
que a vida não é feita somente deles. Quando consigo olhar para todas as
experiências, sem que aquelas que me desconcertam me impeçam de valorizar as
que me encantam. Quando as tristezas que repentinamente me encontram não
atrapalham a certeza da sua impermanência.
Que Deus ouça as
preces que lhe dirijo quando amanheço revigorada e anoiteço tranquila. Quando
consigo manter uma relação mais gentil com as lembranças difíceis que, às
vezes, ainda me assombram. Quando posso desfrutar do contentamento mesmo
sabendo que existem problemas que aguardam eu me entender com eles. Quando não
peço nada além de força para prosseguir, por acreditar que, fortalecida, eu
posso o que quiser, em Deus.
Mas eu desejo,
profundamente, que Deus também ouça as preces que lhe dirijo quando eu não
consigo elaborar prece alguma. Quando a dor é tão grande que minha fala não passa
de um emaranhado de palavras confusas e desconexas que desenham um troço que
nem eu entendo. Quando o medo me paralisa e perturba de tal forma que eu me
encolho diante da vida feito um bicho acuado. Quando me enredo nas minhas
emoções com tanta confusão que parece que aquele tempo não vai mais passar.
Que Deus ouça também
as preces que lhe dirijo quando só consigo chorar e, mesmo depois de já ter
chorado muito, tenho a sensação de ainda não ter chorado tudo. Quando me sinto
exaurida e me entrego a esse cansaço completamente esquecida dos meus recursos.
Há momentos em que a gente parece ignorar tudo o que pode nos ajudar a lidar
melhor com os desafios. Há momentos, ainda, em que a gente se confunde sobre o
local onde, de verdade, os desafios começam.
Que Deus ouça também
as preces que lhe dirijo quando me parece que eu não acredito em mais nada.
Quando sou incapaz de ver qualquer coisa além do foco onde coloco a minha dor.
Quando não consigo articular meus pensamentos nem entrar em contato com alguma
doçura que me faça lembrar das coisas que realmente nos movem. Quando não lhe
dirijo nenhuma prece. Nem com palavras. Nem com um sorriso enternecido quando
dou de cara com uma flor. Com um pôr-do-sol. Com uma criança. Com uma lua
cheia. Com o cheiro do mar. Com o riso bom de um amigo. Que ele me ouça com o
seu ouvido amoroso e me acolha no seu coração, porque é exatamente nesses
momentos que eu não consigo ouvi-lo em mim.
Ana Jácomo
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