CATEQUISTA MISTAGOGO
Uma coisa nós sabemos, somos muito bons em produzir “documentos”! Por “nós” eu quero dizer a Igreja Católica em suas várias instâncias: Vaticano, CNBB, dioceses, regionais, comissões pastorais... E, notadamente, documentos que poucas pessoas conhecem ou, conhecem porque compraram e está na estante à mercê da natureza e do tempo. Um dia talvez, meio por acaso (como foi o meu caso), a gente encontra e se põe a ler. E, que coisa! Por que demorei tanto para ler com atenção?
Um belo exemplo disso é o “Sulão” de Catequese, um evento que acontece há mais de 30 anos e reúne catequistas das dioceses dos estados do Rio Grande do Sul (Regional Sul 3), Santa Catarina (Regional Sul 4), Paraná (Regional Sul 2), São Paulo (Regional Sul 1) e Mato Grosso do Sul (Regional Oeste 1). O Sulão começou em 1988 e já está na sua décima edição, sendo que o X Sulão de Catequese foi realizado durante todo o ano de 2023 com encontros nos 5 regionais da CNBB. O “documento” desse encontro foi publicado pela Editora Vozes: “X Sulão de Catequese – catequista, ministério e missão eclesial”, que pode ser adquirido pela internet na apropria Vozes ou no Amazon.
Aqui trazemos, mais especificamente, o VII Sulão que aconteceu em 2011 em São José do Rio Preto- SP, que tinha por objetivo: “(...) ajudar os catequistas numa reflexão bíblico-catequética para sua formação, tendo em vista a Iniciação à Vida Cristã. Saber as exigências necessárias, despertando o aspecto mistagógico, apontando caminhos para o discipulado missionário. Para isto, é preciso entender a fé a partir de Jesus Cristo no contexto dos problemas e desafios de hoje. Num caminho mistagógico e celebrativo, a catequese deve levar o catequizando a encontrar Jesus nos dados do patrimônio da fé que lhe são oferecidos”.
O tema do VII Sulão foi “MISTAGOGIA: NOVO CAMINHO FORMATIVO DE CATEQUISTAS”, pegando como embasamento bíblico o chamado de Jesus aos discípulos e a resposta de André ao seu irmão Simão e palavras de Filipe para Nataniel: “Encontramos o Senhor! Vem e vê!” (Jo 1,41b.46c).
Como tema geral, o VII Sulão discutiu o aspecto formativo do Catequista com relação à sua mistagogia ou “o despertar do aspecto mistagógico” de sua formação. No entanto, “Mistagogia” é uma palavra que, ainda hoje, muitos catequistas não sabem bem explicar: Precisamos ser catequistas “Mistagogos”, dizem os documentos, mas, o que é isso? Como se faz isso?
Pois é, o documento de VII Sulão de 2011, traz ótimas reflexões para esta temáticas e estas perguntas.
“A realidade interpelante na formação dos catequistas” é o título do 1º Capítulo do documento; “Que estais procurando?” (Jo 1,38), é a referência bíblica para esta reflexão.
De fato, diante de resistências, conflitos, desafios muitas vezes difíceis de um discernimento adequado, o catequista não sabe bem onde procurar uma resposta. De um lado somos chamados a “superar uma catequese infanto-juvenil, voltada, sobretudo, aos sacramentos”, de outro lado, não sabemos o que esse “novo” nos trará nessa mudança de época, onde desde a cultura até a dimensão político-econômica aponta para um mundo centrado muito no indivíduo do que na comunidade.
E a pergunta de Jesus aos discípulos no começo da sua caminhada, vem a nós também hoje: “Que estais procurando?” Esta inquietação, levantada pelo documento há 13 anos atrás, ainda continua a nos impulsionar a procurar um caminho que nos leve a uma formação catequética que possa fazer frente a tantas mudanças culturais e sociais.
O capítulo começa fazendo uma Leitura da realidade diante da formação dos catequistas.
Diante de uma realidade desafiadora, é essencial compreender que o ponto de partida será sempre a pessoa. Na catequese, a vida deve ocupar o centro de nossas atenções, pois as necessidades, aspirações e motivações do ser humano devem orientar a educação da fé. Aquilo que não toca o coração não inspira, não entusiasma, nem transforma. Voltamos aqui ao essencial: o “ser” do catequista, a pessoa que ele ou ela são.
Para compreender melhor o cenário atual, o documento destaca alguns aspectos apresentados pelo Documento de Aparecida e outros documentos da Igreja:
1. A sociedade vive claramente uma mudança de época.
2. A supervalorização do indivíduo e de sua subjetividade compromete a integridade do ser humano em sua relação com Deus, com os outros e com o mundo.
3. O compromisso comunitário enfraquece, e o sentido de pertença, tanto na Igreja quanto na sociedade, se dissolve. O bem comum é frequentemente substituído por interesses pessoais.
4. O imediatismo emocional e o que é palpável ganham prioridade, enquanto valores mais profundos são deixados de lado.
Embora essas transformações apresentem aspectos positivos, como a valorização da pessoa, a busca por sentido, a defesa da diversidade cultural e o reconhecimento dos direitos de grupos minoritários (indígenas, afrodescendentes, mestiços e outras comunidades), também trazem desafios. Muitos enfrentam crises de identidade e propósito, sentindo-se frustrados, ansiosos e desiludidos por não se encaixarem nos padrões impostos pela sociedade.
Neste contexto, o catequista se vê cercado por crises, problemas e desafios. Muitas vezes, questiona sua fé, vocação, desempenho, missão e até mesmo o sentido da vida. Como os discípulos de Jesus, o catequista pode encontrar-se diante do mesmo dilema: “A quem iremos, Senhor?” (Jo 6,68).
Na sequência o documento destaca os Desafios da realidade na formação iniciática do catequista, ressaltando que é urgente “a superação do modelo catequético do tempo da cristandade, onde a fé era passada de pai para filho de forma tradicional, acentuando fortemente a dimensão doutrinal”. Mesmo com tantas mudanças e apelos da Igreja por uma iniciação à vida cristã que leve ao seguimento, ainda encontramos realidades onde a catequese ainda é um modelo “escola” com vistas ao “diploma” que é o sacramento.
Assim, o catequista se vê diante de um quadro onde precisa priorizar sua formação. É necessário determinação para avançar. O catequista deve apostar num aprendizado constante e gradual, levando em conta uma experiência de fé para que possa mergulhar no mistério de Deus.
O VII Sulão de Catequese de 201, aborda de maneira profunda os desafios impostos pelo pluralismo cultural, ético e religioso à transmissão da fé. Esse contexto evidencia a crise do paradigma tradicional, que antes sustentava a vivência religiosa de forma mais homogênea. O documento aponta como essa realidade provoca uma fragmentação da vivência da fé, que, cada vez mais, se entrelaça com a busca por felicidade e satisfação individual. Nesse cenário, o ser humano é interpelado em suas escolhas, demandando discernimento e uma identidade sólida para alcançar o amadurecimento da fé.
No tocante à formação dos catequistas, o texto destaca a importância da sensibilidade. Tal qualidade é apresentada como essencial para evitar a uniformização dos processos e métodos catequéticos. A flexibilidade e a criatividade aparecem como condições indispensáveis para lidar com a diversidade dos "rostos" que compõem a catequese, reconhecendo e respeitando as múltiplas expressões e experiências presentes nesse contexto.
Outro ponto central é o desafio de superar o debate entre uma religiosidade tradicional e individualista e o secularismo crescente. O documento propõe que essa superação só se concretiza por meio de uma experiência de vida comunitária autêntica.
Diante de uma realidade marcada pela transição, diversidade e individualismo, o documento reforça a necessidade de convívio e partilha de experiências. Ele sublinha que o ser humano anseia por pertença, por experiências comunitárias significativas, que se manifestem em acolhimento, afeto e ajuda mútua. Essas dinâmicas, segundo o documento, são fundamentais para construir uma vivência de fé mais sólida e comunitária.
O VII Sulão, também reflete sobre as distorções da vivência da fé no contexto contemporâneo, onde, muitas vezes, o sagrado é reinterpretado sob a ótica da prosperidade e da lógica mercadológica. Nesse modelo, a espiritualidade pode se reduzir a uma mercadoria, fazendo com que muitos fiquem presos a "penduricalhos", renunciando à essência do seguimento de Jesus. Essa dinâmica resulta em uma fé "pobre e fragmentada", como alerta o Documento de Aparecida (DAp 287).
O texto aponta para a centralidade dos valores do Evangelho como critérios para discernir as realidades vividas e propagadas atualmente. Conforme destaca o Diretório Nacional de Catequese (DNC 90), Jesus é o modelo fundamental, tanto para a pessoa como para a sociedade, orientando-as ao comprometimento com o Reino de Deus.
No entanto, o contexto urbano apresenta desafios únicos para a missão da Igreja. As cidades, com sua diversidade cultural e contrastes sociais, expõem uma convivência paradoxal entre riqueza e pobreza, esbanjamento e miséria, abundância de recursos e exclusão. O Documento de Aparecida (DAp 58) observa que, no ambiente urbano, surgem questões complexas de identidade, pertencimento e relação, agravadas por novos códigos linguísticos e simbologias que impactam até mesmo o meio rural.
Para responder a essa realidade desafiadora, o documento enfatiza a necessidade de uma formação específica para os catequistas, que os prepare para atuar no contexto urbano com um espírito missionário. Nesse sentido, São Paulo é apresentado como modelo inspirador. Com sua capacidade de inculturação, ele assumiu diferentes formas de se comunicar e relacionar com as culturas de sua época, exemplificando o ideal missionário ao afirmar: "Tornei-me tudo para todos, a fim de salvar alguns a qualquer custo" (1Cor 9,22).
DISCUSSÃO
Ao final do Capítulo 1 o documento nãos traz algumas interpelações para o “Conversando no grupo de catequistas”, as quais coloco as respostas baseadas nos documentos da Igreja e na minha experiência como catequista e formadora.
1) O mundo mudou, e isto nos leva a assumir atitudes que nos desinstalam e nos levam para um agir mais decisivo, corajoso e criativo. Elencar atitudes possíveis na prática catequética.
O reconhecimento das mudanças no mundo atual exige de nós, catequistas, uma postura que vá além do tradicional, adotando atitudes que transformem nossa prática catequética. Essas mudanças demandam um agir mais decisivo, corajoso e criativo, de modo a atender às necessidades dos catequizandos e à realidade que nos cerca. Abaixo, elencamos algumas atitudes possíveis:
1. Escuta ativa e empatia: Conhecer a realidade dos catequizandos, suas dúvidas, medos e desafios. Acolher suas histórias e experiências para criar um espaço de confiança e diálogo.
2. Aprofundamento na formação contínua: Buscar formação teológica, bíblica e metodológica para responder com propriedade às questões contemporâneas, como pluralismo religioso, secularismo e novas linguagens culturais.
3. Uso de linguagens modernas e tecnologia - Incorporar ferramentas tecnológicas e recursos digitais na catequese, como vídeos, aplicativos, dinâmicas interativas e redes sociais, para dialogar com a realidade dos jovens e crianças.
4. Promoção de vivências comunitárias: Incentivar encontros fora das salas de catequese, como visitas a comunidades carentes, ações sociais e projetos missionários, que despertem nos catequizandos o senso de pertença e responsabilidade cristã.
5. Flexibilidade nos métodos catequéticos: Adaptar os encontros às diferentes realidades dos grupos, sendo criativo na forma de abordar temas e respeitando a pluralidade cultural e social.
6. Foco no protagonismo dos catequizandos: Envolver os catequizandos nas atividades, valorizando sua participação ativa em reflexões, dinâmicas, produções criativas e na construção do itinerário da fé.
7. Valorização da espiritualidade encarnada: Ensinar a fé como algo que permeia a vida cotidiana, mostrando sua conexão prática com temas como justiça social, ética, solidariedade e cuidado com a criação.
8. Atitude missionária: Estimular nos catequizandos e em si mesmo o espírito missionário, indo ao encontro das pessoas, especialmente aquelas mais afastadas da Igreja ou em situações de vulnerabilidade.
9. Criação de um ambiente acolhedor e inclusivo: Garantir que a catequese seja um espaço onde todos se sintam valorizados e respeitados, independentemente de suas histórias ou vivências pessoais.
10. Coragem para inovar: Não temer experimentar novos formatos e abordagens, mesmo que isso implique sair da zona de conforto ou rever práticas que não dialogam mais com a realidade atual.
Essas atitudes são passos concretos para sermos catequistas mais conectados com os desafios do tempo presente, mantendo o essencial: o compromisso com o anúncio do Evangelho e a formação de discípulos missionários.
2) Somos capazes de fazer um caminho processual de fé na busca de uma experiência marcada pelo encontro com o Senhor, uma pessoa de esperança. Quais passos serão necessários darmos para que possamos ser aqueles que levam a esperança?
Para sermos catequistas que conduzem à esperança, é necessário trilhar um caminho processual de fé que nos permita viver e transmitir uma experiência autêntica de encontro com o Senhor. Este processo exige passos concretos, alinhados ao compromisso de sermos testemunhas vivas da esperança que encontramos em Cristo. Abaixo, destacamos os passos essenciais para essa missão:
1. Cultivar uma espiritualidade profunda e autêntica: Viver uma relação pessoal com Deus por meio da oração, leitura orante da Palavra (Lectio divina), sacramentos e momentos de silêncio. Só quem se encontra com o Senhor pode transmiti-Lo aos outros.
2. Formação sólida na fé: Buscar um aprendizado contínuo, tanto teológico quanto pastoral, para compreender e ensinar a mensagem de esperança do Evangelho de forma coerente e adaptada às realidades atuais.
3. Viver o testemunho cristão no cotidiano: Mostrar, através da vida, que a fé traz alegria, sentido e esperança, mesmo diante das adversidades. A coerência entre fé e vida é essencial para inspirar confiança nos catequizandos.
4. Promover o protagonismo dos catequizandos: Encorajá-los a assumir responsabilidades em sua jornada de fé, incentivando que sejam agentes de esperança em suas famílias, escolas e comunidades.
5. Focar em experiências concretas de encontro com Deus: Organizar retiros, momentos de adoração, dinâmicas de oração e ações comunitárias que possibilitem aos catequizandos vivenciarem o amor de Deus de maneira palpável.
6. Construir uma catequese que inspire esperança e alegria: Propor mensagens que mostrem a força da ressurreição, o amor incondicional de Deus e a certeza de que Ele caminha conosco, mesmo nos momentos difíceis.
7. Acolher e escutar os desafios das pessoas: Ser uma presença amiga e empática, aberta a escutar as dores e questionamentos dos catequizandos, mostrando que a fé oferece respostas e conforto.
8. Anunciar a centralidade de Cristo na esperança: Apontar Jesus como a fonte da verdadeira esperança, aquele que venceu a morte e nos dá a certeza de que nunca estamos sozinhos.
9. Incorporar a dimensão comunitária: Construir grupos de catequese que sejam verdadeiras comunidades de fé, onde as pessoas se sintam acolhidas, valorizadas e motivadas a caminhar juntas.
10. Ser testemunha do Reino em ações concretas: Viver a caridade, a justiça e o cuidado com o próximo, especialmente com os mais vulneráveis, para que a esperança cristã seja vista como algo real e transformador.
Com esses passos, tornamo-nos instrumentos que levam a esperança ao mundo, ajudando os catequizandos a encontrarem sentido na fé e a reconhecerem que, com Cristo, todas as coisas se tornam novas.
Ângela Rocha
Catequista e Formadora – Graduada em teologia pela PUCPR.
Minhas respostas foram baseadas em três pilares principais:
Documentos da Igreja - Muitas das ideias estão alinhadas com o Diretório para a Catequese (2020), que destaca a importância do testemunho pessoal do catequista, da formação contínua e do protagonismo dos catequizandos.
Também me baseei em orientações do Documento de Aparecida (DAp), que enfatiza o papel do encontro pessoal com Jesus Cristo, da vivência comunitária e da necessidade de esperança diante dos desafios contemporâneos.
A citação sobre "ser uma pessoa de esperança" remete ao compromisso missionário, presente tanto no DNC (Diretório Nacional de Catequese) quanto em outros textos da Igreja, como Evangelii Gaudium (Papa Francisco).
A experiência prática na catequese envolve atender às necessidades dos catequizandos e da realidade atual, propondo ações concretas que os ajudem a crescer na fé e na vivência cristã. Essa abordagem é comum em encontros de formação catequética, onde o foco é unir teoria e prática.
Reflexões pastorais e pedagógicas: Incorporo a ideia de um processo pedagógico gradual e personalizado, em que os passos se organizam em torno de formar discípulos-missionários, algo recorrente em documentos como o Plano de Evangelização da CNBB e outros materiais pastorais.
A noção de “escuta, acolhimento e uso de linguagens adaptadas” surge da necessidade de contextualizar a catequese à realidade plural, sem perder a essência do anúncio do Evangelho.
Fica aqui um convite...
Se depois que você leu tudo (sinal de que gosta de formação), achar interessante, deixe um comentário...
Referências Bibliográficas:
CELAM. Documento de Aparecida: 5ª Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e Caribenho. São Paulo: Paulus, 2007.
CNBB. Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil (2019-2023). Documento 109. Brasília: Edições CNBB, 2019.
CNBB. Diretório Nacional de Catequese. 3ª. ed. Brasília: Edições CNBB, 2018.
FRANCISCO, Papa. Evangelii Gaudium: A Alegria do Evangelho. São Paulo: Paulus, 2014.
PONTIFÍCIO CONSELHO PARA A PROMOÇÃO DA NOVA EVANGELIZAÇÃO. Diretório para a Catequese. Cidade do Vaticano: Libreria Editrice Vaticana, 2020. Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/letters/2020/documents/papa-francesco_20201016_vescovi-catechesi .pdf . Acesso em: 18 nov. 2024.
SCHERER, Odilo Pedro; BERTOLDI, Marlene; TOGNERI, Silvia; SILVA, Sérgio; FERREIRA, Nilson Caetano. Mistagogia: novo caminho Formativo de Catequistas. Cap. I. VII SULÃO DE CATEQUESE. São José do Rio Preto – SP. 19 a 21 de agosto de 2011. editor@suliani.com.br
2 comentários:
Obrigada por sua dedicação e troca de conhecimentos.
Excelente o texto! Gratidão!
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